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terça-feira, 27 de novembro de 2018

MÔNICA FEIJÓ CANTA O FREVO DISSOCIADO DO PASSO

Cantora enfatiza melodias e letras de clássicos do gênero

Por José Teles


Mônica Feijó, ousadias no frevo


Alguns anos atrás, o maestro Spok suscitou críticas ao afirmar que o frevo que tocava com sua orquestra era para se ouvir sentado. Os guardiães da tradição do frevo demoraram a aceitar a Spokfrevo Orquestra. Muitos ainda são refratários ao frevo como música de concerto, apresentada em teatros, dissociada da dança, o passo. O que dirão de um álbum que estampa na capa o título Frevo Para Ouvir Deitado? Quinto disco de Mônica Feijó, Frevo Para Ouvir Deitado chega esta semana às plataformas de música por streaming, e às poucas lojas físicas que ainda persistem no Recife. O show do disco já está confirmado na programação do Janeiro de Grandes Espetáculos (no dia 16, no Teatro Apollo).

“A ideia surgiu numa conversa entre amigos, com alguns tocando ou cantando. Cantei A Procura de Alguém, de Capiba, mas com um andamento diferente, bem mais lento. Comentamos que se poderia fazer um trabalho com aquela interpretação. Areia sugeriu que se chamasse Frevo Para Ouvir Deitado”, conta Mônica Feijó. Além da sugestão de batismo do projeto, o baixista Areia (que está morando em Portugal) fez quase todos os arranjos e tocou na banda que acompanhou Mônica Feijó na gravação do disco: Areia (contrabaixo), Rafael Marques (bandolim), Hugo Lins (violão e violão de sete cordas), de Julio César (acordeom).

Com exceção de Aurora de Amor, de Mauricio Cavalcanti e Romero Amorim, o repertório de Frevo Para Ouvir Deitado é de composições antigas, escritas entre às décadas de 30 e 60. A grande maioria é bastante conhecida, até óbvia, e foi esta a intenção, explica Mônica: “Se gravasse composições pouco conhecidas, não teria o mesmo efeito. Gravando, por exemplo, De Chapéu de Sol Aberto, de Capiba, o impacto será muito maior”. Ela diz que nas reinterpretações entrou não apenas a cantora, mas também a atriz, que despontou na sua carreira bem antes de se dedicar à música.

Mônica Feijó, que fez faculdade de artes cênicas no Rio, é de uma geração que deu nomes feito Lívia Falcão, Bruno Garcia, Patrícia França, entre outros. Mônica permaneceu no Rio até 1991, onde fez musicais, teatro, novelas globais. Ao voltar para o Recife encontrou a cidade instigada, agitada pelo início do manguebeat. Seu álbum inicial foi com a banda Tusch, mas, somente em 2000, gravou o primeiro disco solo, Aurora 5365. Aurora é a rua, 5365, o número do edifício onde morava. Nos prédios da Rua da Aurora morava grande parte dos que faziam o manguebeat. Mônica conheceu todo mundo, claro, mas não fez parte do movimento: “O manguebeat era muito masculino, tinha poucas mulheres participando, mas aquele época foi muito
significativa pra mim”.

Aurora 5365, no entanto, tem muito a ver com o manguebeat, não apenas no repertório, aberto a muitos estilos, e com música da Mundo Livre S/A (Fred Zeroquatro escreveu texto no encarte), Devotos e Faces do Subúrbio, participação de Canibal e DJ Dolores: “É um disco que vende bem até hoje. Depois fiz Sambasala, com sambas de autores pernambucanos, gravado na minha sala, por isso o nome. Dali, na Rua da Aurora, tinha uma vista maravilhosa do Recife”.

Em À Vista, de 2011, ela teve participação de Nelson Motta, que fezuma espécie de curadoria, sugerindo músicas para ela gravar. Neste disco, ensaia o que faria a partir de 2015 com o frevo. O sambão Não Deixe o Samba Morrer (Edson/Aloisio), clássico do repertório de Alcione, foi reinterpretada com roupagem eletrônica.”

Frevo Pra Ouvir Deitado começou a ser levado aos palcos três anos atrás. Foi inscrito como projeto no edital do Funcultura três vezes, só na terceira foi aprovado: “O patrocínio do Funcultura deu para cobrir parte dos custos. Só consegui gravar porque fiz no estúdio da minha empresa, a Jabuti. O mais caro foi conseguir autorização das composições antigas, a maioria do repertório”, conta Mônica Feijó.




MELANCOLIA

Neta de português, Mônica Feijó descobriu influências do fado por baixo de camadas superpostas de influências do frevo-canção. “Eu ando à procura de alguém que me queira bem/mas que seja meu/somente meu e de mais ninguém/quando isso acontecer/eu nunca mais na vida hei de sofrer”, é um frevo típico de Capiba (Lourenço da Fonseca Barbosa, 1904-1997), cujas composições carnavalescas geralmente contrastam nas letras tristes com a alegria da folia. À Procura de Alguém abre Frevo Para Ouvir Deitado no ano em que se completam 60 anos em que foi lançado, por Expedito Baracho, em 78 rotações, com selo da Rozenblit.

Os frevos-canção tiveram andamento acelerado ao longo dos tempo, sobretudo depois do projeto Asas da América, idealizado por Carlos Fernando. O irascível Capiba permaneceu fiel ao estilo, digamos, clássico do frevo-canção. De Chapéu de Sol Aberto, é uma exceção às letras melancólicas de Capiba, com uma melodia com caminho melódico mais complexo. Com o contrabaixo de Areia, o bandolim de Rafael Marques, viola e violão de Hugo Lins, a música é reinventada, Mônica a canta meio em ritmo de valsinha, e num trecho apenas com o contrabaixo acústico. Um disco de muitas surpresa, até no final, onde o frevo de rua Cabelo de Fogo, do Maestro Nunes, ganha versão instrumental cadenciada, assumindo ares fadistas.

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