Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
"Debaixo dos caracóis dos seus cabelos", de Roberto Carlos e Erasmo Carlos, é o canto do sabiá que ficou na terra da personagem cantada exilada; é o mimo do sabiá que cata, canta e se dá ao outro enquanto espera o retorno do outro. Ele canta para manter o outro vivo e alegre, apesar da dor da distância.
Tendo sido gravada por Roberto Carlos, esta canção faz parte do disco em que Nara Leão presta homenagem a obra do rei: E que tudo mais vá pro inferno (1978).
No entanto, importa registrar que quando o disco foi lançado no formato de CD, Roberto vetou a presença da canção "Quero que vá tudo pro inferno", consequentemente alterando também o título do disco de Nara, que foi rebatizado para Debaixo dos caracóis dos seus cabelos.
Censuras à parte, temos aqui uma bela canção do exílio às avessas, ou melhor, feita não pelo exilado, mas pelo sabiá, por aquele que ficou. O sujeito-sabiá canta para o outro-exilado a paisagem da terra amada: os espaços que significam o outro e que serão restituídos a ele quando voltar.
Dedicada a Caetano Veloso, a canção, cuja letra é estruturada por quadras de rimas funcionais diante da balada melódica, registra alguns signos que identificam o baiano, tais como: "areia branca", que pode ser lida como uma referência a Lagoa do Abaeté (lugar cantado por Caetano); e "os caracóis dos cabelos" que tem ligação com a cabeleira que Caetano exibia no período do exílio; por exemplo.
Além de figurativizar a confessada melancolia que o compositor homenageado sentia ao ter sido expulso do paraíso, a canção prepara o retorno do outro ao espalhar (para o outro) imagens de tocada felicidade e beleza.
O sujeito da canção é também a sereia que canta o passado ("Uma história pra contar de um mundo tão distante"); o presente ("Você olha tudo e nada lhe faz ficar contente"); e o futuro ("Janelas e portas vão se abrir pra ver você chegar").
O sujeito de "Debaixo dos caracóis dos seus cabelos", sereia que sustenta a história e o desejo do outro na voz, gera o acalanto refrescante e que na voz doce e suave de Nara Leão encontra o ritmo adequado para consolar a alma e o coração do outro. Cantador e cantado, aqui, nesta canção, estão uníssono com a vida.
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Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
(Roberto Carlos / Erasmo Carlos)
Um dia a areia branca seus pés irão tocar
E vai molhar seus cabelos a água azul do mar
Janelas e portas vão se abrir pra ver você chegar
E ao se sentir em casa sorrindo vai chorar
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar de um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante
As luzes e o colorido que você vê agora
Nas ruas por onde anda, na casa onde mora
Você olha tudo e nada lhe faz ficar contente
Você só deseja agora voltar pra sua gente
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar de um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante
Você anda pela tarde e o seu olhar tristonho
Deixa sangrar no peito uma saudade, um sonho
Um dia vou ver você chegando num sorriso
Pisando a areia branca que é seu paraíso
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Uma história pra contar de um mundo tão distante
Debaixo dos caracóis dos seus cabelos
Um soluço e a vontade de ficar mais um instante
* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".
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