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terça-feira, 30 de abril de 2019
MORRE A CANTORA DE SAMBA BETH CARVALHO
A sambista, considerada um dos maiores nomes do gênero no país, faleceu aos 72 anos
A cantora Beth Carvalho, já debilitada por um problema na coluna (Vera Donato/ Facebook/Divulgação)
Morreu aos 72 anos, a sambista Beth Carvalho. Ela estava internada no Rio de Janeiro. Grande intérprete, Beth Carvalho ficou conhecida carinhosamente como a ‘madrinha do samba’, pelos talentos que descobriu e apadrinhou ao longo de sua carreira, como Zeca Pagodinho e o grupo Fundo de Quintal.
A sambista nasceu Elizabeth Santos Leal de Carvalho, no Rio, em 1946. A paixão pela música, ela herdou da família. Sua avó tocava bandolim e violão. Desde criança, ouvia Sílvio Caldas, Elizeth Cardoso e Aracy de Almeida, que eram grandes amigos de seu pai e que ele recebia em sua casa. E ali Beth ouvia, atenta, aos convidados do pai – e à cantoria.
Na adolescência, cantava bossa nova e outros ritmos em festas e, para ajudar a família, após o pai ser perseguido na ditadura por seus pensamentos de esquerda, ela passou a dar aulas de violão. Não por acaso, herdou do pai a postura engajada por toda a vida.
Gravou o primeiro compacto em 1965, com a canção ‘Por Quem Morreu de Amor’, de Roberto Menescal e Ronaldo Bôscoli. Nos anos seguintes, seguiu a trilha dos festivais.
Seu primeiro sucesso foi Andança, de Edmundo Souto, Paulinho Tapajós e Danilo Caymmi, que ela defendeu no Festival Internacional da Canção, em 1968, e com o qual conseguiu o 3º lugar. A música também deu título ao seu primeiro LP, que foi lançado em 1969. Emendou outros sucessos na sua voz, como o hino ‘Vou Festejar’, e eternizou ‘Coisinha do Pai’.
Na década de 1970, foi ao encontro dos mestres, ao gravar ‘Folhas Secas’, com Nelson Cavaquinho, e ‘As Rosas Não Falam’, de Cartola. Dois momentos sublimes em sua carreira.
Ficou conhecida também sua presença assídua na quadra Cacique de Ramos, onde Beth identificava talentos no samba e os revelava, como aconteceu com nomes como Fundo de Quintal, Zeca Pagodinho, Almir Guineto, Sombra, Sombrinha, Arlindo Cruz, Jorge Aragão, entre tantos outros. Daí a alcunha de ‘madrinha do samba’. “Quem levou Beth Carvalho pro Cacique foi o Alcir Portela, que era jogador naquela época. Ela se apaixonou pelo samba tocado embaixo da Tamarineira. Gostou tanto que resolveu gravar com a gente em estúdio, no formato da nossa roda de samba”, contou, em seu site, o cantor, compositor e percussionista Bira Presidente, integrante do Fundo de Quinta.
Beth Carvalho não renegava o posto de madrinha, da grande matriarca, mas preferia não ter essa função. Gostaria que os talentos tivessem outros tipos de incentivo e oportunidades para se expor. “Não é meu papel, mas sou assim, gosto de mostrar o que há de bom”, disse, certa vez, em entrevista ao Estado.
Mangueirense de coração, foi homenageada por outras escolas de samba: foi tema de enredo da Escola de Samba Unidos do Cabuçú, ‘Beth Carvalho, a enamorada do samba’, em 1984, e recebeu da Velha Guarda da Portela uma placa comemorativa por ela ter sido a cantora que mais gravou seus compositores.
Em 2009, no Grammy Latino, ganhou o prêmio Lifetime Achievement Awards, em celebração à sua carreira. No mesmo ano, precisou fazer uma pausa por causa de uma fissura na região sacra, que a obrigou a ficar em repouso total. Voltou aos palcos no dia 19 de fevereiro de 2011, no show de encerramento do evento Sesc Rio Noites Cariocas. Poucos meses depois, em abril, a cantora se apresentou em São Paulo e, na ocasião, disse ao Estado que havia se surpreendido consigo mesma após passar 1 ano e meio convalescendo em cima de uma cama. “Tive paciência de Jó. Contei com o apoio dos amigos e da família. Toda hora tinha pagode em casa”, contou ela, à época.
Apesar de a cantora se manter na estrada, suas condições físicas foram piorando. Em 2018, fez apresentações deitada. Por causa das dores, não conseguia ficar sentada. E emocionou as plateias. No final do ano passado, foi morar com a filha, a cantora e compositora Luana Carvalho, fruto de seu relacionamento com o jogador Édson de Souza Barbosa, mais conhecido como Édson Cegonha.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, na época do lançamento de seu trabalho de estreia, o disco duplo ‘Sul’ e ‘Branco’, em 2017, Luana não negou que seu maior desafio talvez estivesse relacionado ao fato de ser filha de Beth Carvalho. Ter como mãe uma grande intérprete como ela lhe deu menos direito ao anonimato, tampouco licença para se lançar crua na carreira musical. “Para eu aparecer com as minhas canções, sendo filha de uma pessoa que já tem um trabalho muito conhecido, talvez o mais delicado seja o quanto você precisa chegar com um senso estético já muito bem apurado, com uma proposta um pouco mais concreta, mas afinal são muitas vantagens também”, disse Luana.
Beth Carvalho estava internada desde o dia 8 de janeiro, no Hospital Pró-Cardíaco, em Botafogo, no Rio, onde recebeu amigos para uma animada roda de samba. Ela tinha mais de 50 anos de carreira e uma discografia de 33 discos e 4 DVDs – e muitos prêmios, homenagens e troféus conquistados ao longo de toda uma vida dedicada ao samba.
Fonte: Estadão Conteúdo
LENDO A CANÇÃO
Por Leonardo Davino*
Oito temas
Márcia Nascimento não é uma estreante. Longe disso, data de 1984 o lançamento do LP Avião de combate da banda Sempre livre – formada só por mulheres, com Márcia Gonçalves na guitarra, violão e vocal. Podemos dizer sem erro que Márcia NG adotou os versos de liberdade e desenvolveu desde então uma carreira empenhada no estudo das cordas vocais e do seu violão. Participou de importantes trabalhos, seja como produtora, arranjadora e há anos investiga e desenvolve pesquisas sobre música barroca. Agora Márcia Nascimento lança seu primeiro trabalho solo e autoral, oferecendo ao público o mel do melhor. Independente, Oito temas (2014) inscreve a violonista no esperado lugar de artista que percorreu longo caminho de maturação estética e pessoal. Na linhagem de Rosinha de Valença, de Lucinha Turnbull.
A beleza dos temas tocados por Márcia encontra-se no lugar da tensão entre afeto e tradução musical desse afeto. Explico-me: as oitos faixas do disco são temas dedicados à personagens da vida da artista: “Uma canção é um encontro, uma amizade”, diz. Portanto, de “Um tema para Lucina” até “Um tema para o Sergio”, Márcia dedilha os caminhos do conhecer diante do outro, de alguém a quem se deve devolver amor em forma de música. Os temas são emblemas dos modos de usar o sobrenome – Nascimento, Gonçalves, NG –, sugerindo as experimentações de si, marca determinante para uma artista não adaptada ao fácil. Fazer o fácil é difícil. Transformando-se em outras no embate com seus temas, Márcia mantém seu eixo cancional, musical.
O repertório marcado pelo afeto presentifica uma intimidade singular: “Há momentos nos quais essa presença torna-se imprescindível. Por vezes é presença que se perde no tempo e que se acende rápido, nas primeiras notas ou versos que dela se escute”, afirma Márcia. Essa suspeita facilidade só se sustenta porque há por trás de cada tema um trabalho rigoroso de transcriação dos sentimentos. A delicadeza ouvida é resultado de labuta, de rigor. Ou seja, mais que sons, Oito temas acende sentidos. Sem voz, as notas do violão encenam um teatro da intimidade. Eis o erotismo e a linguagem adensada que a estética barroca oferece à obra de Márcia Nascimento: dualismo entre a experiência do mundo, exercido no trato artístico, e a lírica amorosa das relações íntimas. É desse modo que Oito temas surge como o lugar de tensão: ouçam-se os torneios de “Um tema para Lucina”, por exemplo, quando o violão de Márcia dialoga com o violão de Lucina, violon-vocalizando um agradecimento à mestre e estendendo o acolhimento de inventora-aprendiz também a Luhli – ambas musas de uma geração que fez da vida arte, gesto artístico.
Frente ao falatório contemporâneo, o silêncio, o recolhimento, a concisão, a ironia. Melodias fraturadas – “Um tema para Juliana” – e delicadas linearidades – “Um tema em be” – justapõem-se em mashups distendendo o prazer de tocar. Oito temas é esse responder às demandas da existência polifônica. Fazer música é ouvir música, ensina a instrumentista. A leveza é alcançada na transpiração, no trabalho cotidiano com o parceiro violão. O ouvinte percebe-se enredado entre luzes brandas e paisagens tão melancólicas quanto amorosas. Lembro de Angela Melim e seus versos: “A solidão é um navio. / Só o que me move é a pá da solidão / o leme”. Risco enfrentado por Márcia Nascimento.
