RESUMO: O trabalho a seguir, pretende analisar a temática Mangue Bit, também conhecido como Mangue Beat, movimento artístico-musical criado no inicio dos anos 90 na cidade do Recife-PE por jovens músicos, jornalistas e artistas da periferia local. Tal movimento pretendia alertar a população para a ociosidade cultural a qual a cidade se submetia na época, como também conscientizar a comunidade para os problemas sociais dos quais a população sofria. O Movimento Mangue Beat serviu para dar vez e voz a quem até então vivia a margem sócio-econômica da cidade. Com o surgimento da cena Mangue, o subúrbio passou a ser visto não só como um lugar de violência e desprezo, mas sim, também como um lugar de produção cultural de qualidade. Foi a partir do Mangue Bit que os tidos, classe “B” e “C” puderam se expressar artisticamente marcando assim um novo recorte no campo cultural recifense. Entretanto, os mentores da cena não estavam preocupados só com a produção musical, mas também com a questão ambiental, pois o processo de modernização da cidade aterrou os mangues para dar lugar a avenidas e prédios, ou seja, o movimento ao mesmo tempo que se preocupou com a estagnação musical, denunciou a degradação do ecossistema local, tendo em vista que o mangue é considerado berçário da maioria das espécies marinhas. Para isso se muniram de um documento, o manifesto Mangue, é dividido em três partes e nelas podemos notar a presença dos discursos culturais, ambientais e de identidade. Para a difusão do Manifesto Mangue, seus criadores utilizaram-se tanto da mídia impressa quanto da mídia digital, além do que, criaram uma linguagem própria, baseada em metáforas e gírias ligadas ao ecossistema manguezal. O Mangue Beat esteticamente rompe com a dita tradição musical, se utilizando de fusões rítmicas para fomentar outro gênero que tem como característica a junção do moderno com a tradição, o lúdico com o político, diversão e preocupação.
PALAVRAS-CHAVE: Mangue Beat. Maracatu. Manifesto. Chico Science
Capitulo 3 - Mangue Bit - Mais que Música
3.1 Outras Artes
O movimento Mangue abriu suas “fronteiras” e não se limitou apenas ao campo da música, também influenciou as artes plásticas e o cinema local. Para isso se utilizou tanto de espaços privados como recursos públicos. Havia uma gama de possibilidades para se trabalhar com a temática Mangue, os Mangue boys abriram o “leque da criatividade” e viram que algo de novo poderia brotar do pantanoso mangue, além de miséria social como mocambos e palafitas, havia também muita fertilidade biológica e cultural, era essa área que deveria ser explorada, não no sentido de sugar, mas sim de ver e ser vista, de notar e ser notada. Vale salientar, entretanto que o Mangue Beat brasileiro (década de 90) não tem nada a ver com a Geração Beat inglesa dos anos 50. A Geração Beat é um movimento literário surgido no Reino Unido e não exerce influência notável ao Mangue Beat
Sendo o movimento Mangue espécie de “quilombo cultural”, não demorou muito para inúmeras variações artísticas se inspirarem em sua filosofia e se utilizarem de seus signos. Se musicalmente o Mangue Beat saiu do centro cultural Darué Malungo (Companheiro de guerra no dialeto Ororubá), o próprio centro e algumas comunidades periféricas como Chão de Estrelas, Peixinhos e Auto José do Pinho se “associaram” ao movimento para assim obter o objetivo a ser alcançado, tirar os jovens do ócio oferecendo- lhes atividades profissionalizantes, o que é de suma importância para comunidades que praticamente vivem sem nenhuma perspectiva de vida, onde a criminalidade “bate a porta” dia-a-dia. Dados anteriores mostrados por Josué de Castro no livro Geografia da Fome - 1946, falavam que a cidade do Recife tinha 700.000 habitantes, dos quais 230.000 viviam em mocambos (moradias precárias). Décadas depois, o censo de 2000, aponta que, dos 1.422.905 habitantes, cerca de 501.000 vivem em condições de pobreza, ou seja, 35,2% da população local. A proposta pensada pelos mentores do Mangue Beat era diminuir o ócio cultural da cidade e consequentemente