Para ele, tocar com o ídolo e amigo 'é ganhar na loteria 10 vezes'
Por Ana Clara Brant
Wilson Lopes é o fiel escudeiro de Milton Nascimento. Além de integrar sua banda, é diretor musical e arranjador dos projetos de Bituca. O violonista, guitarrista, compositor e professor mora no Bairro Santa Rosa, na Região da Pampulha. O lugar é tão aprazível que se tornou, há algum tempo, o refúgio de Milton quando ele vem a BH.
Wilson, de 52 anos, é o caçula de nove irmãos, filhos de seu Cornélio e dona Maria, já falecidos. A arte está no DNA. “Meu pai tocava violão que era uma beleza. Minha mãe cantava tão bem que parava os lugares. Até hoje, festa da família é música 24 horas. Todo mundo toca alguma coisa”, diz Wilson. Terça-feira, ele lança seu sétimo disco, Laundry, com show no Meat Please, na Savassi.
A música trouxe o clã de Rio do Peixe, nos arredores de Pitangui, no Centro-Oeste mineiro, para a capital. José Marcos, irmão de Wilson, começou a ganhar a vida cantando e tocando. Em 1969, decidiu tentar a sorte na cidade grande. “Ele nos tirou da roça. A família toda entrou no caminhão junto com mobília. O Zé aprendeu sozinho, de ouvido, e veio trabalhar no Labareda, no Atlético. Tinha outros empregos, sempre foi muito empreendedor. Se quisesse, teria seguido carreira, pois a voz dele é impressionante”, comenta Wilson.
VIRADA
Os Lopes Cançado foram se aprumando em BH. Wilson e seu irmão, Beto – outro integrante da banda de Milton Nascimento – só queriam saber de notas e acordes. Até os brinquedos eram instrumentos musicais. Ouviam Dilermando Reis, Beatles, Pink Floyd... A virada ocorreu quando Wilsinho tinha 13 anos, já tocava no colégio e reuniões de amigos. Ganhou uma fita K-7, que “pirou” sua cabeça. “Era de um duo de violonistas, o norte-americano Larry Coryell e o belga Philip Catherine. Foi tão impactante que não queria saber de mais nada na vida. Logo em seguida, apareceram Deep Purple e Clube da Esquina. Não teve jeito. Decidi ser músico profissional”, recorda.
Wilson Lopes aprendeu com os irmãos. “O Walter me ensinou demais. Pegava o meu dedo e me fazia tocar, mostrando que o dó era assim, o ré era assado.” Aos 15 anos, ele e Beto, de 19, estrearam no palco. Era 1982. Foram convidados para o projeto Fim de tarde, na Sala Humberto Mauro. “A gente não tinha violão, pedimos emprestado”, conta. Os Lopes só queriam saber de música. Largaram os estudos, desapontando os pais. “Eles surtaram. Minha mãe chorou tanto que ameaçou voltar para Rio do Peixe. A gente sempre prometia voltar a estudar, mas a música é um perigo, engole a gente. É difícil ter limite”, diz Wilson. “Por isso, sempre alerto meus alunos”, comenta o professor da Escola de Música da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG).
O violonista passou a se apresentar em barzinhos, até surgir o primeiro evento ao lado de um artista conhecido, Tadeu Franco. Mais uma vez, faltou a guitarra. Coube ao baterista Lincoln Cheib resolver o impasse. “Ele arrumou uma guitarra do Alexandre Lopes, que a vendeu pelo equivalente a US$ 1 mil. Mal tinha dinheiro para pegar ônibus. Pedi emprestado a meu padrinho e parcelei. É um absurdo de instrumento, até hoje o guardo com muito carinho”, ressalta.
Durante a conversa com a reportagem, Wilson Lopes dedilha essa guitarra. “E não é que está saindo um som?”, comenta. “A música vai chamar Estado de Minas”, brinca, enquanto o filho, Thomaz, grava melodia no celular.