Por que temer o feminino? Parece ser essa a questão-chave que Márcia vem ensaiando responder desde sempre, desde o Sempre. Do desejo contraventor de empoderamento em território tradicionalmente masculino ao caminho à margem do mercado, a artista se afirma no toque entre minuetos, sarabandas, prelúdios. Sob seu som revelam-se belezas, calor, presença. Ao final da escuta de Oito temas fica a certeza de que, venha de onde vier, a inspiração sempre encontrará Márcia Nascimento trabalhando em seu exercício de liberdade.
* Pesquisador de canção, ensaísta, especialista e mestre em Literatura Brasileira pela Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) e doutor em Literatura Comparada, Leonardo também é autor do livro "Canção: a musa híbrida de Caetano Veloso" e está presente nos livros "Caetano e a filosofia", assim como também na coletânea "Muitos: outras leituras de Caetano Veloso". Além desses atributos é titular dos blogs "Lendo a canção", "Mirar e Ver", "365 Canções".
CURIOSIDADES DA MPB
Certa vez, o escritor Luis Antônio Giron, na obra "Mário Reis: o fino do samba", escreveu que "Ismael Silva destacava-se dos outros, pois se vestia melhor, usava jóias e era homossexual assumido". Durante toda sua vida, o único romance do compositor que veio a tona foi com uma passista chamada Diva Lopes Nascimento, em 1936, com quem teve uma filha que nunca assumiu.
segunda-feira, 29 de abril de 2019
PAUTA MUSICAL: DORIVAL CAYMMI/JORGE AMADO - É DOCE MORRER NO MAR
Por Laura Macedo
Em meio à festa, Caymmi sentou-se ao canto com o inseparável violão e começou a compor sobre um tema do romance "Mar Morto", do amigo Jorge Amado. O escritor na mesma hora acrescentou alguns versos aos publicados no livro, completando a letra. Nascia a composição “É Doce Morrer no Mar”, primeira parceria dos dois amigos.
Poesia e música. Uma mistura que sempre deu certo. Por que seria diferente com aqueles dois, que já tinham sido unidos pela matriz baiana? Em todos esses anos, escritor e compositor compartilharam uma amizade e uma parceria do tamanho do mar da Bahia.
Fonte: MPB Compositores nº 14 (fascículos da Ed Globo, 1996).
INHANA, 100 ANOS
Por Ari Donato
Mesmo já trazendo um vasto material biográfico na reportagem anterior nunca é demais lembrar que enquanto Inhana começava como solista em um conjunto formado com seus irmãos, o Cascatinha já se havia deixado Marília, no interior de São Paulo, para seguir com um circo que se apresentou na cidade para se apresentar junto a ele. Aos 18 anos ele já cantava, tocava violão e bateria. E foi se apresentando no Circo com o qual fugiu (o Nova York) ao lado do artista Chopp que veio a conhecer Ana Eufrosina. Inhana rompeu um noivado de mais de um ano e seguiu com Cascatinha. Lógico que foi “contra a vontade dos pais, já que Artista de Circo, no conceito deles, "tinha um amor em cada praça". E, do namoro para o casamento (em 25/09/1941), passaram-se apenas 5 meses. A dupla tornou-se relativamente conhecida em um curto espaço de tempo, transformando-se, em 1941, após o casamento de Francisco com Ana, no Trio Esmeralda.
O trio viajou para o Rio de Janeiro e foi premiado nos programas César Ladeira (Rádio Mayrink Veiga) e Manuel Barcelos (Rádio Nacional). Em 1942, Chopp deixou o grupo; Cascatinha e Inhana ingressaram então no Circo Estrela D’Alva, com o qual fizeram excursão pelo interior dos estados do Rio e de São Paulo. Fizeram shows em circos, em diversas cidades, e se apresentaram em programas de rádio. De volta à São Paulo passaram a atuar no Circo Imperial, onde permaneceram por cinco anos.
Em 1947 cantaram pela primeira vez em rádio como dupla, na Bauru Rádio Clube. Em 1950 Cascatinha e Inhana foram contratados pela Rádio Record, onde ficaram por doze anos. Gravaram o primeiro disco em 1951 na gravadora Todamérica, registrando as músicas "La Paloma" (Iradier - Pedro Almeida) e "Fronteiriça" (José Fortuna). Em 1952 a dupla gravou os dois maiores sucessos de sua carreira, as guarânias "Meu primeiro amor (Lejania)" (H. Gimenez - versão: José Fortuna - Pinheirinho Jr.) e "Índia" (J. A. Flores - M. O. Guerrero - versão: José Fortuna).
Sobre a voz de Inhana, o violeiro e cantador mineiro Téo Azevedo disse à jornalista e pesquisadora Rosa Nepomuceno, no livro Música Caipira da Roça ao Rodeio (São Paulo: Editora 34, 1999, Pág. 147): “Sua afinação era impressionante”. Os dois cantavam em terça, como as duplas caipiras, mas a imprensa especializada destacava, na época, a facilidade com que Inhana “passa pelas notas agudas” e a “segunda voz” Cascatinha e chamou-os de “Os sabiás do sertão”.
Em 1980, em entrevista ao apresentador Moraes Sarmento, no programa Viola Minha Viola, da TV Cultura, o cantor dá sua versão: ainda criança, quando residia na cidade de Garça (SP), recebeu o apelido por gostar de tomar banho em uma pequena cascata local.
Para o nome da companheira, também deu a versão, confirmada por ela no mesmo programa de televisão: para reforçar a imagem de dupla sertaneja, ele deu-lhe o nome Inhana, uma corruptela de sinhá (senhora) Ana, denominação muito comum dada pelos escravos às patroas.
Os últimos discos gravados pela dupla, antes da morte de Inhana, em 1981, foram: Dueto de amor (1970), Olhos tristonhos (1972), Olhos tristonhos (1972), Mensagem de artista (1976) – na oitava faixa deste disco, está a canção Eu quero apenas, de Roberto e Erasmo Carlos) – Dois Corações (1977), Casinha pequenina (1977),Cascatinha e Inhana, Edição limitada (1978), Cascatinha e Inhana (1979).
domingo, 28 de abril de 2019
ALUÍSIO MACHADO, 80 ANOS
Biografia
Compositor. Cantor. Dançarino. Mestre-Sala. Sétimo e último filho do casal Alcides Machado (mineiro e sanfoneiro amador) e Maria Augusta Machado (capixaba e lavadeira), que se transferiu para Campos um ano antes de seu nascimento. Mais tarde, a família transferiu-se para a cidade do Rio de Janeiro, residindo em vários bairros, entre os quais Campinho, Cavalcante, Ricardo de Albuquerque e Jacarepaguá. O irmão mais velho foi passista do Império Serrano. Aos 14 anos começou a desfilar pela Império Serrano. Aos 16 anos entrou para a Companhia Teatro Popular Brasileiro (TPB), do pernambucano Solano Trindade, com a qual viajou para apresentações na cidade de São Paulo. Como dançarino (de frevo, caxambu, maracatu e jongo etc) atuou como figurante em alguns filmes nacionais, entre os quais "Rio 40º" (dirigido por Nélson Pereira dos Santos, 1955); "Meus amores no Rio" (dirigido por Carlos Hugo Christensen, 1958) e "Orfeu do Carnaval" (dirigido por Marcel Camus, 1960). Em 1963 desfilou pela primeira vez, como mestre-sala na Imperatriz Leopoldinense, na época, a agremiação pertencia ao Grupo II do carnaval carioca. Pertenceu à Ala de Compositores do Bloco Carnavalesco Embalo de Madureira. Integrou a Ala de Compositores da Unidos de Vila Isabel entre 1972 e 1981). Integrou a Ala de Compositores do Império Serrano, para a qual compôs alguns clássicos do samba-enredo. Trabalhou como estofador. Foi funcionário do Tribunal Marítimo, onde trabalhou como arquivista, antes, porém, trabalhou na contabilidade. No ano de 2001 gravou um depoimento para o Museu da Imagem e do Som do Rio de Janeiro, tendo como entrevistadores José Carlos Rego, Helena Theodoro e Lygia Santos. Em 2007 foi lançado em DVD o documentário em média-metragem "O Famoso Aluísio Machado", (51 minutos) pela Produtora Vira-Lata Filmes, no qual conta parte de sua trajetória artística, com cenas gravadas em um botequim em frente ao Retiro dos Artistas, em Jacarepaguá.
