Por motivos diversos, alguns discos de vinil nunca alcançaram o formato de CD, frustrando alguns e virando objetos de desejo de colecionadores
Por Mariana Mesquita
LPs se tornam objetos raros, disputados por colecionadores, por não serem relançados pelas gravadorasFoto: Lidiane Mota/Folha de Pernambuco
Dentre os milhões de discos de vinil (LPs) produzidos ao longo dos anos no Brasil, o destino de vários tem sido cair em um total esquecimento ou servir como base para artesanato, como relógios de parede - uma triste reciclagem que faz parte da vida. Outros enfrentam o tempo, demonstram sua importância e até ganham força com o passar das décadas, tornando-se verdadeiros clássicos.
Mas, mesmo sendo apreciados pelo público, muitos destes álbuns jamais foram relançados no formato de compact disc (CD), frustrando os fãs e se tornando objetos raros disputados por colecionadores. É o caso do primeiro disco da cantora paraibana Cátia de França, "20 palavras ao redor do Sol", de 1979. "Tem uma loja em São Paulo que está vendendo esse meu LP por mais de mil reais", se espanta ela.
Cátia de França pretende relançar seus primeiros discos em breve - Crédito: Eric Gomes/Divulgação
Os motivos para os discos não terem sido relançados são diversos, indo do mero desinteresse da gravadora ou da falta de vontade por parte do artista, chegando até a pendengas judiciais. Por exemplo: o cantor Geraldo Azevedo relançou todas as suas obras no formato CD, menos uma. "Eterno Presente", de 1988, ficou 'empacado' porque o fotógrafo Cafi, autor da capa, considerou que teria direitos extras. "Ele já tinha sido pago para fazer o LP, mas queria mais dinheiro por conta do CD. A BMG-Ariola não entrou em acordo com ele, e o disco nunca saiu por causa disso", relembra o artista.
"Eu também quis respeitar a capa linda que Cafi fez. Deu muito trabalho, estendemos um painel enorme para formar o fundo lá no campo de futebol de Chico Buarque. Tenho muito amor por aquela capa e queria que o disco saísse com ela. Agora nem sei como vai ser feito, porque Cafi morreu nesse meio tempo", lamenta. "Eterno presente" foi disponibilizado nas plataformas digitais e tem canções marcantes que até hoje são executadas, como "Sétimo Céu", regravada no disco "Grande Encontro", e "Tanto Querer", que foi incluída no novo DVD de Geraldo Azevedo.
Em outras vezes, há total interesse do artista ou da família, mas, por conta das vendas e fusões de gravadoras, há dificuldade até de detectar a quem pertence o acervo. "Diabólica Trindade", de Accioly Neto, foi lançado pela RGE após o cantor ser finalista do festival MPB 81.
"O disco teve certa repercussão e meu pai chegou a ganhar o prêmio de revelação como intérprete masculino, enquanto Zizi Possi foi o feminino", relembra Talitha Accioly, filha do artista. Mas, até o momento, ninguém demonstrou interesse em relançar o disco, motivo pelo qual a família está regravando várias das faixas em um CD tributo que será lançado em novembro. "Nossa vontade é que um dia o original seja relançado, até porque é um disco muito procurado até hoje", diz ela.
"No caso de Luiz Gonzaga, de Ângela Maria e de Nelson Gonçalves, eu penso que é desinteresse. São artistas que têm uma produção muito vasta, e então selecionaram parte dela e deixaram muita coisa de lado", opina Fábio Cabral de Mello, proprietário da loja de CDs Passadisco (www.passadisco.com.br) e pesquisador amador, nas duas acepções do termo, sobre a música popular brasileira. Fábio elaborou uma lista com 33 artistas que têm discos esperando para ser lançados em CD, e que contém nomes de destaque como Roberto Carlos, Milton Nascimento, Moraes Moreira, Gonzaguinha, Jackson do Pandeiro e Naná Vasconcelos.
Muitos desses LPs acabam sendo 'relançados' no exterior, de forma oficial ou não. "Já acessei um site que vendia discos meus, em moeda estrangeira. Na minha conta não entra um tostão dessas vendas", reclama Cátia de França, que vive um momento especialmente produtivo de sua carreira, após enfrentar um período de relativo ostracismo. No início do ano, ela disponibilizou toda a sua discografia nas plataformas digitais e, diante da boa resposta, está entrando em acordo com a gravadora para relançar esse material em CD. "Atualmente quando eu me apresento é lindo, a nova geração vem afiada cantado comigo. São os filhos, netos e bisnetos dos fãs que compraram meu primeiro disco em 1979", diz Cátia, emocionada.
Discos raros como "20 palavras ao redor do Sol" e "Eterno presente" alimentam um mercado paralelo, que vai de LPs sendo vendidos por valores altíssimos até a produção de discos piratas. "Um amigo comprou no Mercado Livre o CD 'A Festa', de Luiz Gonzaga, que nunca saiu nesse formato. Eu olhei e provei por A mais B que ele é falsificado", lamenta Fábio Cabral de Mello. A falsificação também alcança o mercado de LPs, que vêm sendo prensados no exterior, 'maquiados' para parecerem discos antigos e vendidos a preços astronômicos aos desavisados.
