Por José Teles
A turma da MPB que estaria no festival da TV Record em 1967
A inquietação que desaguaria no que se batizou de tropicalismo iniciou-se em 1966, logo depois do II Festival da Música Popular Brasileira, da TV Record, em que o primeiro lugar deu empate entre Geraldo Vandré e Théo de Barros (Disparada), e Chico Buarque de Holanda (A Banda). A MPB politizou-se e virou monotemática. O Nordeste onipresente nas canções de protesto, pano de fundo com catilinárias dirigidas contra os militares que assumiram a ditadura naquele ano, quando a linha dura do marechal Arthur da Costa e Silva tomou o poder.
A música popular (a universitária, dos festivais) chegara a um impasse. Estacionara numa encruzilhada, sem que se soubesse que caminho seguir. Estava entre o samba jazz, baiões, sambas, toadas, de letras que falavam num porvir, um futuro utópico. “Ainda viro este mundo em festa, trabalho e pão (Viramundo, de Gilberto Gil e Capinam), com a devida retaliação ao opressor, “é a volta do cipó de aroeira no lombo de quem mandou dar” (Aroeira, Geraldo Vandré). Caetano Veloso escreveria um antológico artigo na revista Civilização Brasileira, em que conclamava os companheiros a retomarem a “linha evolutiva da Música Popular Brasileira”. Ela seria retomada, um ano depois. Mas foi preciso o guru de todos os emepebistas, João Gilberto, vir dos Estados Unidos e dar um puxão de orelhas nos pupilos.
VIRADA DE MESA
No início de 1966, João Gilberto, então morando nos Estados Unidos, passou quatro meses no Brasil, entre Rio e Bahia e São Paulo (na casa dos pais de sua então mulher Heloísa Buarque de Holanda, que mais tarde faria sucesso como Miúcha, o apelido de família). Negou todos pedidos de entrevistas, até que resolveu conversar com o Jornal do Brasil. A matéria, assinada por Armando Aflalo, surpreendeu muitos, e irritou outros tantos. João Gilberto, o papa da bossa nova, influência maciça na geração que entrara em cena em 1964, não aprovava o que começava a se chamar MPB, e até teceu elogios à odiada (pela esquerda), Jovem Guarda.
João voltou para um Brasil muito diferente de 1958, quando deflagrou a bossa nova com Chega de Saudade, o chorinho de Tom e Vinicius, a qual ele deu uma roupagem nova, revolucionária. No Rio, visitou o Beco das Garrafas, dos lendários clubes noturnos, palcos de shows memoráveis, mas em decadência. Não encontrou mais ninguém conhecido por lá. E pior: nem foi reconhecido. Estava-se na fase dos combos de samba jazz, ou bossa instrumental, que considerou datada: “É pretensiosa, e até superada, porque estão querendo fazer um tipo de jazz que foi feito há uns 20 anos nos Estados Unidos, e porque, além de tudo, o fazem mal”, sentenciou o baiano.
Quanto à música brasileira que estava sendo exportada para os EUA, não foi menos severa sua crítica: “É melhor mandar músicas como as de um Jackson do Pandeiro do que o negócio desses meninos de hoje, que só servem para chatear o público”. Além de não procurar os velhos amigos da música, João não livrou a cara nem do incensado Edu Lobo. Considerou a música Arrastão, parceria de Edu com Vinicius de Moraes, “uma bobagem, demagogia”.
Quanto ao iê iê iê, que cada vez mais deixa nosso samba em segundo plano, João diz que não é contra ele, pois é uma música inocente, enquanto a bossa nova que os meninos estão fazendo hoje, esta sim é que prejudica o nosso desenvolvimento musical, porque é pretensiosa, sem autenticidade e sem espontaneidade”, resumia o artigo no jornal.
NOVOS INVENTOS
João, um inventor, não aprovava os novos inventos da MPBM (Música Popular Brasileira Moderna, como se chamou por algum tempo a MPB): “... os músicos brasileiros são muito inconstantes. São ávidos demais em inventar novas coisas e por isso nunca terminam o que começam”. O cunhado Chico Buarque de Holanda foi dos poucos novatos que ele elogiou, depois de ouvir, a também cunhada, Cristina cantar Sonho de Um Carnaval: “Tão Brasil, não só o samba, mas este clima”. Tietado pelo violonista Toquinho, que frequentava a casa dos pais do amigo Chico, João deu uns conselhos: “A música é som, e o som não pode ser arrancado, tem que ser obtido naturalmente, suavemente. Quem gosta mesmo de tocar, estuda muito, e não larga nunca o instrumento”.
A entrevista começou meia-noite e se estendeu até oito da manhã, na casa dos Buarque de Holanda, em São Paulo. O repórter teve o privilégio de curtir João Gilberto repassar seus conhecimentos de música popular brasileira, algo que os principais produtores de shows do país não conseguiram. João Gilberto recusou todas as propostas que recebeu para fazer shows no Brasil. Durante a madrugada, até o dia amanhecer, entre uma e outra alfinetada na MPB, ele desfiou clássicos feito Faceira (Ary Barroso), Linda Morena (Lamartine Babo), Carinhoso (Pixinguinha/Braguinha), Diz Que Vou Por Aí (M.Rocha/Zé Kéti) e Acalanto (Dorival Caymmi).
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