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terça-feira, 13 de agosto de 2019

DA LAMA A FAMA: DISSECANDO O MOVIMENTO MANGUE BEAT (1994-2004) - PARTE 02

Por Marcilo José Ramos da Silva



RESUMO: O trabalho a seguir, pretende analisar a temática Mangue Bit, também conhecido como Mangue Beat, movimento artístico-musical criado no inicio dos anos 90 na cidade do Recife-PE por jovens músicos, jornalistas e artistas da periferia local. Tal movimento pretendia alertar a população para a ociosidade cultural a qual a cidade se submetia na época, como também conscientizar a comunidade para os problemas sociais dos quais a população sofria. O Movimento Mangue Beat serviu para dar vez e voz a quem até então vivia a margem sócio-econômica da cidade. Com o surgimento da cena Mangue, o subúrbio passou a ser visto não só como um lugar de violência e desprezo, mas sim, também como um lugar de produção cultural de qualidade. Foi a partir do Mangue Bit que os tidos, classe “B” e “C” puderam se expressar artisticamente marcando assim um novo recorte no campo cultural recifense. Entretanto, os mentores da cena não estavam preocupados só com a produção musical, mas também com a questão ambiental, pois o processo de modernização da cidade aterrou os mangues para dar lugar a avenidas e prédios, ou seja, o movimento ao mesmo tempo que se preocupou com a estagnação musical, denunciou a degradação do ecossistema local, tendo em vista que o mangue é considerado berçário da maioria das espécies marinhas. Para isso se muniram de um documento, o manifesto Mangue, é dividido em três partes e nelas podemos notar a presença dos discursos culturais, ambientais e de identidade. Para a difusão do Manifesto Mangue, seus criadores utilizaram-se tanto da mídia impressa quanto da mídia digital, além do que, criaram uma linguagem própria, baseada em metáforas e gírias ligadas ao ecossistema manguezal. O Mangue Beat esteticamente rompe com a dita tradição musical, se utilizando de fusões rítmicas para fomentar outro gênero que tem como característica a junção do moderno com a tradição, o lúdico com o político, diversão e preocupação. 


PALAVRAS-CHAVE: Mangue Beat. Maracatu. Manifesto. Chico Science



Capitulo 1 - O Caldo Musical do Mangue Beat



1.1 A Música no Brasil

Por se caracterizar um país miscigenado, o Brasil, durante sua história sofreu políticas de povoamento, dentre as contribuições dos povos que aqui migraram, podemos citar a contribuição cultural dos povos africanos, europeus e dos próprios nativos (indígenas). Mas é no século XX que a música no Brasil ganha destaque nos estudos acadêmicos.

“A música, sobretudo chamada ‘música popular’, ocupa no Brasil um lugar privilegiado na história sociocultural, lugar de mediações, fusões, encontro de diversas etnias, classes e regiões que formam o nosso grande mosaico nacional” (NAPOLITANO, 2002: 7).


É nos anos 20 e 30 que o Samba se consolida como ritmo legitimamente brasileiro. A partir desse período Mário de Andrade é quem dá o ponta pé inicial em tais estudos, ele defendia a importância da junção de elementos ameríndios, negros e brancos para a construção do que denominava de “verdadeira música nacional”. Música essa erudita, porém um erudito baseada no folclore nacional. Ou seja, Mario de Andrade de certa forma tinha em mente que a construção do que vem a ser música brasileira é parte de um corpo folcloristico brasileiro, fazendo junção com as técnicas eruditas européias. Para isso não mediu esforços, ao ser nomeado Diretor do Departamento de Cultura de São Paulo-SP, criou a Discoteca Publica Municipal e em 1935, promoveu a realização do I Congresso da Língua Nacional Cantada, em 1937, fundou a Sociedade de Etnografia e Folclore, em 1936, patrocinou a Missão de Pesquisas Folclóricas, a qual em 1938 realizou um levantamento de caráter etnográfico nas regiões Nordeste e Norte do Brasil. Levantando, juntamente com sua equipe uma gama de discos, filmes e fotografias representativas das manifestações locais. Escreveu sobre o tema, vários ensaios e alguns livros. Tais como: O ensaio sobre a música brasileira, l962. Compêndio sobre a música brasileira, 1929.

