Por Laura Macedo
Sábado de Carnaval, 1973. A Banda de Ipanema passa animada pelas ruas do bairro carioca, ao som de marchinhas e sambas, até chegar diante da igreja Nossa Senhora da Paz. Ali, ouve-se a notícia: o músico Pixinguinha morrera há pouco, de enfarte, dentro da igreja. O som para. De repente, a banda toca os acordes de "Carinhoso". A comoção é geral. Começa a chover.
O poético episódio da morte de Pixinguinha (1897-1973) parece a descrição de uma cena de cinema, e agora vai realmente virar uma: o compositor carioca ganhará uma cinebiografia, que começa a ser filmada em janeiro de 2013. Será a estreia de Denise Saraceni como cineasta, após décadas na televisão, comandando um núcleo na Rede Globo e dirigindo novelas e séries, como "Engraçadinha" (1995).
O músico será vivido por quatro atores diferentes - duas crianças o interpretarão em fases distintas da infância, e Milton Gonçalves o encarnará em sua velhice. O ator David Junior dará vida ao músico na idade adulta, a maior parte do filme.
"Desde o inicio a proposta era um ator revelação, inspirado em experiências como a de 'Cazuza - o Tempo Não Para' [2004], quando o Daniel Oliveira ainda não era tão conhecido. Queríamos uma pessoa com uma imagem não gasta", diz Carlos Moletta, produtor e idealizador do projeto.
Também já estão escaladas para o filme Taís Araújo, que será Betty, mulher por mais de 40 anos de Pixinguinha, e Dira Paes, que viverá sua primeira namorada. Vários outros atores conhecidos devem fazer participações especiais como pessoas que cruzaram a vida do músico em algum momento, como Heitor Villa-Lobos (1887-1959), Mário de Andrade (1893-1945) e Radamés Gnattali (1906-1988). Mas, por ora, a produção prefere não revelar nomes.
"A interpretação é o meu foco. Pixinguinha era um homem de poucas palavras, inteiro em seu desejo e concentração. O elenco é muito grande e qualquer deslize pode comprometer a história", diz Denise Saraceni, ciente de que as atuações vão ser uma preocupação, mas não seu maior desafio.
"Pixinguinha - Um Homem Carinhoso" tem orçamento de R$ 13 milhões, superprodução para os padrões brasileiros, mas por enquanto apenas R$ 6 milhões foram captados (sobretudo por leis de incentivo e com o auxílio de leis regionais de cinema). O alto custo se explica pela magnitude do projeto.
Para garantir uma boa reconstituição de época do Rio da primeira metade do século XX, serão necessários modernos efeitos especiais. Além disso, foi preciso a contratação de músicos para ensinar os atores a tocarem de forma verossímil (ainda que em playback), e algumas canções precisaram ser regravadas, com instrumentos musicais de época.
"Todos os dias serão desafiadores. O orçamento, o tempo, tudo é muito delicado. O som é outro, a cidade é totalmente poluída sonoramente. As locações precisarão ser retocadas e adaptadas para nossa história", diz Denise, que filmará durante dez semanas (o longa deve estrear no começo de 2014).
O projeto de uma cinebiografia de Pixinguinha existe desde 2007, quando Carlos Moletta começou a pensar nos detalhes da produção e a negociar os direitos sobre o uso cinematográfico do biografado.
"Foi um trabalho de convencimento. A família [de Pixinguinha] quis saber quem era o diretor, o ator, o roteirista… Foi uma negociação, como foi também para liberar os nomes de outros personagens reais que estarão no filme", diz o produtor. Alguns nomes foram liberados gratuitamente pelos familiares (caso de Vinicius de Moraes), enquanto outros só permitiram seu uso mediante pagamento (os parentes de Carmen Miranda e Radamés Gnattali, por exemplo).
Pixinguinha nasceu Alfredo Vianna, no bairro da Piedade, Zona Norte do Rio, em 1897. Desde cedo, conviveu com a música - seu pai era flautista amador e muitos de seus 13 irmãos também tocavam instrumentos. Aos 11, compôs seu primeiro choro, estilo do qual se tornaria um ícone. Já adulto e reconhecido, comporia alguns clássicos do nosso cancioneiro, como "Lamento" e "Rosa", além do ultrapopular "Carinhoso". Após um tempo deixado de lado, voltou à moda nos anos 1960, redescoberto pela bossa nova. Jamais cairia em esquecimento.
Era um homem grande (tinha 1,92 m) e suava muito (trocava de camisas várias vezes por dia). Tinha personalidade discreta, por isso muitos pontos de sua vida são relativamente obscuros. O longa se valerá sobretudo de biografias escritas sobre ele (uma por Sergio Cabral, outra por Marília Barbosa), mas também de entrevistas com quem o conheceu - além de depoimentos do próprio músico.
Alguns fatos curiosos, mesmo que pouco prováveis, estão no roteiro. Uma das cenas mostrará a composição da letra de "Rosa", que Pixinguinha sempre atribuiu a um mecânico chamado Otávio de Souza (mas que, dizem alguns, seria de um escritor da Academia Brasileira de Letras que nunca quis ser identificado).
Trará também o suposto encontro entre o músico e Louis Armstrong (1901-1971) em Paris, nos anos 1920. "Na época, Armstrong possivelmente estava tocando jazz no delta do Mississippi. Mas Pixinguinha falou em dois depoimentos que o conheceu! E se ele disse isso, quem sou eu para duvidar?", diz Moletta. "Não é uma biografia verídica: é inspirada na vida do Pixinguinha. Nem tudo é verdade, algumas coisas vão ser contestadas, e pode até ser interessante essa polêmica", diz o produtor.
"Não queremos imitar o Pixinguinha e seus amigos. Queremos, sim, trazê-los com sinceridade para a tela. A liberdade poética será necessária algumas vezes, mas há, acima de tudo, respeito ao seu caráter", afirma Denise. "Quero que as pessoas o vejam como um gênio negro da música brasileira, tão importante quanto Villa-Lobos ou Tom Jobim."
Fonte: Site ANCINE (Agência Nacional de Cinema)
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