Dois anos depois, em 2009 o DVD "Alcides Aluísio Machado" foi lançado pelo "Projeto Memórias das Matrizes do Samba do Rio de Janeiro", com um documentário sobre o sambista produzido pelo Centro Cultural Cartola, com o apoio do IPHAN e MEC. Ainda em 2009 seria lançado outro DVD-documentário, desta vez o "Oficina de Danças - As Matrizes do Samba Carioca - Sapateadores do Partido Alto", dirigido por Andréa Jabor, com apresentação de Helena Theodoro e realização da Arquitetura do Movimento, copatrocinado pela Secretaria Estadual de Cultura do Rio de Janeiro e "Prêmio Funarte de Dança Klauss Vianna/2008", com Aluísio Machado, Rubem Confete, Bira Presidente e Ubirani. No ano posterior, em 2010, participou como um dos entrevistados no documentário "Noitada de Samba - Foco de Resistência", dirigido por Cély Leal, sob consultoria de Jorge Coutinho e Leonides Bayer (criadores do evento na época). O trabalho foi produzido pela Singra Produções e contou com outros entrevistados, tais como Adelzon Alves, Ademilde Fonseca, Afonsinho, Alcione, Arlindo Cruz, Baianinho, Beth Carvalho, Carlos Lyra, Dalmo Castello, Délcio Carvalho, Diana Aragão, Dona Ivone Lara, Eliana Pittman, Elton Medeiros, Genaro da Bahia, Gilberto Braga, Gisa Nogueira, João das Neves, Jorge Coutinho, Leonides Bayer, Lígia Santos, Mariúza, Martinho da Vila, Maurício Sherman, Monarco, Nilze Carvalho, Noca da Portela, Pimpolho, Poli, Rubem Confete, Stênio do Nosso Samba, Xangô da Mangueira e Zeca da Cuíca. No ano de 2012 participaria do documentário intitulado "Cabeças Coroadas", dirigido por Saulo Farias Vasconcelos, realizado pelo Centro Cultural Cartola, associado à série "Lab Cultura Viva", copatrocinado por FUJB/UFRJ/ECO-UFRJ e MINC, sob coordenação da professora Ivana Bentes (ECO-UFRJ) e lanaçdo em DVD. Em 2014 o Tribunal Marítimo lhe concedeu o "Diploma de Reconhecimento - Diploma de Bronze", por seus 17 anos de relevantes serviços dedicados ao Tribunal. Neste mesmo ano recebeu o título, das mãos do compositor Zé Katimba, de "Cidadão Samba 2014" no evento "Carnaval Histórico", realizado no Teatro Imperator - Centro Cultural João Nogueira, no Méier, Zona Norte do Rio de Janeiro.
Dados artísticos
Com o sucesso obtido como cantor e compositor do Império Serrano, passou a se a se apresentar em boates da Zona Sul do Rio de Janeiro, como Oba Oba, entre outras. Na década de 1960, atuou como músico, ao lado de Nara Leão e João do Vale no show "Opinião". No ano de 1963 seu samba "Meu mundo caiu" (c/ Walter Rosa) foi incluído no LP "As Grandes Escolas de Samba", na interpretação instrumental da Orquestra e Coro Odeon. No ano de 1965 "Sam B a Bá", em parceria com Joe Lester, foi gravada pelo grupo Anjos do Sol. Em 1966 sua composição "Carnaval que passou" (c/ Acyr Pimentel e Nelson Caetano) foi incluída no disco "Carnaval de 1967", na voz do cantor João Dias. No ano seguinte, em 1967, o samba seria regravado por Moacyr Silva, no LP "Carnaval de Boate - Volume 4". No ano de 1968 a cantora Dalila gravou em seu compacto simples a faixa "Sou feliz" (c/ Erly Muniz). No ano posterior, em 1969,Jamelão gravou "O peixeiro" (c/ Ferreira dos Santos) e o samba "Vai ficar um" (c/ Quivo) foi interpretado por Ari da Guarda no disco "Partido Alto no Samba". No ano seguinte, em 1970, seu samba "Valorização da mulata" (c/ Arthur Soares), foi incluído no LP "Botando pra quebrar", do grupo Brasil Ritmo 67 & As Três Mais. Neste mesmo ano o conjunto Os Autênticos gravou de sua autoria "Porta-Bandeira". Entre os anos de 1971 e 1983 participou ativamente da "Noitada de Samba", no Teatro Opinião, em Copacabana, evento idealizado e produzido pela dupla Jorge Coutinho e Leonildes Bayer, no qual participavam João Nogueira, Dona Ivone Lara, Nei Lopes, Wilson Moreira, entre outros. Neste mesmo ano lançou um compacto simples com as faixas "Quero mais" (c/ Oldemar Magalhães) e "Acontece que não dá" (c/ Zé Tinoco). No ano posterior, em 1972, o grupo Imperiais do Ritmo regravou "Quero mais" (c/ Oldemar Magalhães) e "Gente". Neste mesmo ano Míriam Batucada interpretou, em compacto simples, a composição "Gente". Em 1973 sua composição "Quem me ensinou já morreu", foi gravada por Jorginho do Império. Neste mesmo ano, integrando a Ala de Compositores da Escola Unidos de Vila Isabel chegou às finais da escola do samba-enredo da agremiação com o samba "Zodíaco do Samba", em parceria com Ailton Gemeu. No ano seguinte, em 1974, foi lançado o disco coletivo "Casa de Bamba" da Ala de Compositores da Unidos de Vila Isabel, no qual, ao lado de Antônio Grande, Barbinha, Diógenes, Estrela, Jonas, Jorge Saberas e Paulo Brazão, participou interpretando de sua autoria a faixa "Sou mais a Vila". Zaíra, no LP "Samba sensacional" interpretou "Segurança", parceria com Roberto Nunes. Neste mesmo ano participou do LP "Tem gente bamba na roda de samba", ao lado de Ary Guarda, David Correia, Gisa Nogueira, Nei Lopes e Wilson Moreira, disco no qual interpretou de sua autoria a faixa "Comida baiana" (c/ Jaburu). Participou do disco "Isto que é partido alto - 5" cantando a faixa "Quem me ensinou já morreu", LP no qual também estavam presentes Aparecida, Chico Bondade, Darcy da Mangueira, Dida, Embaixadores do Samba, Explosão do Samba, Paulão e Sidney da Conceição. Neste mesmo ano, de 1974, participou do programa "A Grande Chance", de Flávio Cavalcanti (TV Tupi), no qual interpretou de sua autoria a composição "Aí, então".
No ano de 1975 o cantor Reinaldo, no disco "Papel assinado", gravou de sua autoria a composição "Banco do amor" (c/ Chiquinho e Arlindo Cruz); Xangô da Mangueira cantou "Ô menina" em seu disco "Velho Batuqueiro" e o cantor Sílvio Aleixo incluiu "Vamos recomeçar", no LP "Alerta". Neste mesmo ano de 1975 gravou seu primeiro LP intitulado "Apesar dos pesares", lançado pela gravadora CBS. No LP interpretou de sua autoria as composições "Eu me perdoo", "Êh menina", "Insinceridade", "Como é que pode", "Acontece que não dá" (c/ Zé Tinoco), "Saudades de ter saudade", "Ai então", "Vai ficar um" (c/ Quivo), "Cabeça e espinha" (c/ Darci de Souza), "Causa e efeito" e "Sou gente homem", além da faixa-título "Apesar dos pesares". No ano seguinte, em 1976, lançou dois compactos simples com as composições "Discretamente" (c/ Washington) e "Ajoelhou tem que rezar - Homenagem à Mangueira", de autoria de Washington (gravadora Top Tape), e "Artifício" (c/ Aluízio Ramos) e "Ajoelhou tem que rezar" (c/ Byli), pela gravadora CBS. No ano de 1977 gravou, ainda pela CBS, outro compacto simples com as faixas "Jacob do Bandolim" e "Me perdi", esta última em parceria com Antônio Grande. No ano posterior, em 1978, seu samba "Cachorro mordido de cobra", em parceria com Ari do Cavaco, foi gravado por Bibiu da Portela no LP "Olé do partido alto". Em 1979 Zaira gravou "Dona Moça" em seu LP "Simplesmente Zaira". O ano de 1981 foi bem profícuo para o compositor, vários intérpretes gravaram suas obras: "Minha filosofia" (por Alcione); "O suburbano" (c/ Beto Sem Braço) por Almir Guineto; "Escasseia" (c/ Beto Sem Braço e Zé do Maranhão) por Beth Carvalho no LP "Na fonte"; "Te contei" (c/ Beto Sem Braço), pelo grupo Sambrasil no disco "Meu samba" e as faixas "Meu amanhã" (c/ Ovídio Bessa) e "Novo endereço" (c/ Beto Sem Braço e Zé do Maranhão) pelo grupo Sambatour. O samba-enredo "Bum bum paticumbum prugurundum", de sua autoria em parceria com Beto Sem Braço, deu o primeiro lugar do Grupo 1A ao Império Serrano no carnaval de 1982. O próprio compositor declarou a José Carlos Rego, Helena Theodoro e Lygia Santos, em depoimento ao Museu da Imagem e do Som, do Rio de Janeiro: "Esse termo foi usado pelo Ismael Silva para explicar a sonoridade da batucada. O Sérgio Cabral teve a sensibilidade de registrá-lo no livro "As Escolas de Samba" e a carnavalesca Rosa Magalhães ousou batizar o nome do enredo com ele. O nome original do samba era "Candelária, Praça XV e Marquês de 'Sapecaí'. Não era um samba fácil, a onomatopeia era complicada e, ainda assim, fez o maior sucesso".