Um selo para relançar discos antigos
Segundo o empresário carioca Marcelo Fróes, do fim de 2017 até o momento, cerca de 200 LPs foram transformados em CD pelo selo Discobertas (www.discobertas.com.br). Criado por ele em 2004, o projeto vem se dedicando a fazer reedições de discos raros, caixas de discografias e outros mimos que fazem a alegria dos aficionados pela música. "Temos feito muitas parcerias com gravadoras. Primeiramente, com a Som Livre", conta Marcelo, que relança mensalmente uma média de dez álbuns.
De acordo com ele, seu trabalho tem possibilitado a disponibilização de material nas plataformas digitais, porque os discos são restaurados e remasterizados. "A gente satisfaz ao colecionador, que procura o disco físico, ao oferecer um som limpo, muitas vezes em estéreo. Nos anos 1960, muitas vezes os álbuns eram gravados em estéreo e prensados no formato mono. Quando buscamos a matriz, temos a grata surpresa de encontrar um som estéreo, às vezes desconhecido até pelo próprio artista", comenta.
Por mais de 15 anos, Marcelo viveu de propor compilações e projetos de resgate junto às gravadoras, mas, a partir do começo dos anos 2000, o mercado se retraiu e ele passou a agir por conta própria. "Quando os compact discs surgiram no Brasil, houve uma onda de relançar discos e eles vendiam muito. Hoje, isso não é realidade. As reedições atuais não vendem quase nada. Nosso selo produz pequenas tiragens, e eu consigo fazer coisas que há dez, quinze anos não faria, em muitos casos porque o empresário do artista ou a gravadora achariam que aquilo venderia milhões. É engraçado, mas a crise está facilitando as coisas. Quando a gente procura uma gravadora ou um artista, eles sabem que estamos fazendo aquilo muito mais por conta de um resgate, de uma questão cultural quase lúdica", conta.
"Eu evito fazer contas, porque tenho medo de descobrir que não estou ganhando nada com esse trabalho. Mas tenho um grande prazer em fazê-lo. Sempre procuro fazer projetos com discos que eu adoraria comprar se alguém tivesse feito antes", confessa Marcelo, que entre os vários CDs produzidos incluiu obras de pernambucanos, como o cantor e compositor Luiz Bandeira.
Obras:
- Accioly Neto – “Diabólica Trindade”
- Amelinha – “Água e luz” (84) / “Caminho do Sol” (85)
- Asas da América – Todos os volumes, com exceção do vol. 06 que foi lançado simultaneamente em CD e LP
- Banda de Pau e Corda – “Assim, assim” / “Arruar” / “Pelas ruas do Recife”
- Cátia de França – “20 Palavras ao Redor do Sol” (1979) / “Estilhaços” (1980)
- Dominguinhos – “Cheinho de Molho” / “13 de Dezembro” / “Ô Xente”, entre outros
- Fagner – “Fagner” (86)
- Flaviola – “Flaviola e o Bando Alegre do Sol” (*)
- Geraldo Azevedo – “Eterno Presente”
- Gonzaguinha – “Corações Marginais” (1988)
- Ivinho – “Ao vivo em Montreux” (1978)
- Jackson do Pandeiro – “Um Nordestino Alegre” / “Alegria Minha Gente” / “Nossas Raízes”
- João do Vale – “O Poeta do Povo”
- Luiz Gonzaga – “O Canto Jovem de Luiz Gonzaga” / “Sertão 70” / “Aquilo bom”
- Lula Côrtes – “O Gosto novo da Vida”
- Lula Côrtes & Lailson “Satwa” (*)
- Lula Côrtes & Zé Ramalho – “Paebiru” (*)
- Marconi Notaro – “No Sub Reino dos Metazoários” (*)
- Marinês & Sua Gente - Tô chegando (1986) / Desabafo (1982) / Estaca Nova (1981).
- Moraes Moreira – “Bazar Brasileiro” (80) / “Moraes Moreira” (81) / “Coisa Acesa” (82) / “Pintando o Oito” (83)
- Naná Vasconcelos – “Amazonas”
- Nando Cordel – “Folha, rama, cheiro e flores” / “Estrela afoita”
- Quinteto Violado – “Berra Boi” / “A Feira” / "Pilogamia do Baião"
- Robertinho de Recife – “Robertinho no Passo” / “Satisfação”
- Roberto Carlos - "Louco por você" (disco de estreia)
- Terezinha de Jesus (Todos os álbuns)
- Tetê Espíndola e o Lírio Selvagem – “Tetê e o Lírio Selvagem” (1978)
- Trio Elétrico Dodô & Osmar – “Jubileu de Prata” / “É a massa” / “Bahia, Bahia, Bahia”
- Trio Nordestino – “Aqui mora o xaxado” / “Corte o bolo” / “É forró que vamos ter”
- Zé da Flaute & Paulo Rafael – “Caruá”
- Zé Geraldo – “Zé Geraldo” (1981)
- “1° Cantoria da Música Nordestina”
- “Ao Vivo em Montreux” – Elba Ramalho / Toquinho / Moraes Moreira
- “Ao Vivo em Montreux” – Alceu Valença / Milton Nascimento / Wagner Tiso
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