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quinta-feira, 16 de julho de 2020

OS BONS FRUTOS DA RESILIÊNCIA

Sob influência do pai, que ouvia Nat King Cole e as Big Bands americanas, este artista carioca que teve grande alcance popular nos anos de 1990 a partir de diversas trilhas sonoras nas dramaturgias nacionais batalha por uma nova chance

Por Bruno Negromonte



Não é de hoje que sabemos que a cultura de massa perfaz um tipo de produção que busca a todo modo satisfazer a necessidade de uma indústria cada vez mais voltada para o capitalismo. Isso já era perceptível nos idos anos de 1940 quando Theodor W. Adorno e Max Horkheimer, filósofos e sociólogos da Escola de Frankfurt, publicaram o ensaio "Indústria Cultural: o esclarecimento como mistificação das massas", texto este que ainda hoje (73 anos após a sua publicação), é considerado um dos mais essenciais para a explicação do fenômeno da cultura de massa e da indústria do entretenimento. Nele fica claro que a denominada Indústria Cultural encontra-se voltada única e exclusivamente para satisfação dos interesses comerciais dos detentores dos veículos de comunicação, que vêem a sociedade como um mercado de consumo dos produtos por eles impostos, dando origem a um processo de massificação da cultura e não levando em consideração aquilo que é de qualidade ou não, mas priorizando o que oportuniza o lucro independente de outros aspectos que deveriam ser relevantes. No entanto, apesar da Cultura de Massa querer transformar todo mundo em um único, ou melhor, num consumidor em potencial, ainda há esperança, uma luz no fim do túnel se ampliarmos os nossos horizontes culturais e deixarmo-nos perceber que o pulso ainda pulsa longe da mira dessa "arte" a favor do consumo e que preza por outros aspectos menos relevante e que não devem ser passivos de qualquer espécie de sublimação. Aqueles artistas que atendem a esses interesses ficam à margem do mercado, e para eles a paráfrase do livro Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley, feita pelo cantor e compositor Zé Ramalho, é sempre válida: "É duro tanto ter que caminhar e dar muito mais do que receber". 



Vários foram e serão os nomes que não terão chance de passar pelo clivo dessa uma indústria cultural tacanha, apesar de todo talento que possui e qualidade apresentada nos seus respectivos trabalhos, dentre eles o artista aqui em questão: Edmon CostaNascido no Rio de Janeiro em meio ao universo protestante, o pequeno Edmon teve seu destino traçado de modo semelhante a alguns dos grandes nomes do soul mundial ao dar os seus primeiros passos na música cantando canções do universo gospel. Daí em diante foi galgando espaços cada vez mais significativos a partir de trabalhos diversos, dentre os quais a sua participação em bandas como Fanzine e Sindicato do SoulNa década de 1990 surge a oportunidade de gravar o seu primeiro álbum solo via Sony Music. O destaque deste debute fonográfico foi a canção "Coração de gelo" (regravada em duo com Jorge Vercillo posteriormente), e que, à época, se fez presente na trilha sonora da novela "O dono do Mundo" como tema do personagem Herculano, interpretado pelo ator Stênio Garcia. Já o seu segundo disco saiu pela Polygram tendo como grande destaque duas canções: "Toda Noite" e "Tocar você". A primeira tema musical presente em "Olho no olho", teledramaturgia global exibida às 19 horas; já a segunda foi escolhida como a canção de abertura da novela "Cara ou coroa", outra produção da Rede Globo. Além disso, em 1994, por exemplo, ele cantava com a cantora Rosana a música “Se eu me apaixonar”, versão de Cláudio Rabello para clássico do repertório de Nat King Cole - "When I Fall In Love". Tema de Tatiana (Cristiana Oliveira) essa canção fez parte da novela “Quatro por quatro” e oportunizou ao Edmon a sua consagração em definitivo por todo o país.


Dentre outras façanhas existente em sua trajetória artística, há o fato da presença de Edmon também em outros momentos da programação da emissora carioca, a exemplo do extinto "Planeta Xuxa" e do show anual "Criança Esperança". Vale ressaltar ainda a sua participação no coral que cantou junto com Stevie Wonder em uma das apresentações do músico americano em nosso país e modo resiliente com que o artista vem apresentando ao público que mantém-se ávido por boa música alguns álbuns contendo uma assinatura muito particular e que reforçam o seu talento a partir da escolha de um seleto repertório. Sem abandonar os palcos, o artista vem procurando pautar-se sempre na coerência e qualidade das canções escolhidas para as suas apresentações. Com um repertório que abrange nomes de destaque dentro da música nacional e internacional, o artista carioca vem mostrando toda a sua versatilidade, sensibilidade e talento como foi possível conferir em suas últimas incursões em um programa televisivo de abrangência nacional. Recentemente, em busca de uma nova oportunidade de levar a sua música ao público de norte ao sul do país, o artista subiu ao palco do “The voice Brasilchamando a atenção de dois dos quatro jurados participantes. Atualmente, o cantor e compositor carioca vem divulgando "Trem balanço soul" , seu mais recente EP composto por faixas como Nossa imaginação" (Don Beto), "Please don't say goodbye" (Christian) e as autorais "Quero seu amor", "Tudo bem" e a faixa homônima ao título do projeto composta por  composta por EdmonRoberto Alemão Marquês e Marcos ArielGravado no verão de 2019 e finalizado no início deste ano, o EP traz em sua ficha técnica nomes como Marcos Ariel (teclados), Bombom (baixos), Victor Biglione (guitarras) e Roberto Alemão Marquês (bateria, percussões  e produção Geral).

Retomando ao início do texto, aquilo que tanto um dos autores do ensaio temia está cada vez mais evidente se levarmos em consideração aquilo que se tanto propaga na rádio e televisão em todo o país. Em seus estudos Adorno afirmava o desaparecimento no futuro das ultimas reservas de racionalidade crítica, o que podemos perceber é que já a algum tempo esse temido futuro vem se desenhando de um modo geral e acelerou-se após a vertiginosa retração da indústria fonográfica a partir da vendagem dos álbuns físicos. É bem verdade que sem a hegemonia das grandes gravadoras, surgiu uma autonomia e facilitação para registros fonográficos. Com o advento das tecnologias, a facilidade de se gravar um álbum hoje é algo surpreendente, mas se engana quem acredita que esta facilidade se dá na hora da divulgação. Autêntico, Edmon é mais uma vítima desse sórdido contexto por não curvar-se. Neste cenário hostil em busca do lucro incessante, percebe-se que a cultura passou a ser mais um instrumento do capitalismo a favor, digamos, do fim da autonomia do indivíduo e acabar com a capacidade crítica do público, comprometendo (ou nivelando rasamente) aquilo que podemos denominar de atividade contemplativa do espectador (podemos ter certeza quanto a esta afirmação ao levarmos em consideração aquilo que propaga nos grandes canais midiáticos). Sorte a nossa que um artista dessa envergadura não traz consigo nada que o leve à resignação mantendo por princípio a sua coerência artística e, sem abrir concessão, vai lutando para que os holofotes novamente volte-se para o seu trabalho e fazer valer a máxima de Kant quando dizia que "De direito, somente a produção por liberdade, isto é, por um arbítrio, que toma como fundamento de suas ações a razão, deveria denominar-se arte".






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