fazer com que os índices de pobreza e criminalidade caíssem. Porém a triste realidade é que em relação à melhoria no campo econômico pouco se alcançou, entretanto os índices de criminalidade caíram. Existem dois motivos para explicar tal fato, o primeiro é pensar que dentro das suas limitações a Cena Mangue conseguiu chamar a atenção dos jovens para produções culturais, desviando-os assim da criminalidade, ou apenas coincidência, pois o Recife está menos violento e apesar de ser a capital nordestina mais violenta, não é mais a quarta pior cidade do mundo para se viver. Uma coisa é fato, os jovens que se influenciaram pela filosofia ‘Crustaceana’ ao invés de seguirem uma vida de crime, sentiram o estimulo fértil da lama, resolveram sair do mangue e ganhar o asfalto! Muitos escolheram a musica Mangue para (tentar) ascender economicamente e também expressar suas angustias e seus sonhos. Era “Pernambuco falando para o mundo” (expressão muito usada nesse período). O Mangue Beat difundia a idéia de que, para conhecer a cultura local era preciso se comunicar com as demais culturas e para isso se fazia necessário instalar (na lama do mangue) uma antena, como disse Fred 04 “...de baixa tecnologia e longo alcance” para só assim captar o “bom” vindo de fora e mesclar com o “bom” da Manguetown (Recife). Como cantou Chico Science, a música tinha que mudar, mas com “Pernambuco embaixo dos pés e a mente na imensidão” (Mateus Enter – Afrociberdelia, 1996).
O Movimento Mangue Bit não se limitou a música, foi além e fez se notar praticamente em todas as formas de expressões artísticas. Me deterei porém em minha analise, além da música, ao cinema, teatro e moda. Como exemplo de cinema Mangue, o chamado ‘Mangue Movie’, subdivisão do gênero cinematográfico ‘Árido Movie’, temos os películas Baile Perfumado que aborda o tema o cangaço e o banditismo da década de 40 exercido por Lampião e seu bando. O filme tem trilha sonora das bandas Chico Science & Nação Zumbi (CSNZ), Mundo Livre S/A (MLSA) e Mestre Ambrósio. As canções interpretadas por CSNZ foram: Angicos, uma versão original e dois remixes, Salustiano Song e Sangue de Bairro, essas com seus fonogramas originais e duas versões. Enquanto a MLSA interpretou Harde Tango, Baile perfumado, tenente Lindalvo e a banda Mestre Ambrósio ficou com Baile Catingoso, Mamede, Chico Rural, Bejaab e Fulô do Junco, esta ultima de domínio publico. Além da participação nas gravações dos integrantes da banda Mestre Ambrósio, o filme teve como produtores musicais Chico Science, Fred 04, Lucio Maia, Siba e Paulo Rafael. Com participação em algumas canções de Stela Campos e Alceu Valença. O filme foi o primeiro longa do gênero. Logo depois veio “Amarelo Manga”. Esse, mais urbano e abordava temas da classe baixa recifense. Com trilhas da Nação Zumbi, Mundo Livre S/A e Otto. Nação Zumbi interpreta Acordando, a entidade, Defunkt, Dollywood, Kanibal ...E o boi deitou, Nebuloza, o fim, Gafieira na Avenida e o fonograma Tempo Amarelo. Mundo livre, a canção Lígia e Otto a canção tema do filme; Amarelo Manga. Com produção musical de Lucio Maia e Joerge du Peixe e participações de B. Negão e Apollo9, a trilha se destaca. Além de Baile Perfumado e Amarelo Manga, ao que se refere trilha sonora Mangue Beat, podemos destacar os longas: A Maquina, Narradores de Javé, O Homem que desafiou o Diabo, Árido Movie, Besouro e Deus é Brasileiro. Em alguns desses filmes, cantores ou bandas Mangues interpretam papeis dentro da trama. Há ainda os curtas Maracatus, Maracatus (Marcelo Gomes), That’s A Lero-Lero (Stepple e Lirio Ferreira) Texas Hotel (Cláudio Assis), A Perna Cabiluda (Beto Normal, Gil Vicente, Marcelo Gomes e João Junior), O Mundo é uma Cabeça (Bidu Queiroz e Cláudio Barroso). Como podemos notar, a produção audiovisual pós Mangue iam de vento em poupa. Certa vez o cineasta Walter Sales Junior ressaltou que “O Mangue Beat foi à coisa mais importante que aconteceu na música popular brasileira”. E pelo o que vimos até agora, não só para a música em si, como também para várias outras expressões artísticas.
