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domingo, 19 de maio de 2019

ODAIR JOSÉ CONVIDA À DESOBEDIÊNCIA COM NOVO CD DA TRILOGIA ROQUEIRA

Em 'Hibernar na casa das moças ouvindo rádio', cantor dá seu recado contra uma época em que 'não se podia nada'


Por Mariana Peixoto 


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Já imaginou um show de Odair José sem Uma vida só (Pare de tomar a pílula)? É a mesma coisa que assistir a Roberto Carlos subir a um palco sem cantar Emoções. Pois, aos 70 anos, o cantor e compositor goiano quer, acima de tudo, coerência.

No próximo dia 3, ele estreia em São Paulo Hibernar na casa das moças ouvindo rádio, show do álbum homônimo. Recém-chegado às plataformas digitais e lojas físicas, o 37º disco de uma carreira que soma 49 anos traz o conceito de uma ópera-rock.

Odair criou um universo de personagens que se encontram numa “casa de tolerância” onde tudo é permitido, desde que devidamente combinado. “Fiz isso justamente porque aqui fora não se pode nada. Este disco é um convite à desobediência. E, cara, eu não posso mandar uma prostituta parar de tomar a pílula”, diz ele, explicando a ausência de seu maior hit no repertório do show.

Hibernar na casa das moças ouvindo rádio é mais uma agradável surpresa para a geração que descobriu o velho artista brega nesta década. O trabalho encerra a trilogia roqueira de Odair (que, vale dizer, era roqueiro muito antes de os novos fãs sequer terem nascido) iniciada com Dia 16 (2015), cuja sequência foi Gatos e ratos (2016).

Com a mesma banda dos trabalhos anteriores, Odair desfia sua crônica urbana direta e simples, que versa, boa parte das vezes, sobre excluídos. “Sinto-me um estrangeiro na esquina da minha casa, pois está sempre um querendo falar da vida do outro, com muito preconceito bobo. Isto é uma forma de se sentir um estrangeiro, não se sentir muito à vontade”, diz.



ESPERA

O título do álbum é, na verdade, a união do título das três primeiras das 11 faixas do disco: Hibernar (rock clássico, com ecos de iê-iê-iê), Na casa das moças (blues) e Ouvindo rádio (outro rock que bebe na fonte dos anos 1970). “Vou me hibernar por um tempo, me avise quando a cena mudar. O mundo está de ponta cabeça, espera ele aprumar”, são os versos iniciais cantados por Odair.

O apresentador, cantor e compositor Luiz Thunderbird atua no disco como uma espécie de MC. Antes de Hibernar, por exemplo, ouvimos sua voz como a de um velho locutor de rádio avisando da hibernação de Odair. Thunderbird retorna em algumas faixas, colocando o ouvinte a par das andanças do compositor/personagem.

O disco continua com canções como Rapaz caipira – “Está vivendo no centro de um furacão, onde a realidade é mera ilusão” –, O imigrante mochileiro – “Sou um visitante, sou um mochileiro, eu estou aqui apenas de passagem”, – Fetiche – “Tapa na cara, beijo na boca, tô numa transa louca” e Gang bang – “Tem uma moça na roda e rola um gang bang”. A narrativa vai convergir na última faixa, Liberdade, a única balada do disco – “Vai ser tudo de graça, e vai ter muita fartura, já tem gente na praça, esperando a abertura”.


O “novo” Odair mantém seu público fiel de outrora – tem um show só de hits. Mas é também figura fácil no cenário independente, “o pessoal de festival, de projetos culturais”, como ele diz. Tanto que o disco traz convidados que seriam improváveis tempos atrás.

Jorge Du Peixe, da Nação Zumbi, coloca seu vozeirão grave a cargo do rock O imigrante mochileiro, uma das melhores faixas do disco. Também integrante da banda pernambucana, o percussionista Toca Ogan participou de Rapaz caipira e Assucena Assucena e Raquel Virginia, cantoras do grupo As Bahias e a Cozinha Mineira, fazem uma participação discreta em Chumbo grosso, a mais irônica das canções do disco – “Quem andar errado vai levar chumbo grosso”.

Odair comenta que começou a pensar em Hibernar durante a feitura de Gatos e ratos. “A forma de compor, com essa guitarra de garagem, é muito presente na minha carreira. Eu tinha vontade de fazer um trabalho com qualidade acima do que tenho conseguido”, explica.

AMEAÇAS E havia ainda a intenção de ligar a história de agora com um dos períodos mais difíceis da carreira de Odair. Em 1977, ele lançou a ópera-rock O filho de José e Maria. Originalmente, o álbum teria 18 canções, mas, como a censura caiu de pau, só 10 foram liberadas. Odair, um dos artistas mais populares da época, tornou-se também um dos mais censurados (só perdeu para Chico Buarque). Mesmo cortado quase pela metade, o trabalho foi condenado, não tocou em lugar nenhum e o cantor foi ameaçado de excomunhão pela Igreja Católica.

Hoje cultuado, o álbum O filho de José e Maria, gravado com o trio de jazz Azymuth, foi recuperado em uma série de shows que Odair fez em 2018 (com o próprio Azymuth). Hoje em dia, volta e meia ele sobe ao palco para cantar a história de um Jesus que descobre a sexualidade e se envolve com drogas. “Este trabalho me criou muitas dificuldades a ‘nível de’ mídia e de aceitação das pessoas. (Depois dele) Fiquei meio fragilizado, me escondi, e acho que Hibernar vem agora completar aquilo que fiz no passado, já que convida para desobedecer a falsa moral e a hipocrisia estabelecidas no país.”

O rádio foi o principal meio de comunicação de Odair com seu público. Mesmo que ele seja também um personagem do novo álbum, o cantor admite que, atualmente, pouco ouve rádio. “Nem sei se minhas músicas tocam hoje. Gostaria que tocassem. Mas desisti desse tipo de trabalho, ficar indo a rádio pedindo para programarem meus discos. Chega uma hora na carreira em que a gente tem que ceder. E o rádio mudou muito”, comenta ele, que gostaria de ver Rapaz caipira tocando nas emissoras.

Odair começa agora o novo show e espera chegar em breve a Belo Horizonte – cidade que, segundo ele, está sempre no topo das preferências quando pensa em sair de São Paulo. Depois do rock, ele não sabe o que virá.

Mas há boas perspectivas em vista. Uma parceria também improvável se concretizou recentemente, graças ao cinema. Odair se uniu a Arnaldo Antunes para compor a trilha sonora da comédia romântica Meu álbum de amores, longa-metragem de Rafael Gomes ainda sem data de lançamento prevista. A dupla compôs seis canções.

“Recebi os temas dos personagens, fiz as melodias e dei um pontapé nas letras. O Arnaldo terminou todas. Eu passava a ideia, e ele me devolvia a música de forma grandiosa”, conta ele. Odair adianta que os dois cantam no filme somente uma, a canção-título. “Com o lance do filme, possivelmente vamos lançar um disco. É para o ano que vem, a possibilidade é de 70%.”


Hibernar na casa das moças ouvindo rádio
• Odair José
• Monstro Discos
• Disponível nas plataformas digitais e em CD (R$ 20)

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