BOLSAS
No fim da adolescência, Wilson e Beto decidiram estudar música e conseguiram bolsas no Palácio das Artes. A professora Claudia Cimbleris foi fundamental. Apresentou-os a seu amigo Toninho Horta. “Ficamos tão próximos que o Toninho nos convidou para o casamento dele, em Três Pontas”, relembra. A dupla estava na festa quando surgiu Milton Nascimento. “Ele estava com um casacão, passou perto de mim. Não sei por que, bati no ombro dele e falei: ‘E aí, Milton doidão?’. Ele parou, deu uma encarada, gelei. Até achei que ia me xingar, mas foi embora calado. Pra que fiz aquilo?”, revela Wilsinho, aos risos. Dez minutos depois, ouviu: “Quem é que é doidão aqui?” E Bituca deu aquela risada. A empatia foi imediata.
A parceria Bituca-Wilson Lopes só veio anos depois. De madrugada, o telefone tocou na casa do guitarrista, em 1993. Era Milton. “Ele estava triste, baixo-astral. Começou a falar que não cantava nada, que não compunha nada e era péssimo músico. Vê se pode!”, diverte-se Wilson. “E tinha um disco da Warner pra gravar em duas semanas. Na mesma hora, disse que ia para o Rio. E fui.” Dali nasceram as primeiras parcerias da dupla, De um modo geral e Coisas de Minas, faixas de Angelus, álbum que Bituca considera o Clube da esquina 3. Wilson entrou para a banda do autor de Travessia. Ficou fixo até 1996.
Milton desfez o grupo, mas Wilson continuou trabalhando esporadicamente com ele. Em 1999, Lincoln Cheib avisou que Bituca estava em BH com a turnê Crooner. Aconselhou o amigo a procurá-lo. “Soube que ele estava no aeroporto da Pampulha. Lô Borges estava no saguão, contou que Bituca já tinha embarcado. Lô me emprestou o cartão de embarque e fui lá, abracei-o. Disse que precisava saber se seria o guitarrista dele ou poderia dar um jeito na minha vida. Bituca pensou, respondeu que eu poderia dar um jeito na vida. Fiquei aliviado, dei um outro abraço nele. Pelo menos resolvi a questão.”
Wilsinho saiu dali, foi andando e parou diante do câmpus da UFMG, na Avenida Antônio Carlos. Veio o insight: “Decidir prestar vestibular para composição. Passei. Já emendei o bacharelado com o mestrado. Virei professor. Há sete anos dou aulas de guitarra, violão, improvisação, transcrição e de uma disciplina sobre a obra do Bituca. Até nisso ele me ajudou. Se volto para a banda naquele momento, não faria Federal, não teria formação teórica e não seria professor”, destaca.
Em 2000, ele passou a tocar com Bituca definitivamente. Cuida dos arranjos e da direção musical de shows e discos. O próximo projeto é a turnê dedicada aos álbuns Clube da esquina 1 e 2, que deve estrear em março, em Juiz de Fora.
“Tocar com o Milton Nascimento é ganhar na loteria 10 vezes. O sonho da minha vida. Se o Paul McCartney me chamar, não vou. Bituca é único, um dos artistas mais completos do planeta”, destaca.
Pegada roqueira
O primeiro disco de Wilson Lopes é Lua (1992), gravado com o grupo Edição Brasileira. Vieram mais seis álbuns: três com o irmão Beto Lopes e dois solo. O último, Laundry, resgata uma das influências de Wilson, o rock ‘n’ roll. “Sempre tive essa queda, é uma das minhas referências. Nunca fiz nada nesse sentido, só discos com violão. Neste, a guitarra predomina”, revela.
O projeto tem 10 faixas e contou com as participações de Beto Lopes, Lincoln Cheib, André “Limão” Queiroz (bateria), Christiano Caldas (pianista), João Machala (trombone), Wagner Souza (trompete), Breno Mendonça (sax-tenor) e Fábio Silva (voz). Bituca é o convidado especial, com vocalises em Olhando a chuva e Esperanza, dedicada à cantora e contrabaixista americana Esperanza Spalding.
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