No campo teatral, como destaque Mangue temos três espetáculos: O Príncipe das marés, com figurino de Eduardo Ferreira. O espetáculo Pata aqui, pata acolá (2000), adaptado do livro de Edmilson Lima por Sidney Cruz e dirigido por José Manoel, tem como tema uma Família de caranguejos e seus conflitos com o bicho homem. Por ultimo destaco o espetáculo de dança Zambu, com coreografias de Sonalye e Mônica Lira. Na moda temos em destaque o estilista Eduardo Ferreira e a grife Período Fértil, dos artistas Clezinho Santos e Maria Lima. Não deixando de citar os fotógrafos Mangue Fred Jordão, Roberta Guimarães e Breno Laprovitera, e, o escultor Evêncio Vasconcelos.
3.2 Batida Pós-Anos 90
Devido ao falecimento de Chico Science, a banda Nação Zumbi passou um bom tempo com seus tambores silenciados, a cena existente na cidade sentiu o baque do acontecimento. Entretanto, a vida não para e além de Chico, outras pessoas tocavam a “Cultura Mangue” em frente. No ano de 1998, a Nação Zumbi resolve retomar seus trabalhos, lançando um disco duplo intitulado Dia & Noite, o 1º CD vinha com 5 (cinco) músicas inéditas, 8 (oito) faixas ao vivo (ainda com Science nos vocais) e uma regravação da música Samba Makossa, feita pela banda Planet Hemp. No ano seguinte a turma da Nação Zumbi e da Devotos resolve encabeçar um projeto cultural batizado de “Acorda Povo” (1999-2000), com incentivo do poder publico, levaram shows e disponibilizam oficinas de música, moda, reciclagem, grafite, fotografia e pintura, além de propiciarem debates sob inúmeras temáticas sociais, levando assim dignidade, informação e cidadania para bairros periféricos. Em 2002, surge a rádio Alto Falante, rádio essa de cunho comunitário e localizada no bairro carente do Auto José do pinho. Foi desse bairro periférico recifense que saíram bandas como Devotos, Faces do subúrbio e Matalamamão. Enquanto isso em Florianópolis-SC entrava em evidência uma cena musical inspirada na cena Mangue. Chamada de “Mané Beat” (Mané em alusão aos ilhéus daquela região). Fizeram parte desse novo movimento cultural as bandas: Iriê, Primavera dos Dentes, Rococó, Stonkas y Kongas, Phynky Buddha, dazanha e Tijuqueira. Somando assim 7 (sete) no total. Por lá, a notabilidade do “novo som” não chegou a muitas bocas, mas ocorreu e isso é fato. Tanto é que como trabalho final de conclusão de curso em psicologia social surge o documentário: Sete mares numa Ilha: A Mediação do Trabalho Acústico na Construção da Identidade Coletiva. Tese essa defendida por Kátia Maheirie no ano de 2001.
Em meados dos anos 90, quando a cena explodiu, A imprensa e os produtores musicais juntamente com promotores de eventos se apropriaram do gênero Mangue para consolidação de um publico alvo, os jovens de classe médio-baixa, entretanto o movimento alcançou classes sociais mais elevadas, já que segundo Marcos Napolitano “A música brasileira moderna é, em parte, o produto desta apropriação e desse encontro de classes e grupos socioculturais heterogêneos” (2002: 48). Duas revistas virtuais são criadas com a temática Mangue: Virtual Manguenius e Manguetronic.zip.net. Alguns festivais na cidade cresciam e outros surgiam (Abril Pro Rock, PE no Rock, Soul do Mangue e Rec Beat). Economicamente o Mangue Beat foi rentável para suas gravadoras, rentável a certo ponto, já que a internet se popularizou e “engoliu” todos os gêneros musicais de A a Z e praticamente resumiram as vendagens de discos em números mínimos e nos dias atuais nos limitamos a encontrá-los nos respectivos shows, ou seja, o que vemos hoje são gravadoras quebradas e bandas cada vez mais “independentes”, que gravam, distribuem e vendem seus próprios discos.
