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sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

EM NOVO PROJETO, CONSUELO DE PAULA APRESENTA-SE VISCERAL

Entre meandros sonoros pouco explorados, a artista mineira passeia de modo seguro e cativante como é possível perceber em "maryákoré", seu sétimo registro fonográfico.

Por Bruno Negromonte




Quando nos referimos ao termo transcendência há quem afirme, sensorialmente, que seja algo que está relacionado com aquilo para além do mundo natural, real. Etimologicamente, transcender é sobressair, alcançar de uma maneira ou de outra algo que está fora dos limites que impõe o corpo; elevar-se sobre ou ir além dos limites de; situar-se para lá de... Dentre as mais distintas teorias sobre o termo (apesar de haver algumas divergências) pelo menos em um contexto todas elas são categoricamente convergentes: a arte é um dos caminhos para o alcance dessa tal transcendência e a música um dos portais mais acessíveis. Não há nenhum povo sem música. Nesse contexto sensorial nada é tão material como a música: a voz, instrumentos de sopro, de percussão e de cordas... e disso tudo resulta o que nos enleva, nos transporta para a transcendência, nos coloca lá donde viemos e lá para onde verdadeiramente queremos ir e talvez habitar. Se bem analisarmos poderemos perceber o quanto uma canção, um canto ou algo relacionado ao contexto sonoro é capaz de fazer, de algum modo, a alma transcender a um imaginário perfeito, a um estado único de equilíbrio. Homero, poeta épico da Grécia Antiga, nascido mais de 900 anos antes do início da era cristã, percebeu a existência desse, digamos, portal e soube usar muito bem o seu talento a favor da narrativa sobre o poder fascinante da música em um dos clássicos da literatura mundial. Feita de tempo, a música o pára, o transcende e tange o eterno. Em síntese é isso: Qualquer indivíduo que for questionado sobre quais são as suas percepções sobre uma determinada melodia, por exemplo, chegará a um ponto onde não poderá exprimir completamente, através das palavras, as sensações que a música lhe traz. E isso talvez seja a tradução mais visceral do termo transcender. 



Toda esse contexto teórico sobre transcendência foi para chegar ao nome de uma artista singular, uma artífice guardiã e detentora de uma das chaves que nos conduz a este portal sonoro rumo a esse regozijo. Seu nome? Maria Consuelo de Paula ou simplesmente Consuelo de PaulaPoetiza, cantora, compositora, instrumentista e produtora, Consuelo nasceu na cidade de Pratápolis, localizada na Mesorregião do Sul e Sudoeste de Minas e Microrregião de Passos a cerca de 398 km de Belo Horizonte. Sua arte traz por característica uma identidade muito marcante (pois a sua música não faz concessão) e um canto aprazível. Talentosa, a cantora não rende-se ao ao modismo convencional e por isso mantém-se firme naquilo que acredita como ofício. Tal qual Hermeto Pascoal, para ela o valor maior está nas notas musicais e não nas notas de dinheiro como é possível atestar em cada registro fonográfico. Desde o primeiro álbum lançado em 1998 ("Samba, Seresta & Baião") que o seu trabalho é passivo desta afirmação. Deste ao mais recente somam-se um total de sete álbuns em pouco mais de duas décadas de mercado fonográfico. São projetos como "Dança das rosas", "Tambor e flor", o CD e DVD "Negra" (que foi gravado em espetáculo ao vivo no Teatro Polytheama de Jundiaí), "Casa", "O Tempo e o Branco" entre outros que reiteram a sua aguçada sensibilidade a serviço da arte e da vida. Seja como intérprete de suas próprias canções (havendo como destaque o repertório composto em parceria com o saudoso Rubens Nogueira) ou cantando temas de outros autores, Consuelo de Paula apresenta uma musicalidade originária e de relevante apuro estético como é possível atestar também neste mais recente trabalho cujo título, Maryakorè, um neologismo que surge da soma do primeiro nome da artista a termos indígenas, africanos entre outros.

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Com uma sonoridade bastante visceral, o álbum é um verdadeiro mergulho nos rincões do Brasil. Com alta precisão, a cantora, instrumentista e compositora soube onde se aprofundar assim como também imergir de tais entranhas. Essa viagem, somada o outros aspectos intrínsecos, trouxe como resultado um projeto fonográfico caracterizado por uma sonoridade para além do convencional, passiva à sensibilidade dos mais atentos. Uma ode aos sentidos e sensações, o disco conta com a participação dos músicos Carlinhos Ferreira (percussão) e Guilherme Ribeiro (piano), na apresentação daquilo que melhor foi absorvido pela artista ao aventurar-se no não convencional. Em dois movimentos e parcerias com nomes como Déa Trancoso, Paulo Nunes e Rafael AltérioMaryakorè é a lapidação da destreza a partir do seu estado bruto. É medula daquilo que podemos definir por arte; denso e forte, é raiz profunda de um Brasil intenso como pode-se perceber.

Como bem foi visto, a música tem o poder de nos transportar. Mítica, ela é o divino no mundo ou, pelo menos, o que nos abre à experiência ao divino em algumas situações. Talvez ela seja a tal beleza que o romancista russo Dostoiévski definiu como "salvadora do mundo". Caso não seja, não importa... a beleza pode ser algo mais real, mais audível como, por exemplo, o canto de Consuelo de Paula (que por si só já nos basta). Doce e conciso, o seu canto é uma das coisas que há de mais aprazíveis na música popular brasileira na atualidade. Indelével, seu talento não suprime-se ao apresentar-se inventivo, pelo contrário, mostra-se rico de tal maneira que serve até mesmo como parâmetro para ir de encontro à lógica obtusa de uma indústria cultural que preza por contextos escusos e que estão longe daquilo que muitos acreditam por arte. Xamã em seu ofício, Consuelo guia-se pela sensibilidade e permite-nos uma fascinante aventura no cerne de nossa cultura não apenas para que tomemos conhecimento da diversidade existente neste país de dimensões continentais, mas também para nos permitir uma apropriação que vai para além do tangível, algo muito mais sensorial do que paupável, uma viagem ao encontro de uma ancestralidade peculiar, onde a resistência transfigura-se em música e esta, imbuída de verdade, vai formando um caleidoscópio sonoro abrangente e interessante, passivo da possibilidade de conhecimento. Em síntese é isso: tal qual Caetano, essa mineira, nua com sua música, nos mostra devagarinho, de modo íntimo e intenso, o caminho que vai de tom a tom a nos proporcionar essa vertigem visionária que não carece de seguidor. Porangatu, Maryakorè!



Maiores Informações:

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Para aquisição do álbum:
Pop Discos - https://www.popsdiscos.com.br/detalhe.asp?shw_ukey=47265 Saraiva - https://www.saraiva.com.br/consuelo-de-paula-maryakore-digipack-10621758/p





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