O samba ganharia o "Estandarte de Ouro" da Rede Globo neste mesmo ano de 1982 em que mais dois sambas de sua autoria foram gravados: "Maça do amor" (c/ Beto Sem Braço), por Jorginho do Império no LP "Coisa boa"; "Efeitos da evolução", por Martinho da Vila no disco "Verso & reverso". No ano seguinte, em 1983, a mesma dupla Aluísio Machado e Beto Sem Braço, também ganharia o prêmio da Rede Globo "Estandarte de Ouro" com outro samba enredo, desta vez com "Mãe Baiana Mãe", para a Escola de Samba Império Serrano. Neste mesmo ano, Martinho da Vila, no LP "Novas palavras", interpretou "Clara Nunes" (c/ Ovídio Bessa), e Arlindo Cruz, no disco "Arlindinho", incluiu "Pra ser lembrado depois" (c/ Arlindo Cruz e Acyr Marques). No ano de 1984, ao lado de Wilson Moreira, Nei Lopes, Cláudio Jorge e Sonia Ferreira, participou do projeto "Roda de Samba", no Teatro João Caetano, no Rio de Janeiro. No ano posterior, em 1985, participou do LP "Pique brasileiro”, ao lado de David Correia e Gracia do Salgueiro, lançado pela gravadora BMG Ariola, no qual interpretou de sua autoria as faixas "Vegetariano" (c/ Ovídio Bessa e Zé do Maranhão), "Pique brasileiro" (c/ Gracia do Salgueiro e David Correia), "Obrigado meu Deus" (c/ Beto Sem Braço) e "O vacilão", em parceria com Ovídio Bessa. Neste mesmo ano o cantor Dellano, no LP "A voz do samba", gravou "Artifício" (c/ Aluizio Ramos) e "Filosofia de boi" (c/ Dellano), e Neguinho da Beija-Flor interpretou "Se ligue, Doutor" (c/ Beto Sem Braço) no LP "Ofício de puxador". Em 1986, Dominguinhos do Estácio, no disco "Bom ambiente", gravou "Dura prova" (c/ Beto Sem Braço e Serginho Meriti); Alcione no LP "Fruto e raiz", pela RCA, gravou outra composição sua, "Pique, rabo, emenda". Ainda em 1986 ganharia mais um "Estandarte de Ouro" com o samba enredo "Eu Quero", em parceria com Luiz Carlos do Cavaco e Jorge Nóbrega, também para o Império Serrano. Em 1989, em parceria com Bicalho, Arlindo Cruz e Beto Sem Braço, compôs o samba-enredo "Jorge Amado: Axé Brasil", com o qual o Império Serrano desfilou naquele ano. No ano de 1991 o Grupo Pirraça no disco "Eterna procura", incluiu de sua autoria a faixa "Atividade, malandro" (c/ Jorge Carioca, Luizinho e Marquinhos PQD). Em 1993 o Grupo Pirraça voltaria a gravar mais uma composição sua, desta vez o samba "Nova estação", em parceria com Evandro Lima e Gígio. Por essa época compôs "Império Serrano: um ato de amor" (c/ Acyr Marques, Arlindo Cruz e Bicalho), samba-enredo com o qual a escola foi a vice-campeã do Grupo 1, de Acesso, retornando ao Grupo Especial. Neste mesmo ano, de 1993 ganharia mais um "Estandarte de Ouro", conferido pelo Jornal O Globo. No ano de 1996, em parceria com Beto Pernada, Lula, Índio do Império e Arlindo Cruz, compôs o samba-enredo "E verás que um filho teu não foge à luta", com o qual a Império Serrano desfilou naquele ano e ganhou o prêmio "Estandarte de Ouro", do Jornal O Globo, na categoria "Melhor Samba-Enredo" e ainda classificou a escola em 6º lugar do Grupo Especial. No ano de 2001, participou do projeto "Meninos do Rio", série de três shows que reuniu no palco do Centro Cultural Banco do Brasil 15 sambistas: Dauro do Salgueiro, Nei Lopes, Nelson Sargento, Baianinho, Niltinho Tristeza, Casquinha, Zé Luiz, Nílton Campolino, Jair do Cavaquinho, Monarco, Elton Medeiros, Luiz Grande, Jurandir da Mangueira e uma única mulher: Dona Ivone Lara. O projeto foi registrado em disco produzido por Paulinho Albuquerque e Cláudio Jorge, pela gravadora Carioca Discos, lançado neste mesmo ano. Neste disco interpretou de sua autoria "Minha filosofia", "Falange do Erê" (c/ Arlindo Cruz) e "Bumbum paticumbum", em parceria com Beto Sem Braço). No ano seguinte, em 2002, a escola Império Serrano classificou-se em 9º lugar no Grupo Especial com um samba-enredo de sua autoria "Aclamação e coroação do Imperador da Pedra do Reino: Ariano Suassuna", em parceria com Carlos Senna, Elmo Caetano, Lula e Maurição. Neste mesmo ano, Marquinho Santanna incluiu no disco "Nosso show" uma composição de sua autoria: "Mar de carinhos", em parceria com Arlindo Cruz.
No ano de 2003, foi um dos convidados de Guaracy Sete Cordas na Roda de Samba, no Clube Copa Leme, no bairro do Leme, no Rio de Janeiro. Neste mesmo ano, em parceria com Maurição, Elmo Caetano, Carlos Senna e Arlindo Cruz, compôs o samba-enredo "E onde houver trevas... Que se faça a luz!" com o qual o Império Serrano desfilou no carnaval. Ainda em 2003, sua composição "Sambista de fato" (c/ Acyr Marques), interpretada por Débora Cruz (filha do compositor Acyr Marques e sobrinha de Arlindo Cruz), foi classificada em 6º lugar no "Festival Fábrica do Samba", com a final no Maracanazinho, no Rio de Janeiro. Em 2005 o grupo carioca Casuarina regravou "Minha filosofia" em CD homônimo lançado pela gravadora Biscoito Fino. No ano de 2006, com Dona Ivone Lara e outros compositores importantes do Império Serrano, participou do show e do CD "Império Serrano - Um Show de Velha Guarda", lançado pela gravadora Biscoito Fino. Neste mesmo ano o Império Serrano desfilou com seu samba-enredo "O Império do Divino", em parceria com Arlindo Cruz, Carlos Sena, Elmo Caetano e Maurição, quando também conquistou mais uma vez o prêmio "Estandarte de Ouro". No ano de 2011 foi o convidado especial do grupo paulista Inimigos do Batente para a roda de samba "Anhanguera Dá Samba", da cidade de São Paulo. Neste mesmo ano, de 2011, lançou o DVD "Arte não tem idade" (c/ Grupo Mukeka de Xaréu) pelo Selo MCD Estúdio. No ano de 2014 apresentou-se no projeto "Meio Dia em Ponto", do Centro Cultural Light, comandado e apresentado por Ricardo Cravo Albin, no qual interpretou sucessos da carreira, a maioria em parceria com Beto Sem Braço e Arlindo Cruz, gravados por vários intérpretes do samba. Neste mesmo ano voltou a participar da roda de samba "Noitada de Samba", desta vez uma segunda edição organizada por Cély Leal, ao lado de Martinho da Vila, Nilze Carvalho e Baianinho, entre outros, no Clube Carnavalesco Cordão do Bola Preta, na Lapa. No ano seguinte, em 2015, voltou a se apresentar no projeto "Meio Dia em Ponto", do Centro Cultural da Light, em show com roteiro e apresentação de Ricardo Cravo Albin. Na ocasião, interpretou composições de sua autoria. Na entrevista falou sobre seus vários prêmios recebidos durante a carreira de compositor de samba-enredo da Escola de Samba Império Serrano.
Neste mesmo ano de 2015 foi lançada, no Centro Cultural da UERJ, a sua biografia "Aluísio Machado: Sambista de Fato, Rebelde por Direito" (Acervo Universitário do Samba, uma iniciativa da COART e do Departamento Cultural da Universidade DECULT-UERJ) editada pela Outras Expressões (São Paulo), com prefácio do compositor e pesquisador Nei Lopes. Na ocasião, além da breve apresentação do trabalho feita pelo autor e professor da UERJ Luiz Ricardo Leitão, houve um pequeno espetáculo com o artista e o grupo que gravou o CD encartado no livro, com o clássico "Bumbum Paticumbum Prugurundum" e mais sete composições inéditas, interpretadas pelo próprio compositor, acompanhado de jovens músicos universitários da UNIRIO e por um coro do projeto "Ah! Banda", do Cap-UERJ, sob a direção da maestrina Ilana Linhales, coordenadora da COART. No CD foram incluídas as faixas "A carta", "Doca Street", "Sambista de fato", "Meu torrão", "Minha bandeira", "Virgulino", "Inteiração" e "Bom marido", todas interpretadas por Aluísio Machado, tendo como acompanhamento um grupo integrado pelos músicos Mariana Serra (clarineta e arranjo), Rodrigo Rodrigues (fragote e arranjo), Marcos Tanuri (cavaquinho e arranjo), Dudu Souto (violão e arranjo), Lucas Videla (percussão e arranjo), Maria Candida Petit (percussão e arranjo) e Marina Chuva (percussão e arranjo), além da participação especial da cantora Débora Cruz, em disco com produção musical de Alexandre Seabra (arranjos) e direção musical de lIana Linhales. No ano de 2018 sua composição "Réquiem para Jacob do Bandolim" foi incluída no disco "Coisas do interior", da cantora Zilá Santos. Teve composições gravadas por vários intérpretes, entre elas "A Taxa" (c/ Beto Sem Braço) pelo Grupo Exporta Samba no LP (s/d) "Gabinete do partido alto"; "Artifício" (c/ Aluízio Ramos) pelo cantor Noite Ilustrada no disco (s/d) "Bem melhor"; "Se ligue, Doutor" (c/ Beto Sem Braço) e "Estrela bonita" (c/ Beto Sem Braço) por André do Villar em compacto simples (s/d); "Sou gente, homem!" no disco coletivo "Olé do partido alto" (s/d) e ainda, a composição "Amigo", gravada ao vivo no LP "Samba de montão" (s/d) na quadra de ensaio da Império Serrano.