Vejo que a sonoridade Mangue Beat ainda se encontra viva, porém não mais atuante tanto quanto seu conceito. Como é um termo abrangente (musicalmente falando), se torna muito vaga à idéia do que possa vir a ser ou não Mangue Beat. Mas, seu conceito de ecologia e ação social que se distribui nas letras das músicas, cenas do cinema ou nos materiais reciclados das esculturas, quadros e roupas, está cada vez mais vigente, diria até que tal preocupação aumentou, já que apesar da tentativa de conscientização humanitária dos Malungos, a situação não apresenta um quadro evolutivo nesses últimos anos. As pessoas e as empresas continuam despejando seus dejetos nas margens dos rios, aterrando os manguezais, explorando o economicamente mais fraco e socialmente mais carente. Apesar dos pesares, o reconhecimento da contribuição que Chico e o Mangue Beat deram para as cidades do Recife e Olinda não se resume em batismos de túneis, praças e mangues (apesar de haver) com o nome Chico Science. Em 24 de Abril de 2009 foi inaugurado na casa 21 do Pátio de São Pedro o Memorial Chico Science, o espaço consiste em três ambientes; informativo, imersivo e educativo. No primeiro, uma exposição (Imaginário Chico) e tem como curadora Maria Eduarda Belém (a “Risoflora”). Na segunda sala um tocador de MP3 que muda de música a cada movimentação dos visitantes, é uma sala interativa. O terceiro e ultimo ambiente é destinado a eventos e/ou oficinas. No local também se encontra uma pequena biblioteca, vídeos, computadores e uma discoteca virtual com a temática Mangue. O projeto custou R$ 305.000 para os cofres da prefeitura do Recife. Com o passar do tempo veio o reconhecimento por parte dos poderes públicos e finalmente em 20 de Agosto do mesmo ano (2009), o movimento Mangue Beat a partir de então, se tornou Patrimônio Cultural e Imaterial de Pernambuco. O projeto de lei foi elaborado pelo deputado Sérgio Leite (PT) e publicado no Diário Oficial do Estado.
Sendo assim, o Mangue Beat tem (oficialmente) sua contribuição para a transformação cultural da cidade e para o fomento de uma música pop local reconhecidos e respeitados. Portanto, o que podemos notar é que, a cena Mangue não apenas se fez presente nos espaços da terceira margem dos rios, locais que não se encontravam ocupados pelos feudos culturais hegemônicos, como também se fez presente nos condomínios e apartamentos dos bairros nobres. Na década de 90 o “Pop Nordestino” representado pelo Mangue Beat em Pernambuco fez ferver não só a música como também a moda, o cinema, o teatro, a fotografia e as artes plásticas em termos gerais.
