Músicos paraibanos transformaram os ritmos de Jackson em influência para seguir carreira artística.
Por Dani Fechine, G1 PB
27/08/2019 05h52 Atualizado há uma semana
Jackson do Pandeiro, na Paraíba — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
Faltava um mês para o Carnaval quando “Sebastiana” ganhou o mundo. Ela veio prematura, já que a previsão do seu lançamento era apenas depois da festa mais esperada no Rio de Janeiro. No improviso, o rei do ritmo apresentou a moça para quem quisesse ver e ouvir, durante a estreia da revista “A Pisada é Essa!”. Hoje com 66 anos de história, Jackson do Pandeiro transformou “Sebastiana” em um grande sucesso. A música que marcou a carreira do rei do ritmo fez parte também da vida de músicos paraibanos que têm em Jackson a inspiração e o espelho da música popular brasileira.
Segundo o historiador Fernando Moura, autor do livro "Jackson do Pandeiro - o rei do ritmo", Sebastiana, convidada para dançar e xaxar na Paraíba, é a primeira música de maior sucesso de Jackson. Com composição de Rosil Cavalcanti, a canção envolvente e coreográfica balança corpos desde o dia do seu lançamento. Um coco que não impede de ser dançado como forró. Como tudo que Jackson fez na música, Sebastiana marca a mistura de ritmos protagonizada por ele.
Era lançamento da revista “A Pisada é Essa!”. Jackson, miúdo e de bom humor, vestia terno, chapéu, sapato e cinto brancos. Apenas a gravata dava cor ao seu figurino. Ele mesmo conta. "Tava eu e Zé Pilintra", disse, relembrando uma entidade da umbanda que é representada com vestimentas semelhantes às que o baixinho usava.
Minutos antes da apresentação de Jackson, uma conversa com o produtor da revista, Amarílio Nicéas, mudou tudo. Ele pediu ao cantor que substituísse o repertório já ensaiado por um coco. Jackson, no entanto, havia previsto um samba e uma marcha.
- Você vai cantar aquele negócio que 'cê' canta, aqueles 'coquinho', do tempo da sua mãe - disse Nicéas.
- Você vai me botar pra cantar coquinhos e tal, aqui? Agora que é uma revista de carnaval? Todo mundo vai contar com uma grande orquestra e tá tá tá! e eu com regional, rapaz... - argumentou Jackson.
Não houve argumento. Parece que Nicéas previa o sucesso que Sebastiana traria para o Brasil. Jackson do Pandeiro então não mais rebateu. Passou a música rapidamente com os músicos e ensinou o coro à radioatriz Luiza de Oliveira. "Eu vou cantar isso 'assim, assim, assim'. E a senhora lá, a senhora faz assim: 'a, e, i, o, u, ypsilone', tá?", explicou Jackson.
No momento da música que tinha participação de Luiza, a atriz deu uma "umbigada" em Jackson e a plateia ficou em um misto de aplauso e gargalhada. Jackson não ficou inerte com a brincadeira e entrou no mesmo clima. "Eu digo: 'Deixa ela vim de vorta agora que eu vou lascar ela na umbigada'. De quando ela veio de lá, eu me preparei de cá, bati no pé no chão, castiguei a mulher na umbigada!", conta Jackson.
Jackson do Pandeiro e as irmãs — Foto: Reprodução/TV Cabo Branco
O momento foi marcante para Jackson. Ele conta que no momento da apresentação lembrou do tempo que via a mãe, Flora Mourão, batendo coco. Naquele instante, o rei do ritmo fazia uma conexão com toda a tradição cultural que foi recebida e partilhada pela família.
“Sebastiana é uma música icônica que traz o DNA da sua mãe, Flora Mourão, com quem aprendeu a cantar o ritmo do coco e também de quem ganhou o instrumento que se tornaria sua marca maior. Acredito que essa ligação de Jackson com a sua origem trouxe uma força grande pra música e fez com que ela se tornasse o seu maior sucesso, ainda na década de 30, o tornando conhecido no Brasil inteiro. Jackson era um cronista da realidade e suas músicas são repletas de histórias e personagens”, declara Arthur Pessoa, vocalista do grupo Cabruêra.
Na mistura de ritmos que criou, Jackson e a umbigada marcaram ali a trajetória artística do cantor. A grande visibilidade e o sucesso repentino do público foram primordiais. Mas o que "Sebastiana" trouxe para a música brasileira, junto à forma com que foi apresentada, está diretamente ligado ao redirecionamento do repertório de Jackson e o restabelecimento da sua identidade cultural. Em apenas uma semana, a revista carnavalesca foi rebatizada como A, E, I, O, U, Ypsilone.