Evolução social da música no Brasil. In: Aspectos da música brasileira, 1939 e Música, doce música, 1963. É inegável seu pioneirismo, assim como também é inegável seu legado no estudo das manifestações folclóricas e no campo musical nacional. Foi basicamente essa a idéia da Semana de Arte Moderna de 1922, unir o erudito com o folclórico, visando a partir desta idéia construir a identidade cultural. Nas palavras de Marco Napolitano; A música brasileira moderna é, em parte, o produto desta apropriação e desse encontro de classes e grupos socioculturais heterogêneos. Então, a Semana de Arte de 1922 objetivou implantar um nacionalismo? A resposta é sim, diria que quase xenófobo. Mario de Andrade, como vimos, contribuiu e muito para a história da música brasileira e suas representações culturais. Porém, acredito que a formação do povo brasileiro foi dada por um “equilíbrio de antagonismos”, tornando-se impossível hegemonizar o erudito e muito menos o popular.

Na segunda metade dos anos 50, influenciada pelo Samba dos morros cariocas e o Jazz norte americano, surge a Bossa Nova. Caracterizada por batidas sutis no violão, de inicio, tocado entre jovens de classe média do Rio de Janeiro, mas especificamente na zona sul. A principio a proposta da bossa nova era romper com a métrica tradicional a qual se compunha músicas no Brasil. Caracterizou-se por harmonias mais elaboradas e letras mais coloquiais e um tanto formais. “O projeto de folclorização da música popular sofreu um grande abalo” (NAPOLITANO, 2002. p 62). Como podemos notar na analise de Marcos Napolitano, com a chegada da Bossa Nova a musica folclórica brasileira perde espaço na mídia e é colocada em segundo plano nas programações das rádios. Mas, o pessoal que defendia a música folclórica popular não se fez omissa e “combateu a expansão da Bossa”.


“Assim, a febre folclorista que tomou conta do país, à esquerda e à direita, entre fins dos anos 40 e, praticamente, toda década de 50, serviu como uma legitimação cultural e intelectual, ancorada num projeto político que se tornava fundamental na medida em que crescia a urbanização; chegar às massas populares, seja para reforçar o patriotismo conformista (direita) ou a consciência nacional (esquerda). Ambos pólos ideológicos partiam do mesmo pressuposto: o povo tinha uma identidade básica, ancorada na tradição e deveria guiar-se por ela na sua caminhada histórica. (NAPOLITANO, 2002: 59).


Em meados da década de 60, o movimento folclorista perde ainda mais espaço, com a expansão da televisão, os festivais da Musica Popular Brasileira transmitido pelas TVs Excelsior e Record lança um novo gênero musical, a Tropicália, até então o gênero musical mais polemico do campo cultural brasileiro, cai como um tapa na cara dos militares, como também dos folcloristas. Os militares não gostaram, pois a Tropicália com suas letras politizadas criticava o sistema político vigente, ou seja, a ditadura. Os folcloristas por outro lado, não eram a favor da mistura musical a qual a Tropicália se propôs a fazer.

O tropicalismo surge mais especificamente em 1967, como um gênero musical “anti-emepebista”. O ponta pé inicial é a música Alegria, Alegria cantada por Caetano Veloso no III Festival Popular da Canção, o arranjo da canção era tão incomum que, a mesma foi recebida com um misto de repúdio e aceitação. Sob vaias e aplausos, bolinhas de papel e sinais de positivo. O motivo: Caetano ousou e usou misturar elementos endógenos e exógenos, ou seja, colocou no mesmo patamar Musica Popular Brasileira (MPB) e guitarras, executadas pela banda argentina de iê-iê-iê, Beat Boys. Certa vez indagado por um jornalista do Jornal do Brasil, sobre o que vinha a ser a Tropicália, Caetano falou que:
  

“O Tropicalismo é uma tentativa de superar o nosso subdesenvolvimento, partindo exatamente do elemento cafona de nossa cultura, difundindo e fundindo ao que houvesse de mais avançado industrialmente, como as guitarras e a roupa de plástico” (APUD. CALDAS. 2001: 66).


