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terça-feira, 15 de outubro de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*


"Capitães da areia" é uma das canções mais sinestésicas deste ano. Já nos versos da "Intro" - "As luzes da cidade, batuque, tiro, gemidos, briga é um caos tão bonito" - temos cheiros, visões, escutas e toques que impregnam todo o disco "Esú" de Baco Exu do Blues (Diogo Moncorvo). Os versos "Somos argila do divino mangue / Suor e sangue / Carne e agonia / Sangue quente noite fria" sintetizam a pretendida e brilhantemente executada harmonização (ruidosa e libertária) entre bem e mal - essas condições complementares (não opostas) do Humano. Isso se dá na incorporação de cânticos (ancestrais) de domínio público ao rap (contemporâneo). De fato, o rapper e o cantador popular se cruzam naquilo que a oralidade tem de transmissão de um saber corporal/experimental não domável pela/na escrita. (Mário de Andrade e Jorge Amado, citados na canção, que nos digam). Aliás, é neste entre-lugar que Exú - a voz que fala por trás da voz que canta - é e está: na encruzilhada ética e estética, na travessia. "Vi os prédios subindo / A mata acabando / Aproveitei e arranhei o céu / (...) / Onde cidadãos de bem queimam terreiros / E espancam mulheres, odeiam os pretos / Odeiam o gueto, matam por dinheiro / Eu sou caos, eu sou vilão", afirma.










* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

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