Páginas

terça-feira, 7 de maio de 2019

LENDO A CANÇÃO

Por Leonardo Davino*




Chat Roulette

"Enquanto eles se batem, dê um rolê". A expressão mântrica cantada por Gal Costa poderia ser usada como emblema do discoBLAM! BLAM! (2015), de Jonas Sá. Em tempos de roupas "novas" para canções "velhas" e de recrudescimento do discurso que pede definições sexuais, o disco põe os cornos dionisíacos de Jonas pra fora e acima da manada.
Letras com forte teor erótico (por vezes pornográfico) denunciam o puritanismo hipócrita em disseminação na cultura: cada vez menos artística e mais de entretenimento. Os sujeitos cantados por Jonas são antenas desse processo e dizem NÃO aos boicotes ao beijo gay da novela, à propaganda da perfumaria "gay friendly", à capa de disco com mamilos expostos. Por falar em mamilos, a capa de BLAM! BLAM! também foi censurada. Como sabemos, a "gente de bem" é muito pudica para ver a pélvis de uma mulher nua com seus “pelos que querem flutuar / saltam no ar".
O disco é um desagravo ao "som raivoso de 147 cavalos / barulhentos". "A confusão lá fora se mistura / aos gemidos gelados das mocinhas / do meu computador". A certa altura, a voz de Jonas em falsete declara: "Eu não chego a ser mais que um gigolô". De sonoridades, eu acrescentaria.
As interferências eletrônicas desdobram as colagens sonoras: da soul music à chanson française, passando pelo rap e pela bossa nova. As mudanças nas harmonias e as misturas de estilos resultam numa estrutura cinematográfica fragmentada e permissiva. O resultado é uma savana sexual ambientada entre black music (Lady Zu, Tony Tornado) e bas-fond (Laura de Vison, Glauco Matoso). "Me dedico a contar notas [grana? música?] / na penumbra azul", canta Jonas.
Nesse sentido, BLAM! BLAM! apresenta um Jonas Sá curador de vozes do desejo: "- Hi, my name is Brenda / Just press P on the key / As minas vão ferver / Na curirica pra mim / Chama a pica de Kojac / Sou movido / A Redbull com Prozac". A polifonia dos chats é incorporada à tessitura do disco, resultando numa orgia deliciosa para os ouvidos do ouvinte voyeur-auditeur. Quando o sujeito pergunta, no chat, "com quem eu falo?", uma voz masculina responde "Desiré". Não há espaço para amor platônico. O que acende a emoção de estar vivo é "o ranger da cama".
"Deus sabe por onde andei / pelo que passei / para te proteger (...) De bar em bar em Copacabana / nas discotecas de pior fama / com outros rapazes na mesma cama (...) Num cinema vulgar (...)". Versos que se unem a "Eu fiz essa canção para te mostrar, / meu lado feminino é todo teu / carícias lesbianas pra te dar / mesmo que seja eu". Versos que, por sua vez, invocam a canção "Mesmo que seja eu" colocando Ney, Marina e Erasmo na mesma cama sonora.
Essa poética da orgia convoca o retorno da autoironia, o confronto erótico entre as liberdades individuais e a ronda em busca dessas liberdades perdidas entre tantas patrulhas ideológicas do sexo. "Vem rebolando / remexendo / para trás / no meu crescendo", canta Jonas. As línguas (espanhol, francês, inglês) se misturam esquentando o clima orgástico. "Eu só penso em mim / profundo / com força / sumindo / dentro de você". Essa perda de si, essa vida nua é o que interessa os sujeitos das canções.
Do gueto para o centro. É esse o movimento que o disco parece condensar em "Chat Roulette", de Jonas Sá e Mariano Marovatto. Essa canção radicaliza o projeto estético do disco, a coisa crua, a clandestinidade do desejo. A sensação térmica de ebulição. O site do título é o espaço dos encontros com espelhos, máscaras e aleatoriedades.
A letra forte (sem pecado, sem juízo) tem refrão que inunda a alma dos caretas: - Relajemos, Nena! / (ainda sinto o êxtase!) / - Relajemos, Nena! / (tua língua é longa e quente em mim) / - Sentis eso, Nena?? / (casais straight é tão cliché) / - Dame caca, babe / - Alô, com quem eu falo? / - Desirê".
“O sentido último do erotismo é a fusão, a supressão do limite", escreveu Georges Bataille. Jonas Sá devora Bataille ao montar uma mixagem da experiência da sexualidade contemporânea. Entre o anonimato (covarde?) do sexo virtual e o ter "mais de mil amigos online" resta o calor que não ultrapassa a superfície e o convite à malícia, lascívia, sedução. Ao final da orgia, fica o recado de Jonas Sá: "Meu sonho é dormir dentro de ti".


***

Chat Roulette
(Jonas Sá / Mariano Marovatto)

Sonhando com as virilhas
Das gatas quentes
Beijando mil travecos
Com você na mente
Envenenando minha cabeça
Com uns dedinhos safados
Catando a esposa
Com o marido ao lado
Eu ouço forrógode
No meu rádio roubado
Se liga no meu cabo banana
Pluguei no teu rabo
Chupa meu piru
Aspirador importado
Febre de boquete
Afago no rabo

- Relajemos, Nena!
(ainda sinto o êxtase!)
- Relajemos, Nena!
(tua língua é longa e quente em mim)
- Sentis eso, Nena??
(casais straight é tão cliché)
- Dame caca, babe

- Alô, com quem eu falo?
- Desirê

Puta love
Com myself
Aprendi meu inglês
Com a TV do motel
- Hi, my name is Brenda
Just press P on the key
As minas vão ferver
Na curirica pra mim
Chama a pica de Kojac
Sou movido 
A Redbull com Prozac
- Me conte teus segredos,
O teu cu sorri?
- Meu pau tá viciado
Em anel de rubi

Como é que diz...?
- Tudo de bom pra você!






* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".

Nenhum comentário:

Postar um comentário