45 anos de um clássico da discografia do cantor e compositor mineiro
Por Luiz Américo Lisboa Junior
MILTON NASCIMENTO - MINAS (1975)
Até que ponto podemos determinar qual o mais importante trabalho de um artista? Será aquele que o revelou para o grande público ou o produzido na maturidade e que se torna por si mesmo uma obra de reconhecido valor? Essa é uma tarefa difícil que divide muitas vezes críticos, pesquisadores e ouvintes. Uns acham que é o disco que o lança no mercado por constar dele musicas que se tornariam referências alem de ser o marco fundamental de sua trajetória. Confesso que já me vi nestas situações e assumo desde já que esta é uma postura que em muitos casos tomo como parâmetro.
Contudo, vamos agora a uma outra questão, essa ainda mais difícil. Como se pode avaliar o trabalho mais significativo de um compositor/intérprete em cuja trajetória se revelam trabalhos de renomada qualidade e fundamentais na sua carreira e na cultura musical brasileira? Será por exemplo que Chico Buarque, Tom Jobim, Vinicius de Moraes, Dorival Caymmi e outros do mesmo nível não teriam praticamente todo o conjunto de sua obra como referencia? E se tirarmos um único exemplar destacando-o entre os demais não iremos correr o risco de misturarmos preferência pessoal com uma análise critica isenta? Será também que esses artistas têm obras menores ou menos importantes? Em que contexto podemos nos basear para tal critério e postura opinativa? Na vendagem do disco? Na qualidade das musicas? Nos arranjos? Enfim, decidir qual o melhor é muito difícil, mesmo porque o melhor necessariamente não é o mais importante, por isso mesmo que os parâmetros de analise não são unânimes, mas, o que importa isso? Se tudo fosse consenso nossa vida seria de uma monotonia terrível.
Essas considerações para mim são necessárias para determinar os motivos que me levaram a escolher dentre os álbuns de Milton Nascimento o LP Minas lançado em 1975 como um dos discos fundamentais da musica popular brasileira e um marco na carreira desse notável artista.
Carioca, mas criado em Minas, Milton adquiriu uma mineirice que se revela em toda a sua obra, podemos ate afirmar que o seu nascimento no Rio de Janeiro foi um mero acaso, pois foi nas alterosas que sua sensibilidade brotou e dela ele extraiu toda a essência de sua musicalidade, daí Milton é Minas e Minas é Milton, um não vive sem o outro e ambos se complementam.
Depois de ter lançado discos antológicos e participado como uma das peças fundamentais do movimento Clube da Esquina que traria Minas Gerais definitivamente para o grande palco revelando compositores excelentes como Lô Borges, Marcio Borges e Beto Guedes, Milton Nascimento já se consagrara como um dos mais renomados compositores nacionais e também como um de nossos maiores intérpretes. Carreira consolidada, inclusive no exterior, sua criatividade era permanente, existindo sempre uma expectativa positiva em relação a um novo trabalho. Em 1975 davam-se os primeiros passos do governo Geisel e a esperança de um fim da ditadura que tanto prejudicou a produção cultural do país, além do mais a idéia de uma abertura política, lenta e gradual era um discurso que trazia esperanças e a diminuição dos rigores da censura uma realidade, apesar dos descalabros ainda cometidos.
Para quem viveu aqueles momentos a impressão que se tinha é que vivíamos numa legalidade irreal mas consentida, os piores momentos do golpe de 64 já haviam passado, o futuro era uma promessa alvissareira. No campo artístico os anos setenta foram decisivos para a modernização da musica popular e o estabelecimento de parâmetros qualitativos que lhe dariam uma visibilidade permanente tornando-se referencia de criatividade e talento. O clima portanto era propicio para o lançamento de grandes trabalhos e dentre eles, esse Minas, de Milton Nascimento.
O disco pode ser considerado como uma síntese de seus, na época, doze anos de carreira, contando com a participação dos amigos do Clube da Esquina. O repertório nele contido traz canções que se incorporaram definitivamente nos clássicos de Milton e representam o ápice dessa sua trajetória. São musicas que marcaram também toda uma geração e fizeram parte da trilha dos anos setenta, consolidando-se hoje como marcos referenciais da musica popular brasileira de um modo geral.
No repertório apresentado temos, Fé cega, faca amolada, destacando-se o trabalho de Nivaldo Ornelas no saxofone mantendo um permanente dialogo com a interpretação vocal de Milton e Beto Guedes. O sucesso alcançado por essa música mereceu menos de um ano depois gravações do Zimbo Trio, MPB 4, fazendo parte ainda da trilha sonora do show Novos Bárbaros, com Caetano Veloso, Gal Costa, Gilberto Gil e Maria Bethânia. Beijo partido, esta de Toninho Horta, traz Milton num de seus grandes momentos como intérprete; Saudades dos aviões da Panair ou Conversando no bar, é uma canção cuja letra de Fernando Brant traz recordações de uma época em que Milton e seus amigos ainda tinham tempo para descobrir o mundo em conversas amistosas em mesas de bar.
Apesar de já ter sido gravada com sucesso por Elis Regina em 1974, reaparece neste LP com orquestração e regência de Wagner Tiso. Ponta de Areia, é outra permanente referencia em sua carreira, tanto que o próprio Milton a regravaria também em 1975 nos Estados Unidos no LP gravado com o saxofonista Wayne Shorter; Paula e Bebeto, uma das poucas parcerias de Milton e Caetano Veloso, é dentre elas a de maior sucesso. As outras canções do disco como a instrumental Minas que lhe da o nome; Gran circo; Trastevere; Idolatrada; Leila e Simples, formam junto com as outras um painel musical que marcaria uma ruptura na carreira de Milton, que é a sua forte ligação musical com o movimento Clube da Esquina, proporcionando a partir de então novos rumos e experiências conceituais em sua obra, apesar do lançamento em 1978 do LP Clube da Esquina II.
Por fim, perguntamos: Podemos afirmar ser esse o mais importante disco de Milton Nascimento? Muitos dirão que não, contudo, o importante não é o critério avaliativo já que a totalidade de sua obra é fundamental, mas o fato dele se inserir em um momento histórico/criativo na trajetória do artista que nortearia a partir de então novas descobertas e outros sensacionais trabalhos.
Itabuna, 13 de junho de 2006
Músicas:
01) Minas (Novelli)
02) Fé cega faca amolada (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)
03) Beijo partido (Toninho Horta)
04) Saudade dos aviões da Panair (Milton Nascimento/Fernando Brant)
05) Gran circo (Milton Nascimento/Marcio Borges)
06) Ponta de Areia (Milton Nascimento/Fernando Brant)
07) Trastevere (Milton Nascimento/Ronaldo Bastos)
08) Idolatrada (Milton Nascimento/Fernando Brant)
09) Leila (Venha ser feliz) – (Milton Nascimento)
10) Paula e Bebeto (Milton Nascimento/Caetano Veloso)
11) Simples (Nelson Ângelo)
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