Em agosto do ano passado, durante um garimpo esporádico em um bazar de bairro em Osasco, na Grande São Paulo, o estudante Pedro (nome fictício) não acreditou quando viu, intacto dentro de uma caixa perdida de discos de vinil, o LP Arthur Verocai, gravado pelo maestro e arranjador carioca de mesmo nome e lançado pela extinta Continental no final de 1972.
Extasiado pelo achado, ele logo se lembrou de que não poderia transmitir afobação ao dono do pequeno estabelecimento que, aparentemente, não sabia que, três anos antes, o mesmo disco fora arrematado em um pregão do eBay por US$ 5,1 mil (quase R$ 20 mil) — o valor mais alto pago por um LP brasileiro na história do site americano de leilões.
O homem disse a Pedro que não venderia os LPs avulsos, mas que aceitava R$ 100 pela caixa inteira. Além do vinil de Verocai, ela tinha ainda outra raridade: o primeiro álbum da dupla Jaime e Nair, gravado em 1974 — também objeto de disputa entre colecionadores brasileiros e do exterior.
"Ninguém pode saber que eu tenho esse disco do Arthur Verocai, porque não teria sossego se soubessem", conta ele que, por isso, pediu para não ter seu nome verdadeiro revelado nesta reportagem.
Poucos meses depois de comprar o disco, Pedro recebeu uma das poucas ofertas para vendê-lo: o filho de Arthur, o também músico Ricardo Verocai, prometeu pagar R$ 1 mil pelo LP, mas o estudante recusou a proposta. "Se faço isso não encontro outro nunca mais", afirma.
A preocupação faz algum sentido: por quatro décadas, as poucas cópias originais do vinil de Verocai eram encontradas em bazares semelhantes ao que Pedro comprou o seu. Mesmo quando foi lançado, no começo de 1973, o LP vendeu tão pouco que a Continental logo o tirou das lojas para encher as prateleiras com mais versões do disco dos Secos & Molhados, sensação daquele ano.
Verocai, que ganhava a vida como arranjador e maestro, ainda teve que conviver com certo desprezo dos clientes pela obra encalhada. "Quando me davam algum trabalho, me diziam: 'Tenta não repetir aquela loucura que você fez no seu disco, hein?'", conta hoje o músico, em entrevista à BBC News Brasil.
Verocai gravou seu álbum durante um mês no Rio, com a participação de uma grande orquestra
"Eu quase entrei em depressão. Foi uma fase difícil da minha vida. Guardei o vinil no armário e não ouvi mais por uns bons anos", completa.
Hoje, 46 anos depois, o disco traz outras "dores de cabeça" a Verocai: virou sucesso entre rappers europeus e americanos desde a metade dos anos 2000.
O maestro resolveu agora ir atrás de todos os artistas que usaram os arranjos do seu álbum para samples de hip-hop. Segundo o site especializado Who Sampled Who, são 49 músicas registradas pelo mundo, das quais Verocai recebeu os valores dos direitos autorais de apenas quatro. "Não tenho dormido pensando nisso", admite.
Samples são montagens de melodias já gravadas que são utilizadas pelo hip hop (e pelo funk carioca posteriormente) como sustentação para novas composições. "É o instrumento musical do rap", sentencia o professor Walter Garcia Jr., do Instituto de Estudos Brasileiros (IEB) da USP.
Em um primeiro momento, Verocai pediu ajuda à mulher e produtora de Caetano Veloso, Paula Lavigne, para recuperar os direitos das suas músicas. Ela, então, entrou em contato com um advogado especializado de São Paulo, mas ele não pegou o caso. Agora, Verocai trabalha com um escritório de advocacia do Rio de Janeiro que está, segundo ele, listando todos os samples irregulares e entrando em contato com cada um antes de iniciar qualquer processo legal.
"Comecei a agitar esse negócio mesmo há três meses", reclama ele.
No Brasil, o disco esquecido se tornou um desses itens cult valorizados por colecionadores, músicos e acadêmicos e, ao mesmo tempo, um símbolo de requinte musical quando chegou aos aplicativos de música. As canções do disco passaram a ser tocadas por DJs em festas no eixo Rio-São Paulo, e o número de visualizações do álbum explodiu no YouTube nos últimos anos. "Eu digo que lancei o disco 40 anos depois de gravá-lo", ironiza Verocai.
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