O disco de 1972
Foi a cantora Célia, amiga de Arthur Verocai e um dos grandes nomes da música nacional nos anos 1970, que lhe convenceu a gravar um disco solo enquanto, ao mesmo tempo, intermediava a produção do álbum na gravadora Continental.
À época com 27 anos, Verocai já havia feito todos os arranjos do primeiro disco de Ivan Lins, Ivan Lins...agora (1970), do próprio LP de Célia de 1972 e de algumas canções de Jorge Ben (como Que Maravilha, do álbum Negro é lindo, de 1971) e do grupo O Terço. Quatro anos antes, ele tinha participado do primeiro Festival Universitário do Rio de Janeiro com a partitura de Um Novo Rumo, interpretada por Elis Regina que, aliás, fora responsável por levá-lo para ser maestro do programa Som Livre Exportação, que ela apresentava ao vivo ao lado de Ivan Lins na TV Globo.
"A Célia era a grande estrela da Continental e me contou que a gravadora queria um disco meu, mas eu disse que só faria com carta branca no orçamento e na parte artística", conta Verocai.
O maestro passou um mês em um estúdio em Botafogo, no Rio, no final de 1972 com uma orquestra formada, entre outras coisas, por um naipe de 12 violinos, quatro violas, quatro violoncelos, duas percussões, dois saxofones, um trombone, uma flauta, um piano elétrico e um time de vocais que se revezaram entre as nove canções do disco, como a própria Célia e o compositor mineiro Toninho Horta. Verocai canta sozinho em Caboclo, mas o violão dele ecoa em todas as faixas.
Quase todas as letras foram escritas pelo poeta paulista Vitor Martins que, nos anos 1970, também era um militante contra o regime militar. Algumas canções têm críticas abstratas embutidas à ditadura que conseguiram passar pela censura, segundo Verocai, pela falta de compreensão dos censores. Presente de grego, por exemplo, era como Vitor costumava chamar o significado do governo militar para o país. Já em Pelas Sombras, há uma referência aos agentes infiltrados do Estado em reuniões de estudantes em São Paulo: "Quem viaja nas sombras/por trás dos seus ombros/por trás dessa blusa de lã...".
"Esse disco é um pouco gritado, reflexo da nossa juventude. Tanto os arranjos quanto as letras expressam tudo o que estava guardado na gente e que queríamos gritar. Tudo tem um significado", explica Verocai.
Lançamento... e encalhe
A Continental prensou os LPs e colocou nas lojas em 1973, mesma época em que a gravadora lançou o álbum de estreia do grupo Secos & Molhados. Mas, enquanto o disco do grupo de Ney Matogrosso era vendido à exaustão e tocava em todas as rádios do país, a obra de Verocai encalhava nas prateleiras.
Para crítico de música, o encalhe dos discos de Verocai se deve também à ausência de reconhecimento aos arranjadores no Brasil
Um ex-funcionário da Continental, que prefere não ser identificado, conta que, como a gravadora passava por dificuldades financeiras à época, resolveu colher todos os vinis de Verocai estocados nas lojas para derretê-los e, com a matéria novamente bruta, reutilizá-la para fazer mais discos dos Secos & Molhados. Com isso, as cópias do álbum do maestro carioca foram ficando cada vez mais raras, ao mesmo tempo que a empresa fazia dinheiro com a voz de Matogrosso.
"A música brasileira foi muito impactada pelo time de compositores que se projetou nos grandes festivais do final dos anos 1960, como Chico Buarque, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Ivan Lins, Paulinho da Viola e Milton Nascimento. A obra deles era tão extraordinariamente bem feita e caiu tanto no gosto do público em um momento político importante que gerou uma dificuldade de (outros artistas) em se projetar à altura deles nos anos seguintes", comenta o jornalista e crítico musical José Eduardo "Zuza" Homem de Mello, autor, entre outros livros, de A era dos festivais: uma parábola (Editora 34, 2003).
"Isso deu aos discos que vieram depois uma dificuldade muito grande: a de estar à altura dos que vieram antes. Muitos estavam, como o Djavan, o Moraes Moreira, o Alceu Valença, o Zé Ramalho, mas não tiveram a facilidade de chegar ao povo através dos festivais. Nos anos 1970, o disco e o rádio passaram a ser os veículos de abrigo da música popular brasileira e, com isso, alguns nomes ficaram ofuscados", continua.
Ainda de acordo com Zuza, o encalhe dos discos de Verocai se deve também à ausência de reconhecimento aos arranjadores no Brasil. "O arranjador, em geral, ocupa uma posição menos destacada do que cantores e compositores. Além disso, há vários trabalhos na história que não alcançam a divulgação que merecem por falta de compreensão (das pessoas em relação ao seu trabalho)."
De fato, para Verocai, pior que o fracasso comercial foi o preconceito dos seus antigos clientes com o disco: eles tinham medo de que as mesmas ideias do LP fossem usadas nos arranjos que contratavam e, diante de sutis recomendações para evitá-las nas partituras, o arranjador começou a recusá-las. Assim, sem dinheiro, passou a fazer jingles. Compôs peças para a Brahma, para a extinta rede de supermercados carioca Disco e para o antigo banco Delfin — o seu jingle das cadernetas de poupança do banco durava um minuto e meio nas rádios.
Com o sucesso financeiro, Verocai abriu uma produtora no Rio de Janeiro e prometeu se esquecer do disco de 1972. "Fiquei tão na bronca que escondi ele no armário e não deixava nem meu filho ouvir", conta.
Ricardo Verocai, sem o pai saber, pegava o LP e colocava na vitrola quando estava sozinho em casa. "Era ele escondendo de mim e eu escondendo dele. Me formei musicalmente com esse álbum do meu pai."
Depois do fracasso do álbum, Verocai se dedicou à gravação de jingles publicitários
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