3.3 A Decadência da Industria Fonográfica
Como vimos anteriormente, o Mangue Beat surge no período pós-tropicália e se torna uma espécie de “ultimo canto do cisne da MPB”, Foi uma das ultimas inovações estéticas e culturais abraçadas pelas multinacionais dos discos, pois, no final da década de 90 e inicio do século XXI, houve uma considerável mudança nos padrões de difusão áudio e visual em todo o mundo. Com o surgimento de programas que possibilitam arquivar, trocar e baixar músicas e vídeos. As gravadoras sofreram percas imensuráveis, pois o monopólio da indústria fonográfica havia chegado ao fim e a cada ano se tornava mais fácil realizar uma produção independente. Entretanto, a tecnologia é uma estrada de mão dupla, com a música a tecnologia não poderia agir diferente, se por um lado o monopólio havia acabado e artistas desconhecidos poderiam fazer tanto sucesso quanto artistas de renome com anos de estrada, por outro lado, os artistas consagrados sentiram na pele (e no bolso) a decadência da industria fonográfica, ou seja, enquanto uns ganhavam, outros perdiam e muita gente ficou desempregada, pois, como sabemos é impossível o mercado absorver tudo, como o “mercado” praticamente estava deixando de existir, algumas gravadoras e produtoras fecharam suas portas. O sonho de gravar por uma grande gravadora já não era mais sonho e sim pesadelo, pois, as gravadoras para segurar seus artistas limitavam mais ainda suas regras, enquanto o mercado paralelo “navegava na contra informação”. Algumas bandas Mangues migraram das multinacionais para gravadoras de menor porte; Nação Zumbi, Otto e Mombojó por exemplo, migraram para a TRAMA, fundada em 1998 e mais aberta as novas exigências mercadológicas. Se com a ditadura havia toda uma burocracia para gravar e ser reconhecido, no final do século XX e inicio do XXI o problema era outro, liberdade demais! O prejuízo da indústria fonográfica foi tal que se precisou reduzir pela metade as premiações para as vendagens de discos. Um exemplo disso é a tabela a seguir:
ANTES
|
DEPOIS
|
CLASSIFICAÇÃO
|
100.000
|
50.000
|
OURO
|
250.000
|
125.000
|
PLATINA
|
500.000
|
250.000
|
PLATINA DUPLO
|
750.000
|
375.000
|
PLATINA
TRIPLO
|
1.000.000
|
500.000
|
DIAMANTE
|
No ano 2001 as músicas ganham o formato MP3, se tornam mais compactas e a troca através de download se torna cada vez mais comum. Mais ou menos cinco anos antes Chico previu o que mais tarde viria a acontecer quando falou que “A internet é uma rede cheia de pescadores virtuais”. Como sabemos, é comum, porém na maioria das vezes ilegal, o download de músicas e vídeos através de vários provedores ou blogs que armazenam e distribuem (nem sempre com o consentimento dos artistas) gratuitamente suas obras. Há quem concorde com a idéia e disponibilize toda sua discografia grátis no seu próprio site, como acontece com a banda alagoana Wado. Muitas bandas independentes estão preferindo esse recurso, pois encontram um grande campo de divulgação autoral. Outras bandas (tentando combater a pirataria) preferem disponibilizar sua obra ao preço que os fãs queiram pagar, um exemplo é a banda inglesa Radioread. Mas também há quem tabele suas canções e ainda aqueles que não concordam com a idéia e prefiram o clássico CD, ou ainda um retorno ao histórico LP como forma de tentar frear os downloads. Vejo a pratica do download muito difícil de ser banida, pois, apesar dos milhares de processos em vigor movidos por artistas e/ou gravadoras, na maioria dos países não existem leis especificas para a pratica, já que as constituições são anteriores ao ano 2000. O que existe são algumas emendas, mas que na pratica de pouco adiantam, tendo em vista que um grande número de pessoas acessam a internet e ao “piscar” de um clik obtém toda obra do artista preferido. A própria indústria fonográfica criou o monstro MP3 e agora não tem como se livrar (por mais que queira). Na era digital, a música também se digitalizou e a pirataria sempre existiu, afinal, o que eram as fitas K7 se não, uma ferramenta de download analógico!