Fonte: Dicionário da MPB
sábado, 27 de abril de 2019
VERDADE TROPICAL (CAETANO VELOSO)*
TROPICÁLIA
As outras faixas desse disco, que eu levava em frente com idéias entusiasmadas e resultados depressivos, eram todas de composições novas. Uma delas tinha me levado ao auge da excitação no momento em que a concebi. Pensando num velho samba de Noel Rosa chamado "Coisas nossas", que enumerava cenas, personagens típicos e características culturais da vida brasileira, e os emoldurava com o refrão "O samba, a prontidão e outras bossas/ São nossas coisas/ São coisas nossas" (depois de abrir magnificamente com a linha "Queria ser pandeiro pra sentir o dia inteiro a sua mão na minha pele a batucar"), imaginei uma canção que tivesse temática e estrutura semelhantes, só que, como no caso de "Alegria, alegria" em relação a "Clever boy samba", não ficasse no tom simplesmente satírico e valesse por um retrato em movimento do Brasil de então.
Com a mente numa velocidade estonteante, lembrei que Carmen Miranda rima com "A banda" (e eu já vinha fazia muito tempo pensando em bradar o nome ou brandir a imagem de Carmen Miranda), e imaginei colocar lado a lado imagens, ideias e entidades reveladoras da tragicomédia Brasil, da aventura a um tempo frustra e reluzente de ser brasileiro. A palavra bossa, que já estava no samba de Noel (anos 30), se impunha, naturalmente (era claro para mim que ela estaria, como em "Coisas nossas", no refrão da nova música), e sua rima com palhoça punha, mais do que a bossa nova, a TV do Fino da Bossa de Elis em confronto com uma população que mal deixava de ser rural. O Carnaval, o próprio movimento tropicalista (que então ainda não tinha esse ou qualquer outro nome,) a miséria e a opressão, a Jovem Guarda de Roberto Carlos, tudo teria lugar ali - as palavras encontravam rimas: as idéias, contrastes e analogias; as imagens, espelhos, lentes e ângulos insuspeitados. Mas eu não queria que a nova canção fosse, como "Coisas nossas", um mero inventário. Era preciso que um daqueles elementos - ou um outro em que não tinha ainda pensado - impusesse uma estrutura ao texto a ser cantado, de modo a manter um alto nível de tensão entre as abordagens que se sucederiam numa lista monstruosa. A ideia de Brasília fez meu coração disparar por provar-se imediatamente eficaz nesse sentido. Brasília, a capital monumento o sonho mágico transformado em experimento moderno e, quase desde o princípio, o centro do poder abominável dos ditadores militares. Decidi-me: Brasília, sem ser nomeada, seria o centro da canção-monumento aberrante que eu ergueria à nossa dor, à nossa delícia e ao nosso ridículo. Bem, pelo menos era assim que eu sentia as coisas no paroxismo da inspiração. A canção real que consegui fazer me entusiasma muito menos do que a imagem difusa que eu fazia dela quando ela era apenas uma possibilidade. Mas ela exerceu forte impacto no ambiente de música popular e em muitas cabeças interessantes do Brasil - e rendeu estudos acadêmicos em que foi chamada repetidas vezes de "alegórica". E conheceu considerável sucesso popular.
O arranjo dessa canção ficou a cargo de Júlio Medaglia. Eu tinha distribuído o repertório do disco entre os três maestros da "música nova" de São Paulo que se aproximaram de nós: Medaglia, Damiano Cozzela e Sandino Hohagen. Rogério Duprat - na verdade o mais interessante deles - chegara um pouco depois e, a partir de "Domingo no parque", tinha ficado mais ligado a Gil. No dia da gravação da base orquestral dessa música que, apesar de ser para mim a mais representativa, era a única que não tinha título, o baterista Dirceu, que nada sabia sobre o que tratava a letra que só seria gravada depois, ao ouvir a introdução em que sons percussivos, cantos de pássaros e intervenções do naipe de metais se superpunham, lembrou-se da carta de Pero Vaz de Caminha descrevendo a pasisagem brasileira no momento do descobrimento. A gravação que foi aproveitada contém o discurso que Dirceu improvisou de pura gozação, sem imaginar que já se estava gravando, e muito menos quão adequada era sua falação ao tema tratado na letra. "Quando Pero Vaz de Caminha descobriu que as terras brasileiras eram férteis e verdejantes, escreveu uma carta ao rei: tudo o que nela se planta, tudo cresce e floresce, e", numa referência ao técnico de som Rogério Caos que comandava a mesa de gravação. "o Gaos da época gravou!", ouve- se Dirceu dizer antes que eu entre com os primeiros versos instauradores do panorama em que se desenrolará a construção da visão algo cubista:
Sobre a cabeça os aviões
Sob os meus pés os caminhões
Aponta contra os chapadões meu nariz
Eu organizo o movimento
Eu oriento o Carnaval
Eu inauguro o monumento no planalto central do país.
A canção, longa, depois de passar pela imagem de uma "criança sorridente, feia e morta" que "estende a mão" de sobre os joelhos do "monumento", por uma "piscina com água azul de Amaralina" e pelos "cinco mil alto-falantes" que "emitem acordes dissonantes" (sempre entrecortada por um refrão musicalmente fixo mas de letra variável, dando vivas a pares de rima primária e contiguidade desconcertante, como "Viva a bossa sa-sa/ Viva a palhoçaça-ça-ça-ça"/ "Viva Maria iá-iá/ Viva a Bahia iá-iá-iá-iá" "Viva Iracema ma-ma/ Viva Ipanema ma-ma-ma-ma"), termina por arrematar o grito de Roberto Carlos "que tudo o mais vã pro inferno" com um "Viva a Banda da- da/ Carmen Miranda da-da da-da!". Claro que a frase mais famosa do Rei Roberto, seguida da Banda de Chico e do nome de Carmen Miranda (cuja última sílaba repetida evocava o movimento dadá e, para mim, misturava seu nome ao de Dadá, a famosa companheira do cangaceiro Corisco, estes dois últimos personagens reais e figuras centrais de Deus e o Diabo na Terra do Sol), dava, de forma elíptica mas imediatamente perceptível por qualquer brasileiro que ouvisse canções (nunca foram poucos), uma reestudada geral na tradição e no significado da música popular brasileira. Mas cada refrão tinha sua constelação de sugestões ou referências. Além da "bossa" noelina e nova e elisreginianamente televisiva colada à "palhoça", temos o nome do filme Viva Maria, de Louis Malle (Brigitte Bardot era uma presença feminina muito mais constante em minha mente do que a de Marilyn, como já disse), um filme sobre mulheres e revolucionários na América Latina, seguido de "iá-iá", que é o modo como os negros da Bahia (que é a palavra que se segue no refrão) sempre chamaram suas patroas ou donas, assim como toda mulher que lhes fosse superior, uma vez que iá é "mãe" em ioruba: depois o par "Iracema" (um anagrama de América, nome da índia que é a personagem central e titulo do belo romance oitocentista de José de Alencar e "Ipanema" (palavra tupi que quer dizer "água ruim", nome tornado mundialmente famoso por causa da "Garota de Ipanema", de Jobim e Vinicius de Moraes) aproxima as duas praias, uma do Rio e a outra do Ceará, e as duas figuras femininas, uma do século XIX, outra do século XX, uma índia, outra
branca, uma dando nome a uma praia (a praia de Iracema, em Fortaleza, foi assim batizada em homenagem à personagem de Alencar, outra tomando de uma praia seu nome (a garota de Jobim e Moraes é uma homenagem deles a Ipanema). "Viva a mata ta-ta/ Viva a mulata ta-ta-ta-ta" é o mesmo polissêmico dos refrões, mas a polissemia dos outros não é o que justifica sua existência e posicionamento no corpo da canção. Observá-la é apenas um ato de curioso detalhismo a que me dou o direito, por entender que pode ser agradável para quem me leia descobrir algumas das causas das emoções ou sensações que a canção porventura tenha desencadeado. A "mata" e a "mulata", de qualquer modo, são duas entidades múltiplas e, posto que óbvias, misteriosas.
Seria necessária muita paciência (sobretudo do leitor) para estender esse tipo de mirada às estrofes, mais longas e não menos cheias de sugestões. Basta que se diga por agora que essa canção sem nome justificou para mim a existência do disco, do movimento e de minha considerável dedicação à profissão que ainda me parecia provisória: era o mais perto que eu pudera chegar do que me foi sugerido por Terra em transe.
