De um lado violões, do outro violino. Resultado: “Carta de Amor e Outras Histórias”, uma ode à Música Instrumental de qualidade.
Por Bruno Negromonte
Por Bruno Negromonte
A diversidade da música instrumental brasileira está intrinsecamente associada à riqueza sonora existente em nosso país. Dentro deste nosso espaço de dimensões continentais cada região tem a sua peculiaridade, o que por seguinte acaba proporcionando não a fragmentação, mas a multiplicação de gêneros e ritmos. Essa afirmação evidencia-se ainda mais quando temos a possibilidade de enumerar os inúmeros artistas que contribuíram e vem contribuindo para a notoriedade do gênero instrumental em cada região do país. Se fomos até a região Sul podemos destacar nomes como Radames Gnattali, Airto Moreira, Renato Borghetti, Yamandu Costa, dentre vários; do Norte vem João Donato, um dos mais significantes nomes da música brasileira do século XX e ainda em atividade. Do Centro-Oeste não podemos deixar de destacar nomes como o da saudosa Helena Meirelles, reconhecida mundialmente por seu talento como tocadora de viola. Quanto ao Nordeste destaque para relevantes nomes e grupos, tais quais Moacir Santos, Nonato Luiz, Walter Wanderley, a Banda de Pífano de Caruaru, Sivuca, Hermeto Pascoal, Armandinho, Canhoto da Paraíba entre outros. Por fim o Sudeste com destaque para nomes como Raphael Rabello, Tom Jobim, Carlos Malta, Paulo Moura, Laurindo Almeida, Luiz Bonfá, Jacob do bandolim, Egberto Gismonti, Pixinguinha (isso só para destacar alguns). Destas duas últimas regiões é que vem os nomes que daremos notoriedade hoje não apenas por já estarem presentes neste rol de grandes instrumentistas brasileiros, mas também por apresentarem, cada qual com seu instrumento, relevantes trabalhos a favor da música brasileira instrumental.
De um lado Ana de Oliveira (violino), que desde os 05 anos de idade interessou-se por música a partir da influência do seu pai e ainda na infância imergiu na música começando a ter aulas de violino (instrumento o qual se apaixonou ao ouvir o concerto de Brahms para violino). Depois de passar pelas mãos de alguns professores particulares, Ana graduou-se na classe de Rainer Kussmaul na Escola Superior de Música em Freiburg, na Alemanha, país que também a fez se aproximar da música contemporânea. Ao retornar para o Brasil atuou como spalla da Orquestra Sinfônica Brasileira, criou e liderou grupos de câmara e vem atuando na música popular nos mais distintos projetos, dentre eles o Trio Puelli; além de outras incursões que a fizeram dividir os palcos e os estúdios com importantes nomes da música brasileira. Quando questionada sobre a sua paixão pela música costuma dizer: “Sempre soube que eu queria ser violinista”. Já Sérgio Ferraz (violões de oito e doze cordas) é natural de Garanhuns, agreste de Pernambuco. Iniciou desde cedo seus estudos na área, a princípio no Conservatório Pernambucano de Música, em seguida, na Universidade Federal de Pernambuco onde tornou-se bacharel. Músico atuante no cenário musical pernambucano desde os anos de 1980, Ferraz traz em sua bagagem projetos como o Alma em água, grupo que ganhou destaque nos principais festivais de música existentes em Pernambuco na década de 1990. No início do milênio formou o Sonoris Fábrica, projeto que une elementos da música nordestina com o jazz mantendo o mesmo prestígio do projeto anterior. Dentre outros projetos destaque para o Quarteto Romançal e o grupo de artistas que integraram as aulas-espetáculos do Escritor Ariano Suassuna. Em sua biografia consta, além de apresentações em palcos nacionais e internacionais, álbuns como seu primeiro CD solo “Dançando aos Pés de Shiva” (lançado em 2011), “A Sublime Ciência e o Soberano Segredo” e “Concerto Armorial”.
A junção destes dois talentos tem sido ovacionado tanto pelo grande público quanto pela crítica especializada. Um encontro musical coeso, onde a violinista Ana de Oliveira e o multi-instrumentista Sérgio Ferraz potencializam seus respectivos talentos a partir da união dos seus instrumentos. A possibilidade deste encontro concretizou-se no palco durante o MIMO Festival ocorrido na cidade de Olinda ao longo de 2018 tendo como proposta unir a abordagem de um repertório com principal enfoque na obra de compositores que são referências para ambos. Após esta estreia a dupla já soma apresentações em alguns dos mais importantes palcos do eixo Rio-São Paulo (tais quais o Blue Note SP e RJ, Sala Cecília Meireles, Casa do Choro, Centro de Referência da Música Carioca entre outros); além de Portugal, onde estiveram presente na programação do MIMO Festival Amarante, em julho de 2019, com grande aclamação do público. A parceria deu tão certa que rendeu o álbum “Carta de Amor e Outras Histórias”, projeto que conta com o design gráfico de Guga Burckhardt e capa de Romero Andrade Lima. Composto por composições de Sérgio e de Egberto Gismonti, o projeto fonográfico conta em sua ficha técnica com a participação especial do percussionista Marcos Suzano.
Como dito: o Brasil sempre foi celeiro de grandes músicos. Lugar de exímios instrumentistas que existem em profusão pelo país afora. A junção de talentos como estes não apenas reforça, mas potencializa essa afirmação. Como bem define o Maestro, compositor e membro da Academia Brasileira de Música Ricardo Tacuchian: “Nosso país não é um só: são muitos os “Brasis”. Ele é plural em suas origens e singular em sua maneira de ser (...)Era a convergência de dois “Brasis” diferentes, mas que se consubstanciou numa síntese que só a arte e o talento de ambos poderiam alcançar (....)". “Carta de Amor e Outras Histórias” chega confluente, unindo o "fácil" e o "difícil", tornando coerentemente uníssona a sonoridade de dois talentosos instrumentistas. Um projeto onde o erudito dá as mãos ao popular e proporciona ao ouvinte uma verdadeira viagem onde constam homenagens como “Dia de São Sebastião” (uma ode ao Rio de Janeiro), “Floresta do Navio” (um samba-baião composto em homenagem à Floresta, cidade natal do pai do compositor no sertão pernambucano), e uma ode ao Egberto Gismonti a partir de duas canções do seu repertório: “Lôro” e “Frevo”. Em síntese é isso: “O disco é um verdadeiro cordel musical, uma síntese do popular com o erudito, um encontro norte-sul, uma superposição temporal contemporâneo/medieval” como bem definiu Tacuchian. Resta-nos aguçar a sensibilidade e nos permitirmos essa prazerosa audição.
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