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domingo, 27 de setembro de 2020

BEBEL CONTOU EM MÚSICA COMO FOI SUA RELAÇÃO COM O PAI

Cantora compôs 'O que não foi dito', na qual teve 'coragem' para falar do significado de João Gilberto em sua vida. Música está no álbum 'Agora', que sai neste mês

Por Mariana Peixoto 


Depois de décadas radicada em Nova York, a cantora voltou a viver no Rio de Janeiro pouco antes da morte de sua mãe, Miúcha, em 2018 (foto: Luigi e Iango/Divulgação)


“Por que não fala na cara/Por que não diz o que pensa/Se nunca pensa o que fala/Pra que viver de mentira”, canta Bebel Gilberto, acompanhada de Mart’nália, em Na cara, composta pelas duas durante conversas mantidas via WhatsApp. É de cara limpa, sem meias palavras, que a cantora e compositora chega a Agora, seu primeiro álbum de estúdio em seis anos.

O clipe de Na cara, lançado nesta semana (foi gravado por celular pelas cantoras, cada uma de sua casa, dirigidas remotamente por Erich Baptista), é um aperitivo para o disco, que será lançado nos formatos vinil, CD e em plataformas digitais, no próximo dia 21, pela gravadora belga Pias Recordings.

Bebel, de 54 anos, estreou há 40 ao lado do pai, João Gilberto (1931-2019), cantando Chega de saudade para um especial de TV. Há 20, lançou Tanto tempo, o álbum que a projetou mundo afora. Agora é um disco com momentos felizes, o que fica claro na faixa-título, e outros um tanto melancólicos, como O que não foi dito, que ela compôs para o pai.

O álbum foi preparado por Bebel e Thomas Bartlett, em Nova York, ao longo de três anos. Foi também nesse período que ela sofreu a perda da mãe, Miúcha (1937-2018), e do pai, que morreu apenas seis meses depois da cantora. 


FORTE

“Acho que não dá para poder pensar muito, ainda estou processando. Já perdi muita gente, namorados, muitos amigos. Na verdade, as coisas que sofri me fizeram muito mais forte. Hoje em dia me sinto mais preparada. Claro que não dá para controlar as emoções, venho tentando ser o mais forte possível. No momento, não estou me aprofundando no assunto (a morte de João Gilberto), só falo durante entrevistas”, ela comenta.



Depois de três décadas vivendo em Nova York, Bebel voltou a morar no Rio de Janeiro. “Moradora do Rio e mãe de uma cachorra linda (Ella, da raça shih-tzu) e muito peluda. Vim para cá logo antes de a mamãe falecer (em 27 de dezembro de 2018). O Rio é o lugar que chamo de minha casa, entreguei meu apartamento em Nova York, mas a minha vida continua lá, onde estão empresário, agente.”

E o mundo ainda é o seu palco. A cantora estava em Nova York quando ficou sabendo da morte do pai. Uma temporada solo na Itália contribuiu muito para a feitura do disco. No início deste ano, ela passou um tempo entre o Japão e Los Angeles (onde gravou o clipe de Deixa, o primeiro single do novo álbum). Voltou ao Brasil em março, diretamente para a quarentena.

“Estou meio frustrada, com disco novo, turnê marcada. Tinha agenda na Europa, Estados Unidos, Canadá. Está difícil”, ela diz. A turnê original havia sido pensada somente com tecladista e baterista. No momento, tem feito pequenas apresentações on-line. “Estou querendo fazer só com o Chiquinho Brown (filho de Carlinhos Brown e Helena Buarque e neto de Chico Buarque, tio de Bebel), pois ele toca teclado muito bem.”

A porção compositora de Bebel apareceu de forma tímida em Tanto tempo e nos trabalhos posteriores foi se desenvolvendo. Todas as 11 canções de Agora são assinadas por ela e Thomas Bartlett – com o acréscimo de Mart’nália na já citada Sua cara e Jennifer Charles em Bolero e Yet another love song.


