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segunda-feira, 22 de setembro de 2008

E TOME SOM BESTA NAS CAIXAS (JOSÉ TELES)

Por José Teles

Embora eu conheça bem John Coltrane, tenha um monte de discos de Miles Davis, Charlie Parker, Ornette Coleman, muita coisa de música erudita, com uma inclinação especial pelos impressionistas, de vez em quando caio na real, e vejo que curto pra valer mesmo é música besta. Atenção, besta não significa exatamente ruim.

Constatei isto mais uma vez dando uma reouvida no repertório com que carreguei meu toca-MP3, quando viajei de férias. Nuns dois gigas de música, o que mais escutei foi o duo inglês The Ting Tings, o CD We started nothing, que tem algumas musiquinhas deliciosamente olvidáveis, a melhor delas a contagiante That's not my name. Depois vieram The Better Beatles, grupinho obscuro que descontruiu e anarquisou com a música do Fab Four, e The Turtles, um dos melhores, e mais subestimados, grupos pop dos anos 60, The 13th Floor Elevator, Erasmo Carlos (o do começo dos anos 70). Tá bem que no meio estavam John Coltrane, com Blue Train, o reggae de Toots and the Maytalls, e uma coletânea de Warren Zevon, um dos mais idiossincráticos roqueiros dos anos 70 e 80.

Deixe-me falar um pouco mais de Warren Zevon. Ele é ótimo para você citar em conversas sobre roqueiros doidões. quando alguém vier falar de Amy Winehouse, você corta o papo: "Amy? Aquilo tá querendo é aparecer. Doido pra mim foi Warren Zevon, até nas músicas com letras cheias de brigas, revólver. O cara foi o Hunter S.Thompson da música, fazia gonzo rock". Aí o que citou Amy Winehouse tenta contra-argumentar, e você novamente interrompe: "Amy até entrou em clínica de reabilitação. Sabe o que fez Warren Zevon? Tava com câncer e recusou-se a se medicar. Droga pra ele só as que davam barato!". Pior é que é verdade. O cara morreu em 2003, com ojeriza a médicos, e cultuado por todo mundo, de Bob Dylan ao pessoal do R.E.M. que participou de alguns dos últimos discos de Zevon.

O Zevon que levei pra viagem foi Excitable boy, de 1978, que tem alguns clássicos como Werewolves of London e Roland the headless Thompson Gunner. Este claro, não fez música besta. O contraponto a Warren Zevon foi uma coletânea dos Herman's Hermits, banda inglesa dos anos 60, que só não foi mais besta do que a Freddie and the Dreamers, de um hit intitulado I'll tell you now, cujo vocalista principal cantava e fazia uma coreografia que inventou e batizou de Do the freddie. Não pegou, porque se assemelhava a um débil mental com problema de coordenação motora, querendo dançar o Lago dos Cisnes. Mas Herman's Hermits curto muito. Aliás foram os únicos astros da chamada Invasão Britânica a vir ao Brasil. Morri de inveja de um amigo meu gaúcho que assistiu ao show dela em Porto Alegre. Eles têm um repertório impagável, com coisas bestas como Mrs.Brown you got lovely daughter (Dona Brown a senhora tem uma filha adorável), ou I'm into something good (Tô dentro de uma coisa boa). Porém nenhuma mais besta do que I'm Henry the Eighth, I Am, cuja letra dizia que ele era o Henrique Oitavo porque casou com uma mulher que havia tido sete maridos antes, todos com o nome de Henrique. Pense numa leseira, e inclusive uma leseira das antigas, porque a música fez sucesso a primeira vez em 1911.

Outro disco de besteira que levei pra relaxar na viagem é um com 50 one-hit wonders, ou seja, caras que só conseguiram um único sucesso na carreira. Entre estes tem uma ou outra coisa legal, mas muito besteira de primeiríssima qualidade. Umas das minhas preferidas é o instrumental Telstar, com The Tornadoes, de 1962, um clássico da música surfe, e obrigatório no repertório de todo conjuntinho de ié-ié-ié. Numa seleção destas não poderia estar ausente The Cascades, com Rhythm Of The Rain (que recebeu uma versão de Demetrius, chamada O ritmo da chuva). Quer uma de uma besteira fantástica? Dominique, com Singing Nun (A freira cantora), também conhecida como Soeur Sourire (Madre Sorriso). Se bem que aqui a coisa foi da leseira à tragédia. A música foi feita para louvar São Domingos (a freira era dominicana), e gravada assim meio por acaso, só com a freirinha acompanhando-se ao violão. A canção, talvez com uma mãozinha de São Domingos, foi primeiro lugar nas paradas do mundo inteiro, em 1963 (teve várias versões no Brasil, uma delas acho que de uma cantora chamada Giane).

Soeur Sourire, tirou o hábito, o sorriso do caminho, e foi morar com uma Anna Pécher, sua namorada. viveram juntas durante dez anos, e suicidaram-se em 1996.

No meu MP3 tinha também Astrud Gilberto, cantando em inglês, Supergrass, Burt Bacharach. Ei pensando bem, não devo gostar tanto assim de besteira não, porque Bacharach é o suprasumo do requinte em música pop. Porém confesso, The Ting Tings fizeram a festa durante a minha viagem, de um jeito que devo passar uns dez anos sem escutar That's not my name.

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