Lucy Alves tem Jackson do Pandeiro como uma grande influência na música brasileira — Foto: Divulgação / Renata Magalhães
'Escola de canto e de músicas'
De acordo com Fernando Moura, a primeira grande regravação de “Sebastiana” foi realizada por Gal Costa, em 1969, com participação de Gilberto Gil na parte mais famosa da letra. A música fez parte do primeiro disco gravado por Gal. A música também já passou pelas vozes de Lenine, Luiz Gonzaga, Luan Estilizado, Genival Lacerda e pelo grupo Clã Brasil.
Com Lucy entre os destaques do grupo composto por pessoas da mesma família, o Clã foi indicado ao Grammy Latino, em 2017, na categoria de melhor álbum de músicas de raízes brasileiras, com um disco exclusivo de regravações de Rosil Cavalcanti, cujas músicas ficaram eternizadas na voz do rei do ritmo. O álbum em cheque era “No Forró do Seu Rosil”, uma grande homenagem a um dos principais compositores de Jackson do Pandeiro.
Lucy Alves, claro, coloca Jackson na bagagem musical e também pessoal. “É uma escola de canto e de música para todos nós”, revela. Ela fez do artista fonte de inspiração e hoje segue os caminhos do rei também na mistura dos ritmos. “Jackson foi muito importante para mim como paraibano, como musicista, pela obra e representatividade dele, tudo que ele criou em cima de ritmo, de músicas e da poesia, atrelado ao instrumento que o tornou rei”, declarou Lucy.
Clã Brasil era composto por mãe, pai e três filhas — Foto: José Hilton/Arquivo Pessoal
Jackson levou para Lucy e para o Clã Brasil a coragem de encarar as músicas rápidas e os trava-línguas. Trouxe presença para um grupo que sabia estar presente por onde passava. “Jackson era muito representativo. Meu avô materno era muito fã, dizia que ele era o maior artista do país. Então ele, junto com Luiz Gonzaga, sempre foram dois ícones que tiveram muitos representantes e estiveram de forma muito direta na minha casa”, relata Lucy.
Jackson e os Afrobatuques
A música de Jackson do Pandeiro ultrapassou gerações. Hoje, os jovens das bandas paraibanas Os Fulano e Cabruêra, se reúnem para homenagear o rei do ritmo com um projeto chamado “Jackson e os Afrobatuques”. Os meninos já fizeram mais de 30 shows desde o início do projeto disparando para várias cidades a música e a memória de Jackson.
Projeto Jackson e os Afrobaduques começou em 2017, na Paraíba, com as bandas Cabruêra e Os Fulano — Foto: Rafael Passos/Arquivo
O projeto nasceu em 2017, em um encontro de Jader Finamore, que toca cavaquinho no grupo Os Fulano, com Arthur Pessoa, vocalista de Cabruêra. “Nós lembramos que dali a dois anos era o centenário de Jackson e pensamos em montar o projeto”, conta Jader. A primeira reunião foi em julho do mesmo ano, a segunda em agosto e, em setembro, o repertório já estava definido.
Para os meninos, a influência que Jackson do Pandeiro trouxe para a Paraíba reflete diretamente nos trabalhos musicais. “De forma geral, a maneira de fazer música de Jackson e a forma de pensar a música nos inspira bastante. Ele pensava a música de forma muito livre. O que ele fazia era samba, mas não era samba, era forró, mas não era forró, era coco, mas não era coco. Ele saía misturando tudo”, comenta Jader. “Essa forma livre que Jackson tem de fazer música nos faz tentar alcançar esse lugar de liberdade na hora de compor ou de produzir”, completa.
Jackson e os Afrobatuques já fez mais de 30 shows desde o início do projeto — Foto: Rafael Passos/Arquivo
A maneira de Jackson fazer as divisões dos ritmos e de misturar a forma como as frases vão ser ditas, dão uma característica única de brincar com o ritmo e as palavras. “Jackson também sempre traz uma alegria pras canções explorando os ritmos brasileiros como o samba, o forró, o coco e o rojão. Então, essa fonte rítmica inesgotável da música brasileira e, em especial, da nordestina, continua sendo um lugar onde todos buscam dessa água 'Jacksoniana'”, relata Arthur.
Para Jader, a própria comemoração do centenário de Jackson comprova sua obra e o seu legado. “Quantas pessoas nasceram há 100 anos e a gente não faz nem ideia? Eu acho que uma pessoa que consegue fazer sua memória durar por 100 anos é um ser muito iluminado, muito especial, é um ser grandioso. É uma obra fincada em uma verdade, em uma cultura, é uma obra que tem raiz, e que cresce, é uma árvore que cresce muito dessa raiz. E a gente está aqui se alimentando e usufruindo da sombra desse grande artista que é Jackson do Pandeiro”, enfatiza Jader.
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