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terça-feira, 2 de junho de 2020

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*



Muito romântico

No livro Eu não sou cachorro não: Música popular cafona e ditadura militar, o historiador Paulo Cesar de Araújo observa que a canção "Muito romântico" rebate à patrulha ideológica que reinava na década de 70. Feita para Roberto Carlos (que a gravou em 1977, "Muito romântico", reflete a atitude de Caetano Veloso em "defesa do artista e de seu modo de ser, contra aqueles que tentam botar rédeas e trilhos no seu caminho” (palavras do compositor).
Paulo Cesar pinça os versos “nenhuma força virá me fazer calar / faço no tempo soar minha sílaba”, como exemplo disso. E, de fato, a mensagem da letra, cantada por Roberto Carlos (rei do "alienado" Iê, iê, iê) teria um forte significado para o momento, em que o artista precisava estar engajado com questões políticas. Portanto, não havia ninguém melhor para cantar tais palavras (exóticas).
O romantismo a que o título se refere fica por conta da vontade do sujeito da canção em"querer um acorde perfeito e maior, com todo mundo podendo brilhar num cântico". A liberdade utópica.
Os versos da terceira estrofe ecoam os versos de "Força estranha" (também feita por Caetano para Roberto), principalmente quando estes dizem: "Por isso uma força me leva a cantar". Ou seja, o impulso deve ser de canto e não de silêncio repressivo.
Roberto deu à canção "Muito romântico" uma interpretação de balada romântica, enquanto Caetano (no disco Muito, 1978) imprimiu uma força mais apocalíptica. De todo modo, ambas deixam claro que repressão é um papo que não deu (não dá).


***

Muito romântico
(Caetano Veloso)

Não tenho nada com isso, nem vem falar
Eu não consigo entender sua lógica
Minha palavra cantada pode espantar
E a seus ouvidos parecer exótica

Mas acontece que não posso me deixar
Levar por um papo que já não deu
Acho que nada restou pra guardar ou lembrar
Do muito ou pouco que houve entre você e eu

Nenhuma força virá me fazer calar
Faço no tempo soar minha sílaba
Canto somente o que pede pra se cantar
Sou o que soa, eu não douro pílula

Tudo o que eu quero é um acorde perfeito maior
Com todo mundo podendo brilhar num cântico
Canto somente o que não pode mais se calar
Noutras palavras, sou muito romântico





* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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