A ditadura, conservadora como qual, não gostou nada do novo segmento. O regime ditatorial fez de alvo tanto as letras políticas e socialmente engajadas de Chico Buarque ou Geraldo Vandré quanto às atividades iconoclastas e a critica comportamental despojada do próprio Caetano Veloso e Gilberto Gil. Pouco tempo depois da Tropicália é instituído pelo Gen. Presidente Costa e Silva o ato institucional nº 5, temidamente mais conhecido como AI5. Mas é durante o governo Médici que as perseguições e prisões políticas aos artistas ganham números alarmantes. Dentre as arbitrarias ações, teatros foram fechados, discos

vetados e livros tirados de circulação. Infelizmente quem perdeu com isso não foram só os artistas, mas sim toda população “tupiniquim”. Não quero dizer aqui, que a Tropicália foi a “culpada” da censura total, mas uma coisa é certa, alguém tinha que provocar um mínimo de pensamento crítico na população e se essa foi à intenção da Tropicália, eles conseguiram atingir o objetivo. A contra gosto de alguns, a Tropicália se afirma no cenário musical nacional e com o passar do tempo passa a ser considerada oficialmente um gênero da MPB. Houve um movimento não militar, mas artístico, que tentou frear os tropicalistas, o Movimento Artístico universitário (MAU) encabeçado por Gonzaguinha, Ivan Lins, João Bosco, Toquinho, Vinicius, etc. O esforço foi em vão, pois mesmo na “clandestinidade” a Tropicália quer queira quer não, já fazia parte da cena musical brasileira, tentava-se calá-la, entretanto era impossível negá-la. 

 
“Normalmente o Tropicalismo tem sido melhor aceito entre os críticos musicais jovens e pelos movimentos musicais que vêm dominando a cena musical brasileira desde a década de 80, como o Rock nacional e o Mangue Beat” (NAPOLITANO, 2002: 67).


Contemporânea a Tropicália havia a Jovem Guarda, gênero musical criado por jovens da classe média alta, com influencias do Rock’n’roll norte americano, tinha em seu corpo musical, letras despretensiosas e rimas de versos fáceis. Alguns estudiosos criticam a Jovem guarda por ser um tanto quanto “descompromissada” com o momento político autoritário da época. Mas, isso é assunto para outro estudo...

Enquanto isso, no dia 18 de outubro de 1970, surge com a realização de um concerto e uma exposição de artes plásticas na cidade do Recife o movimento artístico Armorial. Seu mentor foi o escritor, pintor e dramaturgo paraibano Ariano Suassuna. Projeto de cunho universitário posteriormente abraçado pela prefeitura local. O movimento Armorial tem como proposta a partir do popoluar, formar uma cultura regional erudita. O Armorial tenta unir literatura, dança, artes plasticas, cerânica, tapeçaria, arquitetura, gravura, teatro, música e folguedos populares, trazendo o imaginário folclorista nordestino para dentro das discussões acadêmicas e de preferencia delimitando e moldando sua formula essencial, ou seja, no movimento Armorial cada signo tem seu lugar especifico, não podendo transitar entre as inumeras possibilidades. Alguns estudiosos classificam o Armorial como algo quase imutável e sem alterações, ou seja, dentro da pespectiva de Suassuna os signos nordestinos são essencialmente naturalizados e inquestionáveis. Porém, vale salientar que desde os anos 60, culturalmente falando, Recife não produzia nada de novo, o Movimento Armorial preencheu assim esta lacuna.