LETRA

“É uma pressão escrever letra, a parte que sofro mais, não posso negar. Melodia é fácil”, afirma. Bartlett, pianista, cantor e produtor norte-americano, que Bebel conheceu como músico, anos atrás, e com ele fez uma turnê pelo Brasil, tornou-se um nome disputado no meio musical mais recentemente.

Ele produziu trabalhos de Norah Jones, Yoko Ono, Sufjan Stevens, Florence + The Machine e The National. Ao reencontrá-lo em seu estúdio, Bebel se reconectou rapidamente. “A gente não se via há muito tempo. Quando o vi no estúdio, com esse barato mais como produtor, vi como sabe dirigir os artistas. No meu caso, saímos compondo as músicas sem pressão. Às vezes saíram músicas inteiras, com letra e tudo. Outras, eu tinha a melodia na cabeça, e ele buscava a harmonia. Foi muito espontâneo, sem planejamento.”

Foi assim, entre idas e vindas, sem colocar uma data de lançamento, que Agora saiu. O álbum é aberto suavemente, com Tão bom, uma canção-convite: “Deixa a música entrar dentro de você”. Já a faixa-título é um dos momentos solares do trabalho. “Fazer essa música era como se eu estivesse em um filme, fosse uma personagem. É quase uma viagem de atriz/cantora. Não é a Bebel fofinha, mas é a Bebel brincalhona, que brinca mais com a voz. Foge bem das coisas que fiz até agora.”

Bolero, como o próprio título diz, é uma canção no ritmo latino em que Bebel se aventura a cantar em espanhol. “Sempre falei um portunhol, cantar em espanhol era quase um sonho. Quando conseguimos fazer Bolero, chamei a Jennifer Charles, que me ajudou com o espanhol, pois como eu não sabia, tinha composto com algumas palavras inventadas.”

Cliché é uma das canções que se aproximam da bossa sofisticada que apresentou Bebel ao mundo com Tanto tempo. Mas sua interpretação se sofisticou. Em mais de uma vez, sua voz parece emular o que diz a letra, o mar, a lua, a brisa, temas comuns na bossa nova, que seu pai consagrou. É suave, sensual, quase preguiçosa.


PARA JOÃO

E, pela primeira vez, Bebel fala do pai por meio de uma canção que ela mesma compôs. O que não foi dito foi composta enquanto João Gilberto ainda estava vivo, “mas ele não a escutou”, ela diz. “Na outra metade da vida/Você soube, fez tudo/Mas nessa metade/Vou ter que tentar te ensinar”. 

“Tive coragem de assumir o que ele foi para mim, foi um ato corajoso. Não é que eu pensei em fazer uma música para ele, mas as palavras acabaram vindo. E O que não foi dito é algo muito maior, uma grande metáfora.”

Ainda falando sobre João Gilberto, Bebel afirma considerar uma “ótima escolha” o nome da advogada Silvia Gandelman, em decisão do Ministério Público, como inventariante dos bens do cantor e compositor. O assunto é espinhoso, já que os três filhos – Bebel e os meio-irmãos João Marcelo (filho de Astrud Gilberto) e Luisa Carolina (filha de Claudia Faissol) – vivem em litígio.

“Espero que ela consiga fazer um trabalho maravilhoso. Comecei a fazer um trabalho legal (em 2017, ela conseguiu a interdição judicial do pai, que acumulou dívidas enormes), mas nunca fui executiva, só queria poder ajudar. Uma especialista como ela (Gandelman se especializou na administração de direitos autorais) não poderia ser mais do que perfeita. Tem que saber cuidar, pois há muitas possibilidades e ideias”, diz.



AGORA
. Bebel Gilberto
. Pias Recordings (11 faixas)
. Lançamento em formato físico e digital em 21 de agosto. Vinil (US$ 26,99) e CD (US$ 13,99) em pré-venda no site www.piasrecordings.com

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