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terça-feira, 26 de novembro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*


Hoje eu quero sair só

No documentário Palavra encantada, Lenine faz uma declaração apaixonada da musicalidade da nossa língua e de como isso está impresso no nosso cancioneiro. Tal declaração diz muito do modo como Lenine compõe, preocupado mais em brincar com os sons das palavras, explorar a potência da palavra falada, do que com os sentidos que elas têm, ou melhor, dando novos e felizes sentidos às palavras.
A canção "Hoje eu quero sair só", de Lenine, Mu Chebabi e Caxa Aragão, lançada no disco O dia em que faremos contato (1997) desnuda o sujeito diante do outro (amante), na busca da sinceridade dos sentimentos. Ou seja, expõe as sensações vindas da insegurança: as possíveis mudanças de comportamento, a urgência dos encontros - tchau.
Antônio Cícero, no poema "Guardar", aponta: "Guardar uma coisa não é escondê-la ou trancá-la.
(...) Guardar uma coisa é olhá-la, fitá-la, mirá-la por admirá-la, isto é, iluminá-la ou ser por ela iluminado".
O sujeito da canção de Lenine parece querer traduzir este desejo de liberdade (que deve ser inerente às relações erótico-afetivas), que une os amantes em um "nó", quando escreve: "Você não quer me trancar num quarto escuro": ele "quer sair só", mas "não demora está de volta".
Obviamente, o "hoje eu quero sair só", pode ser lido como "hoje eu quero sair apenas", o que amplia a possibilidade de interpretação: "sair" é diferente de "separar", mas igual à "liberdade".
"Só" igual a "sozinho": a solidão necessária ao pensamento; "Só" igual a "apenas": o sujeito quer espairecer, respirar para voltar com mais gás: "a lua (musa dos amantes) me chama eu tenho que ir pra rua". Ele precisa a ser só, e a só ser, para, de viés, entender a solidão do outro.
Por outro lado, ao deixar claro o perigo que é seguir alguém, o sujeito deixa o outro livre para ser o que quiser e, assim, livre para amar: o sujeito.


***
Hoje eu quero sair só 
(Lenine / Mu Chebabi / Caxa Aragão)

Se você quer me seguir
Não é seguro
Você não quer me trancar
Num quarto escuro
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só

Você não vai me acertar
À queima-roupa
Vem cá, me deixa fugir
Me beija a bôca
Às vezes parece até
Que a gente deu um nó
Hoje eu quero sair só

Não demora eu tô de volta
Tchau
Vai ver se eu tô lá na esquina
Devo estar
Tchau
Já deu minha hora
E eu não posso ficar
Tchau
A lua me chama
Eu tenho que ir pra rua




* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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