Ao vagar pela internet me deparei com um texto interessante escrito a cerca de 12 anos atrás para o jornal a folha de São Paulo e resolvi compartilhar com os frequentadores aqui do musicaria brasil. O texto onde o ministro da cultura (na época o senhor Francisco Weffort) tem sua opinião discordada em reação a indústria fonográfica em nosso país.
O que me chamou a a tenção no texto foi a analogia em números de venda de diversos artistas nacionais aos internacionais; e vê que, em pouco mais de uma década, certos números citados hoje são verdadeiras utopias para o mercado fonográfico. Números como um milhão de cópias eram facilmente alcançados em vendas e hoje não chegam muitas vezes a 1/4 desse número.
Leiam o texto na íntegra:
Por DANIELA ROCHA
O mercado fonográfico brasileiro nunca esteve tão bem, ao contrário do que pensa o ministro da Cultura Francisco Weffort.
O ministro afirmou ontem, em Brasília, que estaria buscando formas de proteger a indústria fonográfica nacional da atuação ''desigual'' da indústria internacional, sobretudo a americana.
Números de venda e listas das músicas mais tocadas em rádios provam que o quadro não é bem esse.
Segundo a Associação Brasileira dos Produtores de Discos (ABPD), 72% das vendas no país são de discos de música brasileira.
"É chato não concordar com o ministro. A realidade é que o mercado para música brasileira vai melhor que nunca. As emissoras de rádio dedicam 85% do seu tempo à música brasileira. Artistas brasileiros vendem mais do que qualquer intérprete americano", afirmou o presidente da ABPD, Manuel Camero, 61.
Dados levantados pelo Rádio Link (o "Ibope" das emissoras de rádio, ligado à ABPD) apontam que dez entre as dez músicas mais tocadas nas 15 principais estações de rádio de São Paulo são de intérpretes brasileiros (veja ao lado).
No Rio, com exceção do sucesso do porto-riquenho Ricky Martin ("Maria", tema da novela "Salsa e Merengue"), todas as outras músicas da lista das mais tocadas são brasileiras.
Segundo dados levantados junto às principais gravadoras, as vendagens de discos de artistas brasileiros também é superior a dos discos de intérpretes estrangeiros.
As gravadoras multinacionais no Brasil investem cada vez mais nas bandas e cantores brasileiros.
O exemplo de fenômeno de vendagens recente é a banda Skank, que já atingiu a marca do 1,15 milhão de cópias vendidas. Da mesma gravadora, Sony, o megastar norte-americano Michael Jackson, top nas vendagens, teve 180 mil cópias vendidas de seu último álbum "HIStory", que é duplo.
Mas o Skank nem é o primeiro da lista dos mais comercializados da Sony. Outros dois brasileiros dividem o trono: Roberto Carlos e a dupla Zezé Di Camargo e Luciano. Roberto Carlos atinge tradicionalmente a marca do 1,5 milhão.
Da EMI, os últimos lançamentos de Negritude Júnior, que já alcançou a marca das 400 mil cópias vendidas, do Paralamas do Sucesso, 350 mil, e de Marisa Monte, 265 mil, também vencem de goleada o registro de 60 mil cópias vendidas no Brasil do último disco do duo britânico Pet Shop Boys.
Os exemplos não param aí. As 800 mil cópias vendidas pela dupla Chitãozinho e Xororó batem de longe os 350 mil discos vendidos aqui do norte-americano Bon Jovi, principal best seller da PolyGram.
Na mesma gravadora existem outros disparates. Gera Samba vendeu 600 mil cópias de seu último disco contra 250 mil do Metalica. Simone vendeu 1 milhão de cópias; Elton John, dez vezes menos.
Segundo o gerente de marketing da gravadora Virgin, João Franklin, 33, 80% do mercado é de repertório nacional. "Música brasileira vende mais, toca mais nas rádios e aparece mais na mídia do que a estrangeira. Faltou informação ao ministro", disse.
