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domingo, 15 de dezembro de 2019

GILDA DE ABREU, 40 ANOS DE SAUDADES

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Biografia

Gilda de Abreu (Paris, França, 1904 - Rio de Janeiro, RJ, 1979). Diretora, roteirista, cantora, atriz e escritora. Filha de médico diplomata e de cantora lírica, Gilda nasce na Europa onde seus pais estavam radicados. Chega ao Rio de Janeiro com quatro anos de idade. Começando seus estudos com a própria mãe, forma-se em seguida no Instituto Nacional de Música. Segue carreira como cantora, apresentando-se em festas e eventos beneficentes, além de participar com frequência de óperas no Theatro Municipal do Rio de Janeiro. Em 1933, estreia no Teatro Recreio a opereta A Canção Brasileira, grande sucesso popular. É neste espetáculo que ela divide o palco pela primeira vez com o tenor Vicente Celestino (1894-1968), com quem se casa cinco meses após a estreia. A partir deste trabalho ganha fama, e meses depois é convidada por Adhemar Gonzaga (1901-1978), proprietário da Cinédia, para protagonizar o filme Bonequinha de Seda (1936), dirigido por Oduvaldo Vianna (1892-1972).

Eleita rainha das atrizes no carnaval de 1937, ela volta então a se dedicar ao teatro musicado, dirigindo e escrevendo peças que tem seu marido como astro. Uma dessas peças, O Ébrio, baseada na famosa canção de Celestino, alcança tamanha acolhida do público que a Cinédia decide realizar uma versão para o cinema, tendo Gilda como diretora. O filme, de 1946, torna-se rapidamente uma sensação nas bilheterias. Seguem-se mais dois filmes, Um Pinguinho de Gente (1949) e Coração Materno (1951), porém sem o mesmo sucesso. Gilda se afasta então do cinema após escrever o roteiro para o filme Chico Viola não Morreu (1955). Decidida a abraçar de vez o ofício de escritora, obtém certa repercussão como autora de radionovelas. Um de seus mais famosos romances, Mestiça (1944), é adaptado para as telas em 1973. Em 1977, realiza uma última experiência no cinema, o documentário de curta-metragem Canção de Amor, homenagem póstuma a Vicente.
Análise

Gilda de Abreu e Carmem Santos (1904-1952), são as pioneiras entre as mulheres na direção de cinema no Brasil. Ela própria adorava contar, em tom de anedota, que durante as filmagens de seus filmes tinha que usar calças compridas, para não avexar os técnicos que se sentiam constrangidos em receber ordens de alguém com saias. Além do pioneirismo, seu nome se destaca por ter dirigido um filme-acontecimento, O Ébrio, produção que durante muitos anos permanece como a maior bilheteria de nossas telas e, em termos relativos, o maior fenômeno popular do cinema brasileiro.

Para entender o sucesso de O Ébrio, lembremos as palavras de Nelson Rodrigues (1912-1980): "ninguém faz nada em arte se lhe falta a dimensão de Vicente Celestino".1 Para o dramaturgo carioca, Celestino era uma espécie de arquétipo encarnado do artista popular. Pois o filme de Gilda permite justamente que essa figura chapliniana do cantor alcance seu ápice dramático como o bom médico que se torna o "ébrio" do título, o vagabundo errante de apelo tragicômico. A identificação do público é imediata, ainda mais porque o roteiro escrito por Gilda articula de modo feliz o melodrama, gênero industrial por excelência do cinema latino-americano, com parte de nossa tradição da comédia de costumes, tudo isso ambientado com cenários de forte apelo afetivo: a casa de subúrbio, o espaço paroquial, o auditório da rádio, o boteco do Manoel. Antes de tudo, O Ébrio é um sucesso de comunicação direta com as massas.

Tentando aproveitar os bons ventos, Gilda de Abreu e a Cinédia fecham acordo para um novo filme, Um Pinguinho de Gente (1949), interpretado pela atriz mirim Isabeli de Barros, sensação em O Ébrio. A produção é atribulada, as filmagens começam em 22 de Abril de 1947 e só terminam em 16 de fevereiro de 1948 (isso sem as tomadas extras). Após todo o processo de finalização, a película só estreou em 4 de Outubro de 1949. Descontados os problemas pessoais entre Gilda e Adhemar Gonzaga, estes números evidenciam o caráter problemático da industrialização do cinema no Brasil - a Cinédia, então a maior companhia realizadora do país, sustentava-se sobre um modo de produção frágil. Um Pinguinho de Gente demora tanto para ser lançado que, ao estrear, não vale o investimento. Gilda tenta ainda mais uma vez repetir o sucesso de O Ébrio, agora fora da Cinédia. Coração Materno (1951) seguia a mesma receita: baseava-se numa canção famosa de Celestino e tinha ele próprio como astro. Aqui o fracasso se consuma: se o cinema sentimental de Gilda é um dos componentes do sucesso de O Ébrio, certamente pela dinâmica do enredo, em Coração Materno ele já não é mais bem aceito pela plateia que, no começo da nova década, já se acostuma ao padrão Vera Cruz e ao estilo mais solto das chanchadas da Atlântida.
Nota

1 Entrevista a Neila Tavares, Revista Ele & Ela, Fevereiro de 1975. Citado em: NUNES, Luiz Arthur. O Melodrama no Teatro de Nelson Rodrigues. Portal Brasileiro de Cinema, 2005.

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