O Zicartola
“Eu estou na cidade
eu estou na favela
eu estou por aí
sempre pensando nela”
ZÉ KÉTI, “Diz que fui por aí”
Na primeira metade dos anos 1960, o meio cultural brasileiro passou a ser o palco de grandes discussões estéticas e políticas. Surgia o Cinema Novo, o Centro Popular de Cultura (CPC) da União Nacional dos Estudantes (UNE), a própria une volante, o Movimento de Cultura Popular do Recife, o Teatro de Arena, a Revista Civilização Brasileira, o movimento neoconcreto, o poema-práxis e o método Paulo Freire de alfabetização. Essa dinamização do campo cultural, e seu atrelamento aos movimentos políticos, se fez refletir com intensidade no universo do samba.
Cinema Novo
“Uma idéia na cabeça, uma câmara na mão.” Esse foi o lema criado pelo genial baiano Glauber Rocha para definir o Cinema Novo. Influenciados pela nouvelle vague francesa (Godard, Truffaut) e pelo neo-realismo italiano (Antonioni, Fellini, Pasolini), os jovens cineastas ligados ao movimento criticavam o estilo dos filmes comerciais – os hollywoodianos – e queriam mostrar personagens como o camponês, o operário, o sertanejo, o homem simples do povo e sua cultura. Nelson Pereira dos Santos inaugurou o movimento com Rio, 40 graus, e o ápice se deu com O pagador de promessas, filme de Anselmo Duarte baseado na obra de Dias Gomes, que ganhou a Palma de Ouro no Festival de Cannes. Os filmes Deus e o diabo na terra do sol, de Glauber Rocha, tido como o principal nome da geração, Cinco vezes favela, de Joaquim Pedro de Andrade, Roberto Farias, Miguel Borges, Cacá Diegues e Leon Hirzsman, Porto das Caixas, de Paulo César Saraceni, Vidas secas, de Nelson Pereira dos Santos, Gangazumba, de Carlos Diegues, Garrincha, alegria do povo, de Joaquim Pedro de Andrade e Os fuzis, de Rui Guerra, também são bastante representativos do período.
A classe média intelectualizada passa a reconhecer na cultura popular um privilegiado motor de identidade do país. Locais como o restaurante Zicartola, no Centro do Rio, a gafieira Estudantina, na praça Tiradentes, e ainda os shows Opinião e Rosa de Ouro tornaram-se a coqueluche da rapaziada da Zona Sul carioca.
O Zicartola durou apenas de 1963 a 1965. O sobrado situado na rua da Carioca número 53, no Centro do Rio de Janeiro, local onde se servia música popular e comida caseira, foi um marco de revitalização do samba urbano tão popular que as filas de entrada se estendiam até a praça Tiradentes. Toda uma geração de compositores alijada das escolas de samba encontrou no pequeno sobrado seu novo endereço. Eram os filhos das escolas que agora “batucavam” com a geração bossa nova. Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti, Paulinho da Viola, Nara Leão, Nelson Sargento, Hermínio Bello de Carvalho, Carlos Ly ra e Araci de Almeida estavam entre tantos que dividiam as mesas do sobrado para o ritual do samba.
O compositor, ritmista e cantor Elton Medeiros, observador participante desde o começo do Zicartola, conta-nos um pouco dessa história: “O Zicartola nasceu dos encontros na casa do Cartola, na rua dos Andradas. O Cartola se reunia com a gente... Nós resolvemos ensaiar um conjunto que seria o primeiro A Voz do Morro. Era constituído de Cartola, Nelson Cavaquinho, Zé Kéti, Joacir Santana, Ventura, Armando Santos, da Portela, e eu. Acontece que esse conjunto só se apresentou uma vez na televisão, na TV Rio, Canal 13, mas a coisa não foi em frente e a turma desapareceu. Ficamos Cartola, Zé Kéti, Nelson Cavaquinho e eu. Isso foi em 1962. Eugênio (Eugênio Agostini, sócio e financiador do futuro restaurante) desafiava a gente: ‘Sábado que vem todos têm que apresentar um samba novo.’ Daí surgiram ‘O sol nascerá’, ‘Luz negra’, ‘Diz que fui por aí’.
Eugênio trazia todo sábado uns cinco carros lotados. Um que não saía de lá era o Carlinhos Ly ra, que gravava tudo que a gente cantava. Até espirro... O Zicartola foi continuação disso tudo, já dentro de uma linha comercial.”
Synval Silva
A retomada do samba na década de 1960 fez ressurgir a figura do compositor Synval Silva. Um dos fundadores da escola de samba Império da Tijuca, o mineiro Synval foi autor de pérolas que estouraram nas vozes de Carmen Miranda, sua predileta, Orlando Silva e Odete Amaral. São de sua autoria “Adeus batucada”, “Ao voltar do samba”, “Coração”, “Agora é tarde” e “Madalena se zangou”.
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