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domingo, 14 de abril de 2019

PAULO CÉSAR PINHEIRO: UM COMPOSITOR QUE UNE GERAÇÕES (70 ANOS)

Por Felipe Candido


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O Compositor


Certamente, todo brasileiro que aprecia nossa música popular já cantarolou, em algum momento da vida, uma música de Paulo César Pinheiro.

Ao longo da carreira, esse carioca, criado nos redutos do samba e do choro, compôs clássicos como “O Canto das Três Raças”, “Espelho”, “O Poder da Criação”, “Mineira”… Nomes como Elis Regina, João Nogueira, Maria Bethânia, Clara Nunes, Mariana Aydar, entre muitos outros, deram voz às canções de Paulo César.

Mais de 1200 canções criadas por esse trovador já ganharam registro de grandes cantores. Na gaveta, aproximadamente 800 músicas ainda esperam seu momento de ganhar o mundo.

Mesmo tendo a música como seu reduto principal, Paulo César também se aventurou pelos caminhos de outras artes, chegando a escrever livros e peças de teatro, e até a fundar uma escola de samba.

Assim, a obra desse artista único se tornou tão vasta quanto o número de amigos que firmaram parcerias com ele. Com cinco gerações de compositores, de Pixinguinha a Diogo Nogueira, Paulo dividiu a arte de compor, o que faz dele um elo entre épocas e estilos.

Nessa entrevista exclusiva ao SaraivaConteúdo, Paulo César Pinheiro relembra histórias, momentos e curiosidades desses anos dedicados à arte. Confira a primeira, das cinco partes, dessa conversa.

Parte I – O Compositor

Como você começou a compor?
Comecei a compor muito menino, aos 13 anos de idade. Não me pergunte nem por que nem como, porque também não sei. São coisas inexplicáveis. São dons, e eles não se explicam. Comecei a escrever primeiro verso, depois melodia, depois as duas coisas juntas. No bairro em que morava em Angra dos Reis, era vizinho de um violonista que tinha um primo na família muito famoso na época: o Baden Powell. Esse menino era João de Aquino, que foi meu primeiro parceiro, e começamos a fazer muitas coisas juntos. Um dia, através do João de Aquino, conheci o Baden, que escutou nossas músicas e gostou muito, se encantou por mim e por meus versos. Era garoto, e ele começou a me buscar em casa, pra me levar aos lugares, mostrar as minhas músicas para as pessoas. Ele era um aval poderoso na época. Nesse período, eu tinha entre 13 e 16 anos, ainda muito criança. Mas, naquela época, um garoto de 15 anos já era um adulto. A evolução naquela época era diferente.


Como começou sua parceria com o Baden Powell?
Baden e eu estreitamos os laços de amizade, mostrei minhas músicas pra muitas pessoas, até que, num determinado momento, o Baden – que na época era parceiro do Vinícius de Moraes, com muito sucesso, não só no Brasil – disse pra mim “está na hora de a gente fazer alguma coisa juntos”. Eu tomei um susto! Naquela época, nem sabia se ia ser um compositor profissional e falei pra ele que não sabia se estava preparado ou não, e ele me disse que sim. E acabou me dando uma melodia para eu compor a letra. Fui pra casa, com aquela responsabilidade, olhando pra melodia, e fiz, arrisquei. Voltei uma semana depois, entreguei pra ele a letra, ele gostou, começou a cantar nos lugares. Mas eu ainda não tinha me dado conta daquela responsabilidade tão pesada e não tinha gostado muito do que tinha feito. Fui pra casa, rasguei tudo e comecei de novo. Fiz uma outra letra e, dessa vez, tive segurança de mostrar mesmo. Ele acabou gostando muito mais da segunda letra e, a partir desse momento, passamos a fazer música juntos. Desde então, minha vida caminhou pra esse rumo, e nunca mais me afastei da música, nem a música se afastou de mim. Assim, fui parceiro do Baden aos 16 anos.


Como foi a primeira experiência em um festival?
Depois desse começo, me recolhi, fiquei fazendo só as músicas com o Baden, até que, em 1968, já com 18 anos, aconteceu um daqueles festivais de música que as emissoras de TV promoviam na década de 60. Era a Bienal do Samba da TV Record. O Baden inscreveu esse primeiro samba que nós escrevemos. Criando até um problema, porque era um festival de convidados. Como eu nunca tinha gravado nada, era um ilustre desconhecido, não poderia participar desse festival. Mas o Baden bateu o pé e disse que só participaria se fosse com aquele samba. Então a organização do festival aceitou, porque eles não queriam a ausência do Baden na competição. A música foi defendida pela Elis Regina e nós ganhamos. Essa foi minha entrada na música, e me tornei um profissional.


Qual foi a música?
Paulo César Pinheiro. “Lapinha”.


