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sábado, 31 de outubro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

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Gonzaguinha

“Eu acredito é na rapaziada
que segue em frente e segura o rojão
Eu ponho fé é na fé da moçada
que não foge da fera e enfrenta o leão
Eu vou à luta com essa juventude
que não corre da raia a troco de nada
Eu vou no bloco dessa mocidade
que não tá na saudade e constrói
a manhã desejada”
GONZAGUINHA, “E vamos à luta”


Filho adotivo do “Rei do Baião”, Luiz Gonzaga, Gonzaga Jr. – ou Gonzaguinha – trilhou caminho próprio na história da MPB. Criado no morro de São Carlos, sua verdadeira escola, desceu de lá com a licença de sua mãe, Dina, “pegou um sonho e partiu/ pensando que era um guerreiro/ com terras e gente a conquistar...”
Apesar da forte presença do pai em sua vida musical, Gonzaguinha só demonstrou essa proximidade em suas primeiras composições. Sua formação é heterogênea: desde pequeno, ouvia melodias portuguesas, Lupicínio Rodrigues, Jamelão, muito Gilberto Gil e Milton Nascimento. Ele mesmo afirmava, sobre suas ascendências musicais: “Quando é uma boa influência, me encosto mesmo. Se fosse tão simples assim, eu estaria tocando sanfona e fazendo baião, igual ao meu pai. Quer influência mais próxima?”
Ao contrário de muitos de seus contemporâneos, Gonzaguinha foi um compositor solitário. Alguns de seus raros parceiros foram Luiz Gonzaga, Capinam e Miltinho. Suas letras desnudam a realidade, sempre atentas às dificuldades do cotidiano, à violência, aos conflitos urbanos, à liberdade de expressão e à justiça social. Formado na geração dos festivais, Gonzaguinha engrossou o coro daqueles que combatiam a ditadura militar. Sua música faz uma crítica, às vezes raivosa, aos dissabores políticos do seu tempo. Mas, com o decorrer dos anos, as letras passaram a expor também seu lado romântico, alegre, e sua crença em um futuro melhor.
Gonzaguinha é daqueles compositores que não figuram com freqüência nas enciclopédias do samba. Mas onde mais se encaixariam as composições “Com a perna no mundo”, “Deixa disso e vamos Nelson”, “O homem falou”, “Comportamento geral”, “Um sorriso nos lábios” e, principalmente, “O que é, o que é?”? Não pode ficar fora do universo do samba um compositor que arrastou toda uma geração, na década de 1980, cantando: “Viver, e não ter a vergonha de ser feliz/ cantar (e cantar e cantar)/ a beleza de ser um eterno aprendiz/ eu sei que a vida devia ser bem melhor e será/ mas isso não impede que eu repita/ é bonita, é bonita e é bonita...”


Toquinho

“Um velho calção de banho, o dia pra vadiar
um mar que não tem tamanho, e um arco-íris no ar
Depois, na praça Caymmi, sentir preguiça no corpo
e numa esteira de vime, beber uma água de coco
É bom passar uma tarde em Itapoã
ao sol que arde em Itapoã...”
VINICIUS DE MORAES e TOQUINHO, “Tarde em Itapoã”

O campinense Paulinho Nogueira é um dos grandes instrumentistas da música brasileira; seu didatismo, técnica e extraordinária capacidade de combinar harmonia e ritmo influenciaram uma legião de violonistas. Antônio Pecci Filho, conhecido desde a infância pelo apelido carinhoso de Toquinho, teve o privilégio de ser um dos alunos de Paulinho. Algumas décadas depois, o menino Toquinho despontaria na música brasileira e ganharia fama internacional.
O aprendizado com os mestres Paulinho, Baden Powell, Léo Peracchi e Oscar Castro Neves, além de seus sistemáticos estudos, puseram o violonista Toquinho entre os melhores de sua geração. A técnica apurada pode ser comprovada no LP solo O violão de Toquinho, de 1966, em que mostra seu virtuosismo até na gravação de “Allemande”, de Bach.
Apesar do começo de carreira como instrumentista, gravando discos solo e acompanhando cantores como Nara Leão, Sylvia Telles e Alaíde Costa, Toquinho ficaria mais conhecido por suas parcerias musicais.
A primeira melodia de Toquinho a receber letra foi a canção “Lua cheia”, em parceria com Chico Buarque e gravada por este em 1967. Um ano depois, Toquinho compôs com o conterrâneo Paulo Vanzolini a música “Boca da noite”, que conquistou o oitavo lugar na fase nacional do III Festival Internacional da Canção.
O primeiro grande sucesso veio da parceria com Jorge Ben (à época sem o Jor). Em “Que maravilha” já aparece uma leve pitada de paixão que faria parte de algumas de suas composições: “Lá fora está chovendo/ mas assim mesmo eu vou correndo/ só para ver o meu amor...” “Escravos da alegria”, com Mutinho, mantém o mesmo espírito: “Ando escravo da alegria/ hoje em dia, minha gente, isso não é normal/ Se o amor é fantasia/ eu me encontro ultimamente em pleno carnaval...”
Com o poetinha Vinicius, Toquinho sedimentaria a mais produtiva e duradoura parceria de sua carreira: ao todo foram 11 anos, com cerca de 120 canções, 25 LPs lançados no Brasil e no exterior e mais de mil shows em palcos brasileiros, europeus e latino-americanos.
Já no final da década de 1960, a dupla ficou conhecida no circuito universitário. Com o movimento estudantil fervilhando de idéias políticas e ações culturais, Toquinho e Vinicius botaram o pé na estrada, nem sempre nas melhores condições de conforto (para dizer o mínimo): comiam em lugares bem simples, repousavam em hotéis de quinta categoria, tocavam em palcos mal iluminados e com equipamentos de som de pouca qualidade. O esforço era recompensado durante as apresentações que, para os muitos artistas que percorriam esse circuito, eram um misto de prazer, atitude política e revigoramento espiritual. 
Boa parte das composições da dupla está eternizada em gravações e também em nossa memória musical. Entre tantas outras, destaco “Regra três” (“Tantas você fez que ela cansou/ porque você, rapaz/ abusou da regra três/ onde menos vale mais...”); “Tarde em Itapoã”; “Carta ao Tom 74” (“Rua Nascimento e Silva, cento e sete/ você ensinando para Elizete/ as canções de Canção do amor demais...”); e, finalmente, o magnífico “Samba da volta” (“É verdade, eu reconheço, eu tantas fiz/ Mas agora, tanto faz/ o perdão pediu seu preço, meu amor/ Eu te amo e Deus é mais...”).
Toquinho fez shows antológicos com Tom, Vinicius e Miúcha, como o do Canecão, no Rio de Janeiro, em 1977, que mantém até hoje o recorde de público e duração da casa. Produziu mais de 40 discos cantando e tocando. Em 1999, selou sua relação com o samba, após o lançamento do CD ao vivo Sinal aberto, com Paulinho da Viola.
“Construir acordes e harmonias, fazer música e poesia” – trecho de “Minha profissão” – é o ofício que fez do artesão Toquinho uma das referências para a história da música brasileira.





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