Num almoço na casa de não sei quem em São Paulo ao qual suponho que Mário Schemberg compareceu, me pediram que cantasse algumas das músicas que eu estava gravando. Luis Carlos Barreto, um fotógrafo jornalístico que tinha se tornado produtor de cinema depois de magníficos trabalhos como diretor de fotografia (devem-se a ele as imagens da obra-prima Vidas secas e do próprio Terra em transe), impressionou-se com essa canção (o que é perfeitamente coerente) e, ao ser informado de que ela não tinha título, sugeriu "Tropicália", por causa, dizia ele, das afinidades com o trabalho de mesmo nome apresentado por um artista plástico carioca, uma instalação (na época ainda não se usava o termo, mas é o que era) que consistia num labirinto ou mero caracol de paredes de madeira, com areia no chão para ser pisada sem sapatos, um caminho enroscado, ladeado de plantas tropicais, indo dar, ao fim, num aparelho de televisão ligado, exibindo a programação normal. O nome do artista era Hélio Oiticica, e era a primeira vez que eu o ouvia. Eu naturalmente disse que não, que não poria o nome da obra de outra pessoa na minha música, que essa pessoa poderia não gostar. O que eu não disse, é que esse nome de "Tropicália" não me agradara muito, embora a descrição que ele dera da instalação me atraísse.
"Tropicália" parecia reduzir o que eu entendia de minha canção a uma reles localização geográfica. A palavra era pregnante, contudo, e nós não a esquecemos. Guilherme Araújo gostou. Manuel Barembein, a quem eu cai na asneira de contar a sugestão feita por Barreto, agarrou-se a esse nome e, para todos os efeitos, enquanto eu não encontrasse um nome melhor, a canção se chamava "Tropicália". Nas caixas de fitas, nas fichas de gravação, nas conversas, o nome Tropicália se impôs. O único outro titulo que me tinha ocorrido "Mistura fina" - era evidentemente insatisfatório. Tratava-se de uma conhecida marca de cigarro, O que estava de acordo com o método de referências publicitárias - e ainda não era uma expressão tão gasta quanto hoje -, mas a palavra mistura enfraquecia a canção. Como eu não achasse nunca um outro melhor e o disco já estivesse pronto, Tropicália ficou e oficializou-se. As outras canções do disco pareciam corolários dessa. "Superbacana", com uma lista de nomes de produtos industriais em que o prefixo super aparecia, e uma arenga a um tempo amarga e divertida por vivermos num pais periférico (além de um final semelhante ao de Panamérica, com a idéia de "explodir colorido, no sol, nos cinco sentidos"), foi gravada com o RC7, como antes eu sonhara para "Alegria, alegria". "Eles", uma profissão de fé adolescente, marcando nossa diferença geracional em relação aos "caretas", foi gravada com os Mutantes. "Maria", minha única parceria com Rogério Duarte, uma canção misteriosa e algo sombria sobre um filho imaginário, e "Clara", uma composição complexa no sistema dos acordes inteiros justapostos que Gil iniciara com "Bom dia", ficaram a cargo de Sandino Hohagen. "No dia que eu vim-me embora", uma das minhas raras parcerias com Gil, com os Beat Boy s. Acho que "Paisagem útil" e "Clarice" também foram orquestradas por Júlio Medaglia. O resultado geral me pareceu bem mais desigual do que Terra em transe. Eu não teria coragem de mostrá-lo a um estrangeiro como exemplo do nível a que tinha chegado a produção de música popular no Brasil. Para mim, soava amadorístico (ainda soa) e confuso, sujo. Mas Glauber gostou.
Num encontro na casa do arquiteto e letrista Marcos Vasconcellos, no Rio, ouvimos todo o álbum num gravador de rolo (o disco estava mixado, mas ainda não tinha sido prensado) e Glauber, coerentemente, exultou com "Tropicália". Ele claramente reconhecia as identificações com Terra em transe. Fez perguntas sobre dinheiro e relações profissionais que eu não sabia responder. As vezes me puxava para um canto e, olhando para os lados como se temesse ser ouvido, fazia essas perguntas em tom de segredo. Ele se mostrava muito espontâneo e queria sempre falar clesabusadamente. Seu jeito de falar tinha muito do de Rogério. Era uma marca da geração deles em Salvador, mas também era identificação pessoal e influência mútua entre os dois. Como já contei, eu o tinha visto algumas vezes e falado brevemente com ele. E o tinha ouvido falar longamente no Clube de Cinema da Bahia. Mas a oportunidade de uma verdadeira aproximação, propiciada por esse meu novo trabalho revelou sua capacidade de seduzir, o tom comicamente conspiratório com que ele demonstrava intimidade, e seu sorriso de criança. O sorriso de Glauber desarmava porque, espremendo os olhos de ordinário esbugalhados e com o branco à mostra por sob a íris, desfazia a atmosfera expressionista do seu olhar incisivo e triste, trazendo um abandono contagiante, um jato de pureza intacta a desintegrar inesperadamente a teia de esperteza e fúria que sua presença tecia o tempo todo. Seu estilo pessoal podia ser descrito como um misto de Orson Welles e Marlon Brando que tivesse incorporado um jagunço visionário do sertão da Bahia. Mas era frágil. Desde essa primeira audição do meu disco, tivemos diversos encontros, e, até o fim, ele se mostrou interessado em minhas atividades. Mas o diálogo entre nos nunca foi fácil. Nem sequer chegou-se a estabelecer um verdadeiro diálogo. Eu o admirava havia muito tempo, e ele, impressionado com o que eu estava fazendo, esperava de mim uma descontração que seu próprio tom paternalizante impedia. Um fato notável, nessa noite, foi que Marcos Vasconcellos pediu a seu parceiro Pingarrilho, um bom compositor e violonista, que me mostrasse uma canção feita pelos dois, afirmando que eu a adoraria e quereria gravar porque estava totalmente dentro da temática moderna e futurística do meu novo repertório. Era um samba típico da segunda fase da bossa nova, "torto", como se dizia, um samba de músico, quase jazzístico, que Pingarrilho cantava com segurança e tocava com virtuosismo. Chamava-se "O astronauta". Possivelmente esse título tinha levado Marcos a crer no que me dizia. Mas a canção, embora deixasse evidentes os méritos musicais do seu parceiro, era rica exatamente naquilo que, no momento, não me interessava. E a letra pareceu-me de um lirismo atroz, falando de uma mulher "ela", que, tendo ido embora não se sabe para onde, talvez estivesse "em Marte" (dai o "astronauta" do titulo), mas talvez tivesse virado "um passarinho", ou "a estrelad'alva", ou ainda uma 'pipa de papel de seda", um "balãozinho". Elogiei a composição sem mencionar a letra e nada prometi quanto a gravá-la.
* A presente obra é disponibilizada por nossa equipe, com o objetivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêmicos, bem como o simples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de compra futura. É expressamente proibida e totalmente repudiável a venda, aluguel, ou quaisquer uso comercial do presente conteúdo.
sexta-feira, 26 de abril de 2019
CANÇÕES DE XICO
O DIA SEM SOL E NOSSOS POLÍTICOS
Essa Copa de algumas surpresas serviu também para revelar-me uma região da Rússia, onde está situada a cidade de São Petersburgo, onde o sol permanece ‘aceso’ por 18 horas durante o dia, por conta do fenômeno relacionado à sua posição geográfica. Hoje, por exemplo, dia da semifinal da copa, sábado, 14 de julho de 2018, o nascer do Sol ocorreu às 4:01 h e seu pôr se dará às 22.07 h, perfazendo um dia com 18 horas, 5 minutos e 29 segundos.
Há outras regiões em que isto ocorre com maior intensidade, não havendo noites, literalmente. A lua vive de férias e o sol trabalhando 24 horas por dia. No verão no Polo Sul , durante quatro meses, a noite é inexistente, ou seja, vários dias de 24 horas com o sol brilhando no céu.
Em outros lugares a natureza se diverte de forma diferente: são vários dias de escuridão, sol escondido e muito mais frio durante o inverno. Em Norilsk, por exemplo, três meses por ano, de novembro a fevereiro, o sol não nasce e somente a aurora boreal rompe a escuridão da longa noite. Ventos e o frio são quase eternos.
Dentro da utopia que às vezes nos ajuda a sonhar, fiquei a imaginar fosse o Brasil situado vizinho à Norilsk, num lugar em que não existisse dias e que o sol não aparecesse. Seriam 24 horas de lua, de muitas luas, de noites longas, escuro total. Seria o local ideal onde deveriam morar nossos políticos: talvez as 24 horas às escuras os estimulassem a dormir e, dormindo, não pudessem nos roubar. Talvez sonhassem com o roubo, como sonho com a existência desse lugar. Sonhar ainda pode.
O NASCIMENTO DO BREGAFUNK É A HISTÓRIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS MCS DO RECIFE – PARTE 02
Somando-se, enfim, à crescente disputa entre bairros e à violenta repressão policial, havia o problema de que o funk, com raras exceções, não rendia cachês aos MCs. O dinheiro estava nas casas de shows, mas os funkeiros, estigmatizados pela imagem violenta dos bailes de corredor, não conseguiam entrar no circuito.