Conclusão
De cunho popular, a cena Mangue foi o ultimo suspiro de originalidade musical brasileira, ou seja, com isso quero dizer que o Mangue Beat pode ser chamado (sem demagogia alguma) de “Pop Nacional”. O próprio Fred 04 certa vez chegou a essa conclusão: “Somos o primeiro satélite pop do Recife, um satélite de baixíssima tecnologia e altíssimo potencial de transmissão e processamento de informação” (apud SANCHES. p 10). Porém o Pop Mangue é um Pop diferenciado, que se preocupa com os fatores sociais e a história mundial. Algumas músicas como “Monólogo ao Pé do Ouvido”, Chico cita Zumbi (1655-1695), Antônio Conselheiro (1828-1897), Emiliano Zapata (1880-1930), Augusto César Sandino (1895-1934), Lampião (1892-1937) e os Panteras negras (1969- 1976). Já Fred 04 em suas letras deu alusão ao Subcomandante Marcos (1957... ) nas canções “Desafiando Roma” e na faixa “A Música que os Loucos Ouvem - chupando balas. Num contexto mais regional Fred ainda cita o cacique Chicão Xukuru (1950-1998) de Pesqueira-PE, nas músicas “O outro Mundo de Xicão Xucuru” e “O triste Fim de Manuelita”. Podemos observar que tanto nas letras da Chico Science & Nação Zumbi como na Mundo Livre S/A, as pessoas lembradas são pessoas que fizeram história em seu tempo e que na sua maioria tem em seus perfis características socialistas. Tanto Fred quanto Chico bebiam da fonte denominada por muitos estudiosos culturais de Contracultura. Tanto é que o musico e produtor David Byrne, criador do WorldBeat falou que “O som dele (Chico Science) expressava a dor e o prazer de nossas identidades captadas entre o passado e o futuro, entre a tecnologia e a tradição, o silêncio e o barulho, a lama e os céus”. Sendo assim, podemos fazer um paralelo da fala de David Byrne com a fala do instrumentista e conterrâneo de Chico, Naná Vasconcelos quando o mesmo diz que “Chico foi moderno nas tradições. O som dele não tinha nada com que você pudesse comparar. Chico ensinou caranguejo a voar”.
Devemos ter muita cautela ao classificar um gênero musical, pois, segundo Simon Frith “As pontuações de gênero musical podem variar entre executivos da industria fonográfica, críticos musicais, lojista, ouvintes, etc” (FRITH, 1996: 75). Portanto, Elaborar ou criar conceitos é sempre uma estrada escorregadia. Entretanto o Mangue Bit é mais que um gênero musical, é um conceito comportamental e ideológico ao qual estão aplicados os signos antagônicos lama e cyber tecnologia, tradições e antenas expansivas de mesclas culturais. Se para Elza Pound “O artista é a antena da raça”, o Mangue Beat (no meu ver) cumpriu sua função de expandir não só a cultura pernambucana, mas mesclar tal cultura com o Pop e a World Music. Os Malungos, além de captar transmitiram e com um “satélite de baixo custo” conseguiram levar as ondas sonoras de suas musicas para além das fronteiras Tupiniquins. Chico Science, Fred 04 e os demais artistas das mais variadas vertentes conseguiram nos anos 90 o que ninguém no país até então tinha conseguido, criar o “Pop Nacional”. Certa vez Tom Zé (musico Tropicalista) mencionou que Chico injetou rapidez e entusiasmo na veia da música de sua terra, abrindo uma dessas vertentes que proíbem o tempo de voltar atrás. Chico se foi, mas a Nação Zumbi, a Mundo Livre S/A e tantas outras bandas que se inspiram no conceito Mangue estão na ativa. Porém, dentre tantas optei em meu estudo, trabalhar apenas com Chico Science & Nação Zumbi e Mundo Livre S/A, acreditando eu que, tais bandas formam os divisores de águas dessa cultura, a Cultura Mangue. E assim como Justino, continuo a acreditar que o Mangue Bit (Beat) foi um movimento de “vanguarda intercultural” (JUSTINO, 2006).
Analisando a Cena Mangue, mais conhecido como Movimento Mangue Beat, surgido nos anos 90 e encabeçado por Chico Science e Fred 04, podemos notar que tanto a música como a arte Mangue em geral constitui um grande conjunto de documentos históricos para se conhecer não apenas a história da música brasileira, mas a própria História do Brasil, ou mais especificamente, a História de Pernambuco. História essa que por sinal pode ser analisada em seus diversos aspectos. Diante disso, resolvi optar pela História Cultural, usando como ponto de referencia a Cena Mangue. Tal pesquisa possibilitou a discussão em torno de um tema interessante para se pensar o comportamento social jovem pernambucano das décadas de 1990 a 2000. Devemos entender essa região como um lugar de construção, um lugar regido por estruturas de poder que legitimam e nomeiam algo tornando-o naturalizado. Foi dentro dessa ótica que discutimos o Mangue Bit, ideologia jovem que mistura inúmeras artes, tais como música, teatro, cinema, artes plásticas, etc. E se hoje, o Movimento Mangue Beat é tema de estudos acadêmicos, isso se deu ao fato do Mangue Bit ter dado uma projeção nunca antes vista aos artistas populares locais. Não esquecendo, entretanto, da preocupação com a degradação do ecossistema mangue e a situação de miséria sócio-cultural em que se encontravam as ditas classes “média e baixa” da grande Recife. Escolhi a temática por pura paixão, afinal não acredito em neutralidade na escrita, paixão sim, porém com responsabilidade. Tanto o Mangue Beat quanto a História me fascinam, sendo assim, que mal há em juntar os dois?
