Por Juliana Aguiar
“Ei, homem do mar, me mostra o caminho / Tenho a solução, trago a manhã nos cabelos / E nos pés a paisagem de perdido lugar / Eu sou do oco do mundo / Não perdi nem achei e sempre rimarei”. Os versos pouco conhecidos são da canção Oco do mundo, composta em 1976
pelo pernambucano Paulo Diniz, em parceria com Juhareiz Correya, enquanto ambos viajavam a pé do Recife a Juazeiro do Norte, no Ceará. A história da caminhada de mais de um mês que se tornou música é uma das narrativas revisitadas no documentário Paulo Diniz, o oco do mundo, dirigido por Max Levay. A finalização está prevista para a próxima semana, dentro das comemorações de 80 anos de Paulo, celebrados nesta sexta (24).
Eternizado pelas músicas Pingos de amor, Quero voltar pra Bahia e E agora, José?, o artista, um dos mestres da MPB, guia a narrativa do documentário com sua própria voz, a partir das histórias por trás das canções. A produção conta ainda com depoimentos de cantores, amigos próximos e parentes sobre a trajetória artística, desde a infância em Pesqueira, no Agreste pernambucano, até hoje. Também será lançada uma música inédita composta e interpretada por Paulo, com produção musical de Jam da Silva.
Com a câmera em mãos, o cineasta Max Levay entrou na casa de Paulo Diniz, em julho de 2019, onde o artista é acompanhado por dois cuidadores e sua esposa, Iluminata Rangel, a Luminha. O artista se movimenta com limitação e realiza sessões de hemodiálise semanais, em decorrência de uma esquistossomose, doença contraída ainda nos anos 1980, que retornou em 2005, paralisando seus membros inferiores. “Percebi que alguns artistas brasileiros, que têm estilos bem próprios, consolidaram-se há alguns anos e acabam sumindo na mídia por motivos diversos, são relembrados apenas postumamente, como Belchior, por exemplo. E eu temia que isso pudesse acontecer com Paulo Diniz. Então fui atrás de músicos que tocaram com o cantor, falei da minha ideia de documentar a sua história e pedi que me levassem até ele”, explica Max.
No documentário, há também um apanhado de vídeos de pessoas ao redor do país tocando canções de Paulo Diniz. O conteúdo ressalta a atualidade do artista e foi encontrado em uma pesquisa de tags no Instagram. A maioria dos encontros e filmagens aconteceu nas quartas-feiras, dias mais livres para Paulo, sempre após o meio-dia, horário em que o cantor costuma acordar. Perguntado sobre as canções, o artista falou livremente, de forma acessível, ao cineasta, e interrompia quando se sentia indisposto.
Das histórias do Solar da Fossa - casarão colonial situado em Botafogo, no Rio de Janeiro, que abrigou, entre 1964 e 1971, diversas personalidades da música popular, teatro, cinema, televisão, imprensa e política brasileira - até a produção de canções durante a ditadura militar, todas as memórias foram revisitadas pelo artista. “Ao conversar com Paulo, decidi que iria me guiar através de sua discografia. Então, música a música, Paulo foi me contando a sua trajetória através das histórias de suas canções”, conta o diretor.
Quero voltar pra Bahia, por exemplo, foi escrita a partir dos textos publicados por Caetano Veloso no jornal O Pasquim enquanto esteva exilado. “De repente ficou frio / Eu não vim aqui para ser feliz / Cadê o meu sol dourado? / Cadê as coisas do meu país?”, canta. Apesar de driblar a censura em suas composições, Diniz não batia de frente com o regime. “Até hoje, ele se diz neutro sobre política. Como ele dizia, é ‘sem eira nem beira’. Sabia que não era legal, mas não batia de frente”, explica o diretor. Para encerrar a produção, Max Levay incentivou o cantor a sair de casa e gravar uma canção inédita, A música da minha vida, no estúdio Carranca, acompanhado por um coral feminino cantado por Erica Natuza e Lua Costa. E lá foi Paulo Diniz fazer o que mais sabe e gosta.
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