Naquela primeira metade dos anos 2000, as casas noturnas populares e os programas de entretenimento locais na hora do almoço eram dominados pelas bandas do chamado “brega pop”, isto é, músicas lentas românticas que promoviam uma articulação de sonoridades da cena local (Reginaldo Rossi, Labaredas, Chama do Brega, Conde Só Brega e toda a estética “dos teclados”), com a do Ceará (o forró eletrônico de Aviões do Forró, Saia Rodada, Cavaleiros do Forró) e a do Pará (com influências do tecnobrega e do calypso, notáveis em músicas de bandas como Vício Louco, Ritmo Quente, Pank Brega; e vale lembrar que nesta época a banda Calypso fixou residência na capital pernambucana devido à posição estratégica da cidade no centro do Nordeste).
É consenso entre os músicos do movimento bregafunk que Leozinho foi o primeiro MC a quebrar a barreira e penetrar o mercado brega, entre 2008 ou 2009 — nem o próprio cantor sabe dizer o ano ao certo. “Eu tinha que gravar um brega pra poder fazer os shows. Aí gravei ‘Dois Corações’, com o DJ Serginho. Até então era o brega mesmo, lento e romântico. A música estourou porque era a novidade de ter um MC cantando brega”, explica ele.
O sucesso de “Dois Corações” ditou tendência: a partir daí todos os MCs do funk, que previam o fim inevitável dos bailes de corredor, enxergaram na estética “maloqueiro apaixonado” ou “cafuçu-sentimental” uma possibilidade de se manter na ativa e atingir um público mais amplo. Sheldon, Tocha, Dadá Boladão... Todos os MCs veteranos do bregafunk passaram por esse estágio. Troia até fez dupla com a cantora Anny Love, aproximando-se ainda mais da formação das bandas. Só que Leozinho e Serginho aproveitaram o embalo para propor uma nova levada. Em vez de tentar imitar a sonoridade das bandas românticas, os dois deram uma nova cara tanto ao funk quanto ao brega na música “DNA”. “Foi quando a gente começou a fazer o beat. Já tinha uma batida do bregafunk. Até então nóis não tinha dado o nome, mas já tinha essa batida”, afirma Leozinho.
Devido à falta de registros, fica difícil atestar se “DNA” é de fato a música pioneira ou fundadora do bregafunk. De todo modo, o importante é que a investida de Leozinho no brega abriu um trilha que motivou outros MCs descontentes com a falta de perspectiva do funk. “O brega foi o que tirou a gente de todo tipo de má influência, botou a gente no topo, onde a gente precisava ficar”, reconhece Shevchenko, que veio formar uma dupla de bregafunk com Elloco.
Sob influência de Leozinho, o MC Cego formou uma dupla com o MC Metal, também visando o brega como uma forma de transformar o hobby de cantar em profissão e tirar uma grana. Metal tinha um programa de brega na rádio comunitária Impacto, no Morro da Conceição, e foi o responsável por descolar o contato de Kleber Love, músico e empresário da Banda Lapada, então um sucesso na cidade. Esse contato facilitou a vida da dupla, que passou a fazer participações nos shows da banda e pouco depois teve a sorte de contar com o valioso feat da vocalista Mary Campbell, a Beyoncé de Recife, na música “Melô do Amigo Safado”. Combinando a instrumentação do brega (baixo, guitarra, bateria) com viradas de tamborzão e ritmo mais acelerado, a música foi outro marco fundamental dos primórdios do bregafunk, abrindo as portas para os MCs.
“De repente a gente ganhou o mercado como não ganhamos antes, cantando funk. O funk não tinha o mercado aberto pra poder entrar e dar continuidade com os hits que a gente soltava. Era como se não fosse pra frente”, contextualiza Cego. “Já com o brega, com composição nossa, o negócio era mais abrangente, caímos na graça do povo. Tinha mais expansão para poder ganhar dinheiro”.
Ainda que tenha incorporado uma série de elementos do brega, o bregafunk foi lentamente demarcando uma ruptura com o romantismo idealizado das canções de brega. Inicialmente, insistindo na temática da “guerra dos sexos”, uma “disputa sadia” nas palavras de Leozinho, e futuramente abraçando a putaria. MC Elloco compara: “Reginaldo Rossi foi a sofrência de um cara que gostava de uma mulher e ficava só insistindo naquela mulher, ficava cantando aquela voz de ‘tô sofrendo’. O bregafunk é o contrário, é como fosse a revolta do homem. O cara vai pra putaria ou vai pra outra mulher, é o passinho, ele tá na doidera e não quer nem saber. É mais pra cima, dançante, passinho”.
Além do brega pop, na virada da década de 1990 para os anos 2000 o Recife também teve a febre do pagode. No livro “Ninguém é Perfeito e a Vida é Assim — A Música Brega em Pernambuco”, o professor Thiago Soares faz aborda o fenômeno das casas de entretenimento popular que tomaram conta não apenas do Recife, mas sobretudo da Região Metropolitana, que inclui os municípios de Olinda, Paulista, Cabo de Santa Agostinho, Jaboatão dos Guararapes, Paulista, Camaragibe e Abreu e Lima.
“Na noite recifense nos anos 1990, assistíamos à presença maciça das pagoderias, casas dedicadas a grupos de pagode tanto locais quanto nacionais, que funcionavam como espaço de lazer tanto na periferia da cidade, quanto nas áreas centrais e nos bairros mais nobres da Zona Sul”, escreve o pesquisador, que aponta a importância destes lugares na construção de um espaço comum, de trocas e negociações entre o brega e pagode. “O brega foi ocupando as espacialidades, primeiramente da periferia, migrando, em seguida, para a Zona Sul do Recife”, aponta.
O declínio da onda do pagode no Recife ocorreu justamente no momento em que o bregafunk passou a despontar. Não por acaso, casas que eram redutos do pagode — como o Pagode da Pressão, em Beberibe; Espaço Aberto, na Imbiribeira; Bate Papo, no Arruda — atualmente recebem quase que exclusivamente shows de brega.
Um dos maiores produtores do bregafunk, Dany Bala tem uma visão prática sobre a queda do pagode e ascensão: enquanto no primeiro a dança era mais separada, no outro havia mais permissividade e um clima mais aberto à sarrada. Oriundo de uma família de pagodeiros, o MC Tocha atribuí a decadência do pagode à falta de inovação — enquanto os MCs procuram sempre se reiventar. “Acho que o pagode aqui deixou de ser original pra ser o que todo pagodeiro costuma fazer, que é cantar música do outro. Então tão tocando 10 bandas, as 10 cantam a mesma música e acho que foi perdendo a graça. A gente não. Cego entra e faz o show dele, Troia entra e faz o show dele… O pagode teve vários grupos fortes, como Negrisamba, Bloco do Samba e teve um momento que os caras não criaram mais. Um acostumou o outro, que acostumou o outro, que acostumou o outro e foram deixando de lançar novidade pro pessoal. Caiu na mesmice”, ressalta.
O quadro geral, portanto, era este: de um lado, o funk revelava-se economicamente inviável, envolto em um ambiente de mortes e violência, reprimido pelo Estado e sem chances de expansão comercial. Do outro, o pagode estagnava no esgotamento criativo. Aproximar-se do brega era quase uma necessidade para os MCs continuarem na ativa. Olhando em retrospecto, dá para perceber o marasmo que, historicamente, costuma anteceder novos movimentos culturais. Diante de um beco sem saída, cercados por um panorama cultural de terra arrasada, os jovens funkeiros da periferia de Pernambuco incorporaram o brega por uma tática de sobrevivência. Mas o fizeram com uma atitude inventiva, transformando a música ao seu redor e criando um ritmo próprio, só deles — uma inquietação imaginativa que não está tão distante assim do que ocorreu em paralelo com o Mangue Beat; o MC Pato Problema observa: “Chico Science veio quebrando todos os paradigmas de música e deu essa liberdade pra gente. Somos filhos do mangue”.
Após as experiências iniciais entre 2008 e 2009, o bregafunk foi definindo-se melhor enquanto ritmo um pouco mais tarde, cerca de três anos depois. Quando pergunto a Elloco em que momento ele percebeu que havia algo novo acontecendo, uma nova música que não era simplesmente o funk, ele recorre à gravação do seu DVD com Shevchenko, no fim de 2013, no Clube Português.
“Eu lembro uma vez que eu e Shev foi lá pra ver o show de Fernando Mendes, que a gente gostava. E aí a gente até pensou: ‘imagina estar lá no palco um dia! Quando a gente viu aquela estrutura [da gravação do DVD] que montamos com os nossos parceiros, entramos e vimos a galera cantando, a gente viu que uma música mudou a nossa vida, do que a gente cantava pro que a gente canta hoje. Mulheres, crianças, todo mundo enaltecendo você, botando você pra cima. Foi uma sensação muito boa pra quem cantava baile funk de galera pra cantar um show, levar e ser porta voz”, conclui.
Fonte: Vice
quinta-feira, 25 de abril de 2019
GRAMOPHONE DO HORTÊNCIO
Por Luciano Hortêncio*
Canção: Favelas do Brasil
Composição: J. Piedade, Orlando Gazzaneo, J.Mascarenhas
Intérprete - Jairo Aguiar
Ano - Maio-junho de 1961
Álbum - Disco Copacabana 6.244
Álbum - Disco Copacabana 6.244
* Luciano Hortêncio é titular de um canal homônimo ao seu nome no Youtube onde estão mais de 10.000 pessoas inscritas. O mesmo é alimentado constantemente por vídeos musicais de excelente qualidade sem fins lucrativos).
