Páginas

domingo, 17 de novembro de 2019

NELSON GONÇALVES TORNOU-SE CENTENÁRIO – PARTE 02

Ele cantou a alma passional do brasileiro

Por José Teles


Nelson, cem anos


ENCONTRO

Adelino Moreira, nascido em Portugal (na cidade de Gondomar), mas desde os cinco anos no Brasil, conheceria Nelson quando já estava com 32 anos, passara por uma carreira de cantor sem maior relevância e guardava dezenas de composições inéditas na gaveta. Para se sustentar trabalhava na joalheria do pai. Nelson Gonçalves já era famoso quando, em 1952, gravou o samba-canção Última Seresta, a primeira música assinada por Adelino Moreira com um parceiro, Sebastião Santana, jornalista que intermediou o encontro entre Nelson e Adelino (possivelmente, ganhou a parceria por conta disso).

Em pouco tempo, Adelino deixaria de trabalhar com o pai. Quando passou a ser fornecedor de canções para Nelson Gonçalves, poucos astros da música brasileira venderam tantos discos. Na soma geral, ao longo da carreira, 81 milhões de cópias, até os anos 90. Nelson só perdia para Roberto Carlos, que já passou dos 120 milhões. Numa época em que autor dividia composição com intérprete famoso, Adelino não abria a parceria. Nelson assina pouquíssimas músicas com ele. Nos grandes sucessos da dupla, Adelino faturou o suficiente para comprar uma vistosa mansão com piscina em Campo Grande, carrões, e fazer investimentos. No final dos anos 50 e início dos 60, Adelino Moreira foi o compositor que mais faturou com direitos autorais no país. Não apenas com Nelson Gonçalves. Compôs para Ângela Maria, Núbia Lafayette e o clone de Nelson, o capixaba Carlos Nobre.


DESENCONTROS

O compositor aplicava o que ganhava e o cantor gastava. Já no início da carreira exagerava na bebida. Elvira, a primeira mulher, o largou pelos maus tratos que recebia do marido notívago e namorador. Com a cantora Lourdinha Bittencourt teve um relacionamento longo e problemático. Ela aguentou o quanto foi possível. Não estava mais com o cantor no seu pior momento: o 8 de maio de 1966. Na edição de 11 de maio daquele ano, O Globo estampava na primeira página uma foto do cantor, visivelmente abatido, e o título: “Nelson Gonçalves Preso Por Tráfico de Cocaína”. Nelson disse comprara a droga para uso próprio. Revelou que era viciado desde 1949. Mas não traficava. Nessa época, sua carreira naufragava. Tinha mais amizades entre traficantes do que no mundo artístico. A polícia não chegou para prender um ídolo popular e, sim, um fora da lei. Foi um escarcéu.

A casa cercada pela polícia, a porta arrombada, o delegado bateu na cara de Nelson e o algemou, na frente da mulher, Maria Luiza (empregada doméstica com quem se casou em 1962), e dos filhos. Foi autuado por tráfico. Uma balança de precisão encontrada em sua casa era uma das provas, reforçada por 200 gramas de cocaína que um dos seus fornecedores acabara de trazer.

No dia 20 de maio uma multidão acorreu ao presídio onde o cantor estava preso. Ele seria libertado naquele dia. Saiu pela porta dos fundos, driblando os fãs. Dois dias mais tarde internou-se numa clínica de recuperação para dependentes químicos, no bairro da Liberdade. Mas não se libertou logo das drogas (além de coca, consumia comprimidos, na época chamados de “bolinha”). Somente no início da década seguinte, Nelson Gonçalves livrou-se dos vícios. Porém teria que começar do zero. Imóveis, carros, lojas de eletrodomésticos, contas bancárias, tudo ele torrou com farras e drogas.


NO RECIFE

A capital pernambucana ocupou um lugar de destaque na carreira de Nelson Gonçalves. Entre 1944 a 1947, ele lançou 11 frevos de autores do Recife: Capiba, Sebastião Lopes, Irmãos Valença, Nelson Ferreira e Zumba. Gravações exclusivas para o Carnaval de Pernambuco, encomenda de lojistas locais, que foram tocadas na Rádio Clube, a única do Recife na época. Em 1945, ele emplacaria nas paradas com Maria Bethânia, samba-canção de Capiba.

A partir da década seguinte, apresentou-se com mais frequência na cidade, que, além dos programas de auditório nas emissoras de rádio, tinha boates chiques, feito a do Restaurante Leite, onde ele cantou, em dezembro de 1950, com a mulher Lourdinha Bittencourt. Quando retomava a carreira, no começo dos anos 70, o cantor ganhou um alentador impulso dado pelo empresário Pinga, com quem fez a primeira turnê, indo do Espírito Santo à Bahia. Num período de oito anos, segundo o biógrafo de Nelson Gonçalves, o historiador Marco Aurélio Bezerra, Pinga promoveu 78 apresentações do cantor, país afora.

Assim como Cauby Peixoto, Ângela Maria e o próprio Agnaldo Timóteo, somente no final da carreira Nelson Gonçalves foi reconhecido pelo público dito classe A. Nos anos 90, a Raio Lazer levou-o ao Teatro Guararapes, pela primeira vez. Nelson era cantor de clubes sociais, de churrascarias ou de show abertos ao público. No Guararapes foram dois dias de casa lotada.

Por coincidência, o disco que fechou a longa discografia de estúdio do cantor teve um produtor pernambucano, Robertinho do Recife, que conta que só teve problemas com Nelson Gonçalves, que não queria cantar Bem Que Se Quis (versão de Nelson Motta, para E Po’ Che Fa, de Pino Daniele). Machão assumido, Nelson se invocou com os versos: “Agora vem pra perto vem/vem depressa vem sem fim/ dentro de mim/que eu quero sentir o teu corpo pesando/sobre o meu”. “Mas como, Roberto, dentro de mim? Teu corpo pesando sobre o meu? Eu cantar isso?”. Acabou sendo convencido a gravar a música, uma das faixas de Ainda É Cedo, lançado em 1997 pela BMG (que assumiu a RCA).

Nelson Gonçalves morreu às 20h45m, de 18 de abril de 1998, de um fulminante infarto do miocárdio, a dois meses de completar 79 anos.



DISCOS

Um centenário com menos celebrações e homenagens do que Nelson Gonçalves merecia. A mais importante de todas foi o anúncio, pela Sony Music, da liberação nas plataformas de streaming (desde sexta, dia do centenário) de parte da discografia do cantor. Trinta e cinco álbuns voltam ao catálogo, por enquanto no formato digital. O cantor ganha dos Correios um selo oficial alusivo à data.

Desde 4 de janeiro de 2019, está nos palcos o musical Nelson Gonçalves – O Amor e o Tempo, dirigido e coreografado por Tania Nardini. A cantora pernambucana Cristina Amaral, com aval de Margareth Gonçalves, filha de Nelson, montou o espetáculo Uma Saudade Chamada Nelson Gonçalves. Cristina é dirigida por Carlos Pacheco, com roteiro de Saulo Aleixo e direção musical e arranjos de Jefferson Cupertino e Thiago Albuquerque. No dia 18 de abril, dia da morte do cantor, o show teve imagens captadas para um DVD.






Nenhum comentário:

Postar um comentário