“Afinal, todo pesquisador, jovem ou experiente, é um pouco fã do seu objeto de pesquisa. Em se tratando de música, a relação deliciosamente se multiplica por mil” (NAPOLITANO, 2002, p. 48).
FONTES E BIBLIOGRAFIA
1. Discografia.
Mundo Livre S/A. Samba Esquema Noise. Warner, 1994.
Chico Science e Nação Zumbi. Da Lama ao Caos. Sony Music, 1994. Chico Science e Nação Zumbi. Afrociberdelia. Sony Music, 1996.
Chico Science e Nação Zumbi. CSNZ. Chaos/Sony Music, 1998. (Cd póstumo)
2. Videografia.
ALENCAR, Alexandre. De malungo pra malungo. 1999. (42 min. Cor) ASSIS, Cláudio. Texas Hotel. 1999 ( 14 min. cor).
.Um passo à frente e você já não está no mesmo lugar. 2000 (50 min. Cor)
. Amarelo manga. 2003 ( 100 min. Cor).
CALDAS, Paulo. & LUNA, Marcelo. O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas. 2000. (75 min. Cor).
. & FERREIRA, Lírio. Baile Perfumado. 1997 (93 min. Cor) FERREIRA, Lírio. Árido Movie. 2003 (115 min. Cor)
GOMES, Marcelo. Maracatu, Maracatus. 1995 (14 min. Cor)
. et al. A perna cabiluda. 1997. (19 min. Cor)
MAHEIRIE, Kátia. Sete mares numa ilha: a mediação do trabalho acústico na construção da indentidade coletiva. 2001.
QUEIROZ, Bidu. & BARROSO, Cláudio.O mundo é uma cabeça. 2004 (17 min. Cor) TENDLER, Sílvio. Josué de Castro, cidadão do mundo. 1995. (52 min. Cor)
3. Bibliografia.
ABREU, Martha. Cultura Popular: um conceito de várias histórias. São Paulo: Nova Fronteira,1999.
ALMEIDA, Candido José Mendes de. O que é Vídeo. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense, 1985. (col. Primeiros Passos).
ANDRADE, Mario de. Compêndio sobre a música brasileira. 2 ed. São Paulo:Chiarato, 1929.
. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1962.
. Música, doce música. São Paulo; Martins Fontes, 1963.
BERNARDET, Jean-Calude. O que é Cinema. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense, 185. (col. Primeiros Passos).
BORDIEU. Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997.
CARMO, Paulo. Sérgio do. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Ed. do SENAC, 2001.
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 3
NAPOLITANO, Marcos. História cultural de música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002.
NEGUS, Keith. Los gêneros musicales y la cultura de las multinacionales. Barcelona: Paidós, 2005.
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REZENDE, Antonio Paulo. O Recife: histórias de uma cidade. 2 ed. Recife: Fund. De Cultura do recife, 2005.
RODRIGO, Moisés Gameiro. & CARVALHO, Cristina. O Movimento Manguebeat na mudança de realidade sócio-política de Pernambuco. In: Anais do 6º Congresso português de Sociologia. Universidade Nova Lisboa, 25-28 de junho de 2008.
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4. Internet.
FRITH, Simon. A indústria da música popular. University Press. Coleções Cambridge on line, 1996. Disponível em: http://www.popup.mus.br/.../industria.pdf Acesso em: 20 jul. 2009.
JUSTINO, L. B. A vanguarda intelectual. In: Estudos literários e sócio-culturais. 1. Campina Grande: EDUEPB, 2006. Disponível em: http://ppgli.uepb.edu.br/index.php Acesso em 20 jul. 2009.
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