Nesse primeiro momento da carreira, quais foram suas maiores inspirações pra compor?
Paulo César Pinheiro. Compunha à toa. Não me espelhava em ninguém. Era um dom que aflorava: corria pro papel e escrevia. Melodia, da mesma maneira. Era uma necessidade interna de me expressar. Não sabia que se tornaria minha profissão. Estudei, fiz direito, larguei o direito no terceiro ano, acabei não me formando. Estava buscando um caminho. Não sabia que a música era meu caminho e que já tinha descoberto. Foi a partir desse festival que me tornei profissional, quando as pessoas começaram a me procurar e comecei a mostrar todas as músicas que vinha fazendo. Aconteceu uma enxurrada de gravações, porque todo mundo queria minhas músicas. Desde então, são 42 anos que tenho a música como profissão e meio de vida. Nunca fiz outra coisa.


Como aconteceu sua proximidade com o samba?
Foi através do Baden. Ele era um compositor de samba extraordinário. Assim como o João de Aquino, meu primeiro parceiro. E até antes disso, eu morava em um lugar que era um reduto de música, não só samba. Em São Cristóvão, no Rio de Janeiro, na beira do Morro de Mangueira, e depois me mudei pra beira do Morro de Tuiuti. Cresci no meio dos velhos sambistas, ouvindo samba. Eu ia jogar futebol no morro, e ali escutava os caras fazendo os sambas na quadra. Era um espaço pequeno, não essa quadra da Mangueira que é hoje. E os mais velhos se reuniam pra cantar. Nos fins de semana, eram colocados uns alto-falantes na quadra, que ficavam espalhando o samba pro bairro inteiro. Só não aprendeu o samba quem não quis. Ou era surdo (risos). Então, cresci nesse meio. Era um bairro onde a família imperial morou, e a cidade toda se expandiu dali. A família real morou onde é hoje a Quinta da Boa Vista, e aquela região toda era tomada também pelas serestas. Todos os botequins por ali tinham uma roda de samba ou uma roda de choro e, à noite, havia seresteiros em todas as esquinas, bancos de praça. E essa atmosfera me carregou.


Dentre os diversos parceiros, um dos mais constantes foi o sambista João Nogueira. Como vocês se conheceram?
Conheci o João através da irmã dele, Gisa Nogueira, que também é uma compositora. Gisa era amiga de uma irmã do Baden, ambas professoras primárias. Então, através da Vera Powell eu fiquei amigo da Gisa.Um dia, a Gisa, conversando comigo, contou que tinha um irmão que estava começando a querer botar o pescoço pra fora, que fazia muita música bonita, não tinha nada gravado, ela achava que nós nos daríamos bem. E o João já cantava ali pelo Méier, um bairro do subúrbio do Rio, em alguns bares, churrascarias, nas esquinas…
Um dia, num clube do Méier, o João fez uma feijoada com show e pediu a Gisa que me convidasse. Ela acabou nos apresentando e, quando eu cheguei, ele estava cantando algumas músicas com o grupo dele. Ouvi e já gostei, ainda não conhecia. Pra mim, eram músicas inéditas. Ele ainda não tinha parceiro, fazia sozinho a letra e a melodia. E já fazia bem as duas coisas. E gostei muito do que ouvi. Então fiquei por lá, sentado numa mesa, bebendo um whisky, porque ele me tratou muito bem, porque ele era meu fã. Depois ele sentou comigo e começamos a conversar. Naquele momento houve uma empatia muito grande. Nós, então, nos tornamos parceiros de boemia. Ficamos assim durante dois anos, antes de qualquer parceria.


Como começaram a compor juntos?
Um dia, ele me disse que estava fazendo um samba, mas que havia empacado na letra. Era um samba em homenagem ao pai, que havia morrido quando o João era ainda menino. João lembrava muito dos momentos em que o pai dele tocava em casa, porque ele era violonista, e dizem que era um músico excepcional. Na casa do João, sempre aconteciam rodas musicais, que eram frequentadas por grandes músicos e compositores, Pixinguinha, por exemplo. O pai dele tocava em um regional, que é um grupo de choro, mas não profissionalmente. E o João se lembrava do pai sempre com muito carinho. Ele começou a fazer essa letra e travou. Foi quando me chamou. “É sobre meu pai, essa é minha história. Mas acho que você faria bem essa letra”. E ele cantou pra mim um samba lindo, gravei, fui pra casa escutando aquele samba. Chegando em casa, eu me coloquei no lugar dele, “incorporei” o João e fiz como se fosse ele escrevendo, porque era uma história dele, e não minha. E finalizei a letra. Foi a primeira música que fizemos juntos e se chama “Espelho”. Nem sei quantas músicas fiz com o João, mas todo disco dele tem pelo menos metade das músicas em parceria comigo. Fora as músicas que a gente fazia pra outras pessoas gravarem. Foi uma parceria muito consistente, que durou até a hora da morte dele e que até hoje é considerada importante. O João é considerado um compositor cult no meio do samba. E eu ainda tenho músicas inéditas com ele, guardadas. Guardei pro filho dele, o Diogo [Nogueira]. Mas o Diogo já fez três discos e não gravou nenhuma. Então acho que vou começar a mostrar (risos).

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