O NASCIMENTO DO BREGAFUNK É A HISTÓRIA DE SOBREVIVÊNCIA DOS MCS DO RECIFE – PARTE 01
Em janeiro deste ano, Paloma Roberta Santos, uma jovem de 15 anos do Recife, pisou, pela primeira vez na vida, em um estúdio. Nada muito pomposo. Não havia isolamento acústico e a voz precisava ser captada de dentro de um guarda-roupa para evitar os barulhos da rua. Dono do estúdio caseiro, o produtor musical DG se comoveu com o sonho da menina, que queria ser MC mas não podia bancar os R$ 250 cobrados pela gravação de uma música. Decidiu ajudá-la. Gravou e arranjou uma música sem cobrar nada. Sentado em seu estúdio, agora reformado, com revestimento acústico e melhor equipado, DG me conta que naquele dia, em certo tom de brincadeira, pediu a iniciante MC que não deixasse de lado sua raíz pernambucana: “Se tu estourar com essa música aí, não esquece de dizer lá fora que é bregafunk, não! Aí o pessoal vai querer gravar no nosso estilo, que só a gente daqui sabe fazer”.
Paloma deixou o estúdio de DG com “Envolvimento”, que dias depois tomou o Brasil, tornando-se o hit do Carnaval e a transformando-a em MC Loma, a primeira artista de Pernambuco a ter um clipe seu na produtora KondZilla. O seu sucesso espontâneo e repentino não apenas abriu as portas para uma carreira em âmbito nacional, como pautou no resto do Brasil o movimento musical que domina as periferias do Recife há cerca de uma década: o bregafunk, aquele que DG a pedira para não esquecer.
Como o nome indica, o bregafunk é um enlace entre o cancioneiro romântico do Nordeste (o brega) e o funk que nasceu na cidade do Recife. Mas não é só uma soma mecânica de estilos musicais. O surgimento do gênero envolve um emaranhado de motivos sociais, econômicos e estéticos. Para entender a história, é preciso voltar aos meados dos anos 1980, quando equipes como a Milkshake, Mastermix e DJs como Ricardinho e Ivanildo, entre vários outros, sacudiam festas com milhares de pessoas na capital pernambucana. Essas festas duraram até o início dos anos 2000, sendo as mais famosas o Baile do Clube Rodoviário, também chamado de Baile do Rodó, (no bairro da Imbiribeira, Zona Sul da cidade) e o Baile do Téo (em Casa Amarela, Zona Norte).
Além dos DJs e equipes de som, esses bailes passaram a abrir espaços para shows e concursos de MCs locais. Foi aí que desabrocharam os primeiros Mestres de Cerimônia da cidade, tendo como referência os primeiros sons de MC Galo, DJ Marlboro, Cidinho e Doca, MC Frank, Tikão e outros pioneiros do funk carioca.
“Nóis ia pro baile e sempre tinha um que ia no palco representar o bairro, e eu sempre cantava pra representar o meu bairro, desde pequeno, na rua”, diz o veterano MC Leozinho, que canta desde os 16 anos. “Eu cantava os funks do Rio na época. ‘Rap das Armas’ e vários outros que na minha voz o povo ficava abismado, porque eu era pequeno. Nessa brincadeira, os caras me chamaram prum baile. Chegou lá me botaram pra cantar pela primeira vez. No outro dia ficou todo mundo comentando”.
Os bailes do Recife eram divididos em lado A, lado B e lado C, reunindo diferentes galeras que representavam seus bairros e rivalizavam com outras comunidades no meio do corredor — uma disputa que envolvia também tráfico de drogas e, na ausência de grandes facções, torcidas organizadas dos times de futebol da cidade, e foi ficando mais pesada na virada da década de 1990 para os anos 2000.
“A galera incorporava mesmo. Dizia assim: eu represento aquilo ali com meus dentes e minhas unhas”, pontua o MC Elloco, outro nome importante do bregafunk que esteve presente nos dias dos bailes de galera. “Antes do baile começar, lá fora, era briga. Lá dentro era briga. E quando acabava era briga também”, lembra o MC Feru, que permaneceu no pancadão. Um dos organizadores da PV (um dos maiores bondes de Pernambuco), Mozart diz que as brigas ultrapassavam até o ambiente do baile: “Em qualquer canto era conflito. Só de reconhecer um cara de um bonde inimigo era conflito, não importava se a pessoa ia levar desvantagem ou não”.
São exatamente esses conflitos que MC Shevchenko aborda em “Melô do Cardinot”, uma música emblemática dessa fase do funk pernambucano. O beat e a levada das rimas ainda são tentativas do som carioca, mas as letras retratam as tretas locais que rodeavam os MCs. Shevchenko diverte-se ao comentar o passado, mas também não deixa de mostrar uma certa tristeza ou arrependimento no tom de voz. “A gente incentivava morte, né, mano. Era muita desavença de nós mesmos. A gente não podia chegar em bairro nenhum porque a gente fazia apologia a um bairro brigar com outro, a um amigo brigar com outro, porque a gente dizia que um era melhor que o outro. A gente fazia tipo uma guerra, guerra de galera. O bagulho ficou tão doido que a gente ia pro shopping pra brigar. Vê que loucura!”.
Apesar de estarem imersos e de fato curtirem toda a cultura dos bailes de corredor, os MCs entendiam que a violência entre as galeras impossibilitava o futuro do funk. Não havia possibilidade de expansão, não era possível desenvolver uma carreira artística cantando apenas pra vizinhança. Leozinho foi um dos que percebeu esse momento e tentou cavar brechas. “Eu meio que não podia ir pra todos os cantos, porque eu era do lado de cá [Maranguape, bairro de Paulista] e tinha a rivalidade dos bairros”, diz ele, que chegou a ter um amigo baleado e morto ao seu lado.
Seguindo os conselhos do amigo MC Gera, Leozinho buscou “cantar para todo mundo”. Não somente para um único bairro ou uma galera, mas para todos, independente dos conflitos entre lado A, B e C. Um funk que pudesse agregar todo o baile. Assim surgiu em 2003 o “Rap da Cyclone”, sua primeira música e um clássico do pancadão nordestino. “É o funk que eu falo de todas as comunidades, de todas as galeras, todos os bairros, a galera da pichação que ia pro baile funk”, define. “Até hoje a galera pede no show”.
Curiosamente a música também foi um sucesso em Belo Horizonte, onde existe uma cena fortíssima da vertente do “funk consciente”. Leozinho soube disso apenas recentemente, através de Alex Gusmão de Andrade, o pai e empresário do MC mineiro Yuri BH. “Há uns 4 ou 5 anos o filho dele veio fazer um show aqui e ele ficou no meu apartamento. Ele disse: ‘Cara, se eu te encontrasse há uns 3 anos a gente tava rico até hoje’. Ele disse que essa música só não tocou mais que o ‘Rap da Felicidade’ lá em Belo Horizonte, só que ninguém sabia quem eu era, a turma achava que eu era do Rio e me chamava só de ‘o cara da Cyclone’”, narra Leozinho, que também ficou conhecido por músicas que criticavam a condição do sistema carcerário — “Cenário Louco” é como a “Diário de um Detento” pernambucana.
Mas o sucesso de “Rap da Cyclone” não foi o suficiente para promover a união entre as comunidades. Pelo contrário, a violência foi escalonando, provocando intervenções policiais cada vez mais pesadas e brutais. Guel, 39 anos, é um dos altos membros do bonde da PV. Curte baile funk desde os 11 anos e diz que nessa experiência viu “tudo o que presta e o que não presta” do mundo funk. Durante nossa conversa no Baile da Paz (que busca reviver os bailes e promover a conciliação das galeras rivais), ele conta que “vários amigos foram sequestrados” pela polícia na saída dos bailes e nunca mais retornaram.
“Se eu for te contar é muito, centenas. E isso só do bonde da gente! Em saída de baile a polícia sequestrava e matava com raiva, achando que tu era da comunidade e tinha que pagar arrego pra eles. No final eles te sequestravam e morreu muito cara assim, como também morreu vários em guerra entre comunidades, envolvendo tráfico e várias coisas”, explica, secamente.
Leozinho, por sua vez, recorda o dia em que o icônico Baile do Rodoviário foi fechado, por volta de 2004, e enfraqueceu toda a cena funk, colocando o último prego no caixão dos bailes da cidade. “O baile acabou numa operação com mais de 100 policiais. Chegou polícia de tudo: Civil, PM, Bptran (Batalhão de Polícia de Trânsito do Recife), Bombeiros… Era a final do concurso de MCs, tava eu e MC Taz. Aí o baile acabou no meio, a polícia levou todo mundo. Os de menor foram pra GPCA (Gerência de Polícia da Criança e do Adolescente) e tal, só saiu no outro dia. Aí acabou o Baile do Rodoviário. Ainda ficou rolando o do Téo, mas o Rodoviário era o mais conceituado”.