Projeto do músico tem como objetivo retomar a fabricação de gaitas e multiplicar o número de gaiteiros
Por Mariana Ceccon
Borghetti aprendeu a tocar aos 13 em uma gaita-ponto oito baixos, mesmo modelo produzido pela Fábrica de Gaiteiros
— Daqui a 50 anos, vão perguntar por que tem tanto gaiteiro no Sul do Brasil. Aí alguém vai responder que a culpa é de um cabeludo maluco que inventou um projeto para fabricar gaitas. Mas agora eu percebi que não precisa de 50 anos. Tem gaiteiros que começaram no projeto e já estão tocando fora do Brasil.
O sonho de criar uma Fábrica de Gaiteiros começou a se desenhar há 10 anos para o acordeonista gaúcho Renato Borghetti. O músico confessa que não imaginava que a ideia maluca de começar a produzir gaita-ponto para ensinar a crianças e adolescentes os encantos do instrumento daria certo tão rápido.
A primeira turma da Fábrica de Gaiteiros foi criada há seis anos. Atualmente, 500 guris e gurias têm aulas no projeto, que está presente em oito cidades gaúchas (Porto Alegre, Guaíba, Barra do Ribeiro, Tapes, Butiá, São Gabriel, Lagoa Vermelha e Bagé) e duas catarinenses (Lages e Blumenau). Há filas de espera de jovens querendo fazer parte das turmas e de cidades que desejam entrar no mapa do projeto, que tem como objetivo retomar a fabricação de gaitas no Rio Grande do Sul e também multiplicar o número de gaiteiros.
Borghetti relembra que o Estado já foi referência na fabricação de acordeões ou gaitas e que, há 40 anos, existiam mais de 20 fábricas gaúchas que produziam o instrumento. Com o tempo, estas fábricas foram desativadas ou passaram a fabricar outros produtos.
— Recebia pilhas de cartas pedindo doação de gaitas. Isso porque é um instrumento muito caro. Uma família que quisesse que um filho ou uma filha começasse a tocar, precisava comprar uma gaita importada, que é caríssima. Mesmo para quem compra um instrumento usado ou recondicionado, o preço é alto. Então, resolvi retomar a fabricação de gaitas. Porque se nós fabricávamos há 40 anos, deve ser mais fácil hoje. Mas o objetivo não era virar um industrial né? Por isso, a ideia foi que todos os instrumentos fabricados fossem destinados para crianças — explica o músico.
"Biblioteca" de gaitas
A gaita produzida pelo projeto é de madeira de eucalipto, vinda do sul da Bahia
Os dois primeiros anos do projeto foram destinados apenas ao estudo sobre como fabricar uma gaita ponto oito baixos. Foi justamente nesse estilo de gaita que Borghettinho iniciou sua carreira aos 13 anos.
Depois, o desafio foi buscar os materiais que compõem o instrumento, como a madeira de eucalipto — que vem do sul da Bahia —, o papelão para o fole e o aço para as dezenas de palhetas do acordeão.
Os dois primeiros anos do projeto foram destinados apenas ao estudo sobre como fabricar uma gaita ponto oito baixos
A equipe precisou criar até mesmo as máquinas utilizadas no processo de fabricação. Borghettinho explica que a preocupação era fazer uma gaita de qualidade. Hoje, se orgulha do resultado. Uma das gaitas, inclusive, foi presenteada ao guitarrista Eric Clapton, que coleciona instrumentos.
A sede da Fábrica de Gaiteiros, que é onde ocorre todo o processo de criação dos instrumentos, fica em Barra do Ribeiro. Atualmente, quatro pessoas estão envolvidas diretamente no processo de fabricação das gaitas, que é de uso exclusivo dos alunos em sala de aula. A criançada pode levar o instrumento para praticar em casa, desde que devolva dias depois para outro colega usar. Funciona como um livro em uma biblioteca.
Também foi desenvolvido um método de ensino, seguido pelos professores do projeto, para garantir que todos os alunos tenham a mesma aula.
— O objetivo é que os alunos tenham a mesma qualidade de aprendizado, além de ter um repertório em comum — detalha o músico Renatinho Müller, 36 anos, que dá aulas desde o segundo ano do projeto na na Sede Campestre do SESC, em Porto Alegre.
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