FONTES E BIBLIOGRAFIA 

1. Discografia. 
Mundo Livre S/A. Samba Esquema Noise. Warner, 1994. 
Chico Science e Nação Zumbi. Da Lama ao Caos. Sony Music, 1994. Chico Science e Nação Zumbi. Afrociberdelia. Sony Music, 1996. 
Chico Science e Nação Zumbi. CSNZ. Chaos/Sony Music, 1998. (Cd póstumo) 


2. Videografia. 
ALENCAR, Alexandre. De malungo pra malungo. 1999. (42 min. Cor) ASSIS, Cláudio. Texas Hotel. 1999 ( 14 min. cor). 
.Um passo à frente e você já não está no mesmo lugar. 2000 (50 min. Cor) 
. Amarelo manga. 2003 ( 100 min. Cor). 
CALDAS, Paulo. & LUNA, Marcelo. O Rap do Pequeno Príncipe contra as Almas Sebosas. 2000. (75 min. Cor). 
. & FERREIRA, Lírio. Baile Perfumado. 1997 (93 min. Cor) FERREIRA, Lírio. Árido Movie. 2003 (115 min. Cor) 
GOMES, Marcelo. Maracatu, Maracatus. 1995 (14 min. Cor) 
. et al. A perna cabiluda. 1997. (19 min. Cor) 
MAHEIRIE, Kátia. Sete mares numa ilha: a mediação do trabalho acústico na construção da indentidade coletiva. 2001. 
QUEIROZ, Bidu. & BARROSO, Cláudio.O mundo é uma cabeça. 2004 (17 min. Cor) TENDLER, Sílvio. Josué de Castro, cidadão do mundo. 1995. (52 min. Cor) 


3. Bibliografia. 
ABREU, Martha. Cultura Popular: um conceito de várias histórias. São Paulo: Nova Fronteira,1999. 
ALMEIDA, Candido José Mendes de. O que é Vídeo. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense, 1985. (col. Primeiros Passos). 
ANDRADE, Mario de. Compêndio sobre a música brasileira. 2 ed. São Paulo:Chiarato, 1929. 
. Ensaio sobre a música brasileira. São Paulo: Martins Fontes, 1962. 
. Música, doce música. São Paulo; Martins Fontes, 1963. 
BERNARDET, Jean-Calude. O que é Cinema. São Paulo: Nova Cultural/Brasiliense, 185. (col. Primeiros Passos). 
BORDIEU. Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 1992. CALADO, Carlos. Tropicália: a história de uma revolução musical. São Paulo: Ed. 34, 1997. 
CARMO, Paulo. Sérgio do. Culturas da rebeldia: a juventude em questão. São Paulo: Ed. do SENAC, 2001. 
FOUCAULT, Michel. Ditos e Escritos. Estética: Literatura e Pintura, Música e Cinema. Rio de Janeiro: Forense, 2001. v. 3 
NAPOLITANO, Marcos. História cultural de música popular. Belo Horizonte: Autêntica, 2002. 
NEGUS, Keith. Los gêneros musicales y la cultura de las multinacionales. Barcelona: Paidós, 2005. 
NETO. Moisés. A rapsódia afrociberdélica. Recife: Comunicarte, 2000. PESAVENTO, Sandra Jatahy. História e História Cultural. 2 ed. Belo Horizonte: Autêntica, 2005. 
REZENDE, Antonio Paulo. O Recife: histórias de uma cidade. 2 ed. Recife: Fund. De Cultura do recife, 2005. 
RODRIGO, Moisés Gameiro. & CARVALHO, Cristina. O Movimento Manguebeat na mudança de realidade sócio-política de Pernambuco. In: Anais do 6º Congresso português de Sociologia. Universidade Nova Lisboa, 25-28 de junho de 2008. 
TELES, José. Do Frevo ao Mangue Beat. São Paulo: Ed. 34, 2000. 


4. Internet. 
FRITH, Simon. A indústria da música popular. University Press. Coleções Cambridge on line, 1996. Disponível em: http://www.popup.mus.br/.../industria.pdf Acesso em: 20 jul. 2009. 
JUSTINO, L. B. A vanguarda intelectual. In: Estudos literários e sócio-culturais. 1. Campina Grande: EDUEPB, 2006. Disponível em: http://ppgli.uepb.edu.br/index.php Acesso em 20 jul. 2009.










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