Páginas

sábado, 5 de setembro de 2020

ALMANAQUE DO SAMBA (ANDRÉ DINIZ)*

Resultado de imagem para ALMANAQUE DO SAMBA



Zé Kéti

“Acender as velas
já é profissão
quando não tem samba
tem desilusão...”
ZÉ KÉTI, “Acender as velas”

É difícil sair de uma roda de samba sem ouvir os seguintes versos: “Eu sou o samba/ sou natural aqui do Rio de Janeiro/ sou eu que levo a alegria/ para milhões de corações brasileiros.” O samba “A voz do morro”, gravado por Jorge Goulart em 1955 e trilha do filme Rio, 40 graus, de Nelson Pereira dos Santos, foi composto por José Flores de Jesus, conhecido como Zé Kéti. Criado em berço musical, o carioca Zé Kéti foi levado para a Portela pelo compositor, depois presidente da escola, Armando Santos. Reconhecido como compositor na quadra da escola, Zé teve desentendimentos em virtude da autoria de algumas músicas, e passou a freqüentar a União de Vaz Lobo no início de 1950. Mais tarde voltaria para a escola de Paulo da Portela. Nos anos 1960, podia ser visto fazendo as honras do restaurante Zicartola e participou do espetáculo Opinião, ao lado de João do Vale e Nara Leão. Com o espetáculo, lançou dois grandes sucessos: “Opinião” e “Diz que fui por aí” (“Se alguém perguntar por mim/ diz que fui por aí/ levando um violão/ debaixo do braço/ Em qualquer esquina eu paro/ em qualquer botequim eu entro/ e se houver motivo/ é mais um samba que eu faço”). Zé Kéti formou o conjunto A Voz do Morro, aproveitando a fama do samba homônimo. Em 1964, gravou alguns de seus sambas numa fita que seria entregue aos cantores da gravadora Musidisc, para seleção de repertório. Paulinho da Viola, Anescarzinho do Salgueiro, Elton Medeiros, Jair do Cavaquinho, Oscar Bigode e Zé Cruz fizeram o acompanhamento e apresentaram outras composições. O resultado foi o lançamento do disco Roda de samba. Esse mesmo conjunto, mais Nelson Sargento, gravaria ainda dois LPs.


Nara Leão

Musa da bossa nova, a cantora Nara Leão desempenhou importante papel na divulgação do movimento e foi um dos elos fortes dos meninos da Zona Sul com os sambistas da Zona Norte. Nara abraçou as causas políticas do seu tempo, aproximando-se dos CPCs da UNE e do Cinema Novo. Cantava tudo que tivesse qualidade, sem esnobismo ou hierarquização de estilos. Cantou Zé Kéti, Cartola, Roberto Menescal, Carlos Ly ra, Ronaldo Bôscoli, Vinicius e
Tom. Foi ela quem registrou as primeiras duas obras da carreira de Chico Buarque de Hollanda, “Olê, Olá” e “Pedro Pedreiro”. Nara foi uma privilegiada antena da MPB.


Zé Kéti viveu toda a dimensão política e cultural do seu tempo. Além de fazer parte do contestatório Opinião, aproximou-se dos bossa-novistas Carlos Lyra e Nara Leão, ligados à ala política da bossa nova, com eles compondo o primeiro “Samba da legalidade”, no qual defendiam o fim da clandestinidade do Partido Comunista.
Com Elton Medeiros, Zé Kéti compôs os sambas “Mascarada” e “Samba original”, gravados pelo jovem Paulinho da Viola. No final dos anos 1960, compôs com Hildebrando Pereira Matos a marcha-rancho “Máscara negra”, um dos maiores êxitos de sua carreira e também do carnaval carioca, com a qual fechamos nossa breve biografia: “Quanto riso, oh! quanta alegria/ Mais de mil palhaços no salão/ Arlequim está chorando/ pelo amor da Colombina/ no meio da multidão...”


