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quinta-feira, 7 de maio de 2020

ZÉ TRINDADE, 30 ANOS DE SAUDADES

Por Raphael Vidigal


O que é a natureza…” Zé Trindade


Zé Trindade está na música do Skank. Está na fala do comentarista esportivo José Trajano. Está na boca do povo. Zé Trindade é a boca do povo. Difícil determinar onde começa a personagem e termina o intérprete. O próprio se valia de referências da vida pessoal, autodenominando-se “baiano e muito vivo!”. Num dos inúmeros bordões que perpetrou, tirava sarro da aparência: “É chato ser gostoso”. “Baixinho, feio e sempre safado”, nas palavras do crítico de cinema Inácio Araújo, aliás, os tais bordões servem de principal esteio às atuações de Trindade que, diferente de outros comediantes, não se agarrou a um, mas criou inúmeros deles. Judiado pelas mulheres, o comediante sempre arranja uma saída criativa para as confusões que arruma. Talvez seja este o principal ponto de aproximação de Zé Trindade com o seu povo.


No humor físico de Zé Trindade, o texto, recheado por “cacos”, os famosos improvisos, recebe sentido pelo acompanhamento corporal. Daí que o ritmo das frases, a pausa e a respiração sejam tão fundamentais. Munido de um raciocínio rápido, Trindade mais de uma vez atrasa a conclusão da frase para brindá-la com um desfecho cômico. Essa estratégia de manias e manhas é parte fundamental na construção de seu folclore. As gírias e ditados populares que desfilam na boca de Zé Trindade não teriam o mesmo efeito sem os cacoetes que imprime à sua personalidade. Personalidade esta que carregou, com igual frescor, para a música, onde foi parceiro de Moreira da Silva e entoou, com voz de barganha, cheia de lábia, marchinhas das mais perspicazes, além de xotes e peças maliciosas da sua terra natal.


Parceiro de Dercy Gonçalves, Grande Otelo, Oscarito, Renata Fronzi, Zezé Macedo, Ivon Curi, Arrelia, Chico Anysio, e protagonista de filmes como “Na Corda Bamba” e “Entrei de Gaiato”, Zé Trindade serviu como referência para vários nomes do humor nacional. É nítida a sua influência em Zé Bonitinho e Rolando Lero, personagens criadas, respectivamente, por Jorge Loredo e Rogério Cardoso. No entanto, sua mais específica contribuição ainda é a de ter consagrado, no cinema nacional, durante o ápice da chanchada, o tipo ordinário, facilmente identificado e de forte identificação junto a um público cujas dificuldades cotidianas são amenizadas pelo riso fácil que traz Zé Trindade, sempre especulando na verve do impasse. Como diria esse tipo sórdido: “Mulheres, cheguei!”, ou, ainda mais explicado: “O que é a natureza…”.

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