PRESIDENTE CITA LEON TROTSKY EM DISCURSO
O presidente Fernando Henrique Cardoso citou Leon Trotsky (1879-1940), um dos líderes da Revolução Russa, de 1917, em seu discurso durante a solenidade do Dia da Cultura, realizada ontem em Brasília.
''Trotsky dizia que o grande orador, quando fala por sua garganta, passa a voz de Deus. Num dado momento, a criação é obra divina, transforma a liberdade em algo que marca'', disse FHC para uma platéia de artistas, políticos e intelectuais.
O presidente afirmou que o líder comunista nunca foi de seu agrado pessoal, mas sempre respeitou sua inteligência e lhe prestou ''muitas homenagens''.
Para FHC, o país vive num clima de liberdade e, por isso, passa por transformações. ''Se a liberdade não for aproveitada pela criatividade dos artistas, ela não resulta em cultura.''
Na solenidade, foram condecorados com a Ordem de Mérito da Cultura, entre outros, os artistas plásticos Carybé e Athos Bulcão, a atriz Bibi Ferreira, o banqueiro Olavo Setúbal e até o ministro das Comunicações Sergio Motta.
No fim da cerimônia, FHC assistiu a um concerto da Orquestra Sinfônica Brasileira, que tocou composições de Carlos Gomes.
Na cerimônia, o ministro Weffort afirmou ainda não haver definido quais serão os critérios de distribuição dos recursos oriundos da lei sancionada pelo presidente Fernando Henrique Cardoso que destina 1% da renda de loterias federais para o Plano Nacional de Apoio à Cultura.
O ministro anunciou a criação de um programa de incentivos fiscais para o teatro semelhante ao que já funciona para o cinema, conhecido como Lei do Audiovisual.
O programa funcionará com reduções das alíquotas do Imposto de Renda para as empresas que investirem em teatro.
REPERCUSSÃO
José Ramos Tinhorão, 68, crítico de música - A música popular é um produto destinado ao mercado do mundo capitalista, portanto obedece suas regras. Este modo determina que quem pode mais, chora menos: o Brasil pode menos, portanto chora mais. Quanto a equilibrar o desnível da balança entre as matrizes das multinacionais do disco, produtoras de música de massa e a produção nacional, já foi tentado por meio de legislação desde o tempo do presidente Jânio Quadros. Só tem uma coisa: lei escrita não corrige lei de mercado. Se há um país dominado pelo capital estrangeiro, você não pode ter nenhum produto em que o brasileiro se reconheça. O sr. Weffort que se contente com a filosofia do neoliberalismo e não venha com enganação. Se quiser um Brasil brasileiro, que volte aos seus princípios ideológicos e pense em revolução.
Gilberto Gil, 54, cantor e compositor - Em geral, a noção de protecionismo sempre foi vista com simpatia. Ela foi justificada em determinadas épocas porque a quase hegemonia da música estrangeira era evidente. Recentemente, tive informações de que a presença da música brasileira melhorou muito. Acho que a MPB é a menina dos olhos e da alma nacional e isso garante sua sobrevivência. É preciso saber em que o ministro se baseia para ter uma atitude como essa. Se ficar comprovada uma vantagem da música estrangeira, isso passa a ser uma preocupação legítima. Agora um aumento do espaço não significa que vá haver mais democratização. Com a restrição, saem o rock e o pop estrangeiro, mas quem entra? Sertanejo? Pop nacional? Samba? Para mim, é quem estiver mais articulado no setor executivo e mais no coração da massa.
Darcy Ribeiro, 73, senador (PDT-RJ) - Acho a discussão razoável, precisamos defender a música brasileira. Para mim, isso não é a exclusão do país do convívio mundial. Outros países têm mecanismos com esse mesmo objetivo. Como senador, sou favorável a uma legislação e uma regulamentação que, por exemplo, estimulem as rádios e televisões que dêem preferência à produção nacional.
Esse texto foi publicado na Folha de S.Paulo, quarta-feira, 6 de novembro de 1996.
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