Elton Medeiros

“A sorrir
eu pretendo levar a vida,
pois chorando
eu vi a mocidade perdida.”
ELTON MEDEIROS e CARTOLA, “O sol nascerá”

Elton Medeiros, carioca do bairro da Glória, é um dos melhores melodistas e ritmistas da história do samba. Essa notoriedade o colocou lado a lado com parceiros do porte de Hermínio Bello de Carvalho (“Pressentimento”), Cartola (“O sol nascerá”), Mauro Duarte (“Maioria sem nenhum”) e Paulinho da Viola (“Sentimento perdido”).
Elton é daqueles compositores que começaram nas escolas de samba – no seu caso, a querida Aprendizes de Lucas, onde fundou com o irmão Aquiles a ala de compositores. Seu samba “Exaltação a São Paulo” foi considerado, ao lado de “Sublime pergaminho”, um dos melhores da história da escola.
Integrou o conjunto A Voz do Morro e foi um dos grandes incentivadores e frequentadores do Zicartola. Um dos muitos encontros promovidos no sobrado musical da rua da Carioca foi o de Elton com aquele que viria a ser o seu mais constante parceiro, Paulinho da Viola: uma parceria de respeito entre o refinado e harmonizador Paulinho e o melodista de linhas inesperadas Elton só poderia resultar em clássicos como “Onde a dor não tem razão” e “Recomeçar”, para citar apenas dois.
Ainda com o amigo Paulinho da Viola, Elton gravou o LP Samba na madrugada, no qual lançou a antológica música “Minhas madrugadas”, em 1966. Ainda nesse ano, acompanhou a cantora Clementina de Jesus pelo país e o exterior, como Dacar, na mostra de arte negra do Senegal. Já no ano seguinte integrou, com Mauro Duarte, Nelson Sargento, Anescarzinho do Salgueiro e Jair do Cavaquinho, o conjunto Os Cinco Crioulos, que gravou entre 1967 e 1969 três LPs na Odeon.

Seu rigor no repertório e nas opiniões sobre os sambistas fez de Elton um ardoroso defensor do chamado “samba de raiz” – denominação aplicada, na década de 1990, aos veteranos sambistas que não obtinham espaço na indústria fonográfica. No final dos anos 1990 ele participou, ao lado de Mariana de Moraes e Zé Renato, de um show que revisitava sambas clássicos. Em 1999 gravou, ao vivo, no Teatro Municipal de Niterói, o CD Só Cartola, com Nelson Sargento e o tradicional grupo de choro Galo Preto, sendo muito elogiado pela crítica
especializada.


Hermínio Bello de Carvalho

“Não sou eu quem me navega
quem me navega é o mar
não sou eu quem me navega
quem me navega é o mar
é ele quem me carrega
como nem fosse levar
é ele quem me navega
como nem fosse levar”
HERMÍNIO BELLO DE CARVALHO e PAULINHO DA VIOLA,
“Timoneiro”


É difícil precisar o papel de Hermínio Bello de Carvalho na música brasileira, mas com certeza ele está no elenco principal. Como classificar um homem que produz musicais e discos, escreve poesias, inventa e realiza projetos, publica livros e ainda compõe pérolas musicais? Das mãos de Hermínio saíram os espetáculos Rosa de Ouro e o mais recente O samba é minha nobreza: dois divisores de água, cada um em seu tempo. No palco do primeiro estava a geração que estamos retratando; sob os refletores do segundo, novos cantores, compositores e instrumentistas do samba da Lapa revivida. O Projeto Pixinguinha, que incentivou a MPB, o Projeto Menestrel, que mesclava música erudita e popular (imagine o violonista Turíbio Santos ao lado de Clementina!) e a antológica apresentação do Zimbo Trio, ao lado de Elizeth Cardoso e Jacob do Bandolim, no Teatro João Caetano, em 1968, passaram pela elaboração, direção e execução de Hermínio Bello de Carvalho.
De formação musical clássica, o ex-violonista Hermínio deitou raízes mesmo foi como parceiro de Cartola e Carlos Cachaça (“Alvorada”), de Pixinguinha (“Fale baixinho”), de Elton Medeiros (“Pressentimento”), de Chico Buarque (“Chão de esmeraldas”) e de Paulinho da Viola (“Sei lá, Mangueira”, uma declaração de amor do poeta para sua escola).
Os talentos descobertos pelo olhar criterioso e sonhador do múltiplo Hermínio – que, como Fernando Pessoa, vai em frente em busca da realização do belo – trouxeram-nos a poesia e a musicalidade de Paulinho da Viola, as singularidades de Clementina de Jesus e o retorno sempre prazeroso de compositores alijados do grande mercado do disco, a exemplo de Aracy Cortes, Nora Ney, Pixinguinha, Elizeth Cardoso...
Defensor do patrimônio musical brasileiro, do qual faz parte, Hermínio pode ser localizado na tradição como um artista e produtor que faz a história da música popular brasileira.





* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.

Nenhum comentário:

Postar um comentário