Medida assinala uma conquista importante numa questão que chegou a ser tratada na Justiça
Por Ana Clara Brant
(Foto: Reprodução)
O YouTube surgiu em 2005. Pouco tempo depois, já havia provocado uma inflexão nas indústrias da música e do audiovisual, ao oferecer a possibilidade de que usuários caseiros criassem canais de exibição de vídeos para o mundo inteiro. Junto a essa transição tecnológica, veio a polêmica sobre a remuneração daqueles que o YouTube chama de “criadores” e, mais especificamente, uma longa discussão em torno do pagamento de direitos autorais a artistas profissionais cujas obras são difundidas na plataforma.
No Brasil, essa discussão está menos avançada do que em outros países. Ainda assim, um passo importante foi alcançado no mês passado, na forma de um acordo. A negociação havia se intensificado em 2016, quando a plataforma começou a assinar acordos de licenciamento com editoras musicais e agregadores, como ABMI, eMotion, Nikita, ONErpm, Playax e Tratore. “Como resultado, começamos a pagar compositores brasileiros e estrangeiros pela reprodução de suas obras no YouTube deste ponto em diante e também de forma retroativa, em concordância com as leis vigentes no Brasil”, declarou na ocasião Christophe Muller, diretor global de parcerias de música do YouTube e Google Play.
Em abril, o YouTube/Google, o Escritório Central de Arrecadação e Distribuição (Ecad) e a União Brasileira de Editoras de Música (Ubem) – entidade formada pelos principais editores de música do país, responsáveis pela titularidade de um vasto repertório de obras musicais nacionais e estrangeiras – chegaram a um denominador comum. “Foi assinado um acordo entre as partes, intermediado pela Ubem, estabelecendo regras e remunerações justas para os compositores, em conformidade com os patamares aplicados internacionalmente. Os compositores representados pelas editoras filiadas à associação finalmente serão remunerados pelo uso de suas obras no YouTube, e ainda da forma mais justa e adequada”, afirma João Gonçalves Pereira, diretor-geral da editora Warner/Chappell e atual presidente da Ubem.
O diretor-executivo da União Brasileira de Compositores (UBC), Marcelo Castello Branco, diz que, na prática, essa resolução representa que, em termos de execução pública autoral, o mercado digital no país está finalmente pacificado, apesar de isso se dar com muito atraso. “Por isso temos que recuperar o tempo perdido. Com a assinatura do acordo, todas as plataformas digitais em operação no Brasil agora remuneram os autores, via Ecad. Isso significa um passo muito decisivo e positivo para a comunidade autoral do mercado da música. Mas ainda temos que seguir conversando para uma transferência de valores mais justa no mercado digital, não só para os autores, mas também para intérpretes e músicos”, argumenta Castello Branco.
BATALHA JUDICIAL
O diretor da UBC lembra que foram anos de duras discussões, inclusive com enfrentamento judicial, já que o YouTube não pagava nada em termos de direito autoral. “O Google tem um histórico difícil em relação à questão autoral no mundo inteiro, com batalhas judiciais em muitos países. Isso parece estar felizmente mudando”, avalia. Marcelo Castello Branco acrescenta que os serviços e plataformas como Spotify, Deezer e Vimeo, por exemplo, já funcionam muito bem por aqui e devem se aprimorar quando se tornarem mais populares e mais gente no Brasil aderir, assinando e escutando música legalmente. “Graças ao streaming, o mercado brasileiro voltou a crescer em dois dígitos, quase 18% no ano passado. Estamos vivendo uma recuperação importante.”
Já João Gonçalves ressalta que, para se chegar ao resultado final, foram etapas de amadurecimento e formatação de um modelo de negócio. Segundo ele, ao longo do processo judicial, as partes mantiveram o diálogo aberto e o ambiente de negociação preservado, o que possibilitou o fechamento do acordo. O executivo explica que, tendo em vista que há uma cláusula de confidencialidade pactuada entre as partes, não é possível divulgar regras, mas diz que, agora, os compositores serão adequadamente remunerados pelo uso de suas obras no YouTube.
“Os compositores não estavam sendo remunerados antes do acordo. Portanto, pode se dizer que o aumento é de 100%. Entretanto, não se trata de quanto mais os titulares de direitos autorais passarão a receber, mas do estabelecimento de um novo paradigma de remuneração, visando à pacificação do mercado digital, hoje estratégico para a música em termos de novas oportunidades de negócio”, argumenta.
Por meio de sua assessoria de imprensa, o YouTube declarou que os acordos vão ajudar a plataforma a continuar desenvolvendo um ambiente no qual compositores e editores sejam devidamente remunerados, garantindo que “a plataforma continue oferecendo a usuários e criadores uma experiência completa e engajadora”. No entanto, o acordo com a maior plataforma de vídeos do planeta não encerra a luta por melhores condições de remuneração aos titulares de direitos autorais na internet, embora represente um importante avanço, como salienta o diretor da UBC.
“O mundo digital ainda precisa distribuir de forma mais justa, mais generosa para todos os agentes que fazem parte do coletivo da música. Confio em que isso vá acontecer com o tempo e com um mercado digital mais maduro, inclusivo”, ressalta Castello Branco. O executivo avalia que haverá um período para processar as informações e metadados neste ano e espera realizar a primeira distribuição até o fim de 2018.
“Depois disso, será mais fácil. A remuneração do YouTube responde à atuação e uso particular de cada obra, além de sua participação na monetização (publicidade). É um processo complexo, minucioso, que precisa ser monitorado com ferramentas e tecnologia adequadas. Tudo isso requer um aprendizado veloz por parte de todos. Ainda não é o ideal, é apenas o início de algo muito promissor”, avalia.
A youtuber mineira Anna Layza tem o canal Hi Gorgeous, com temática de unicórnios
(foto: Instragram/Reprodução)
“Ser youtuber pode ser extremamente rentável”
Alguns artistas e canais se queixam que a remuneração do YouTube não é justa. O gerente de comunicação do Google no Brasil, Cauã Taborda, informa que são geradas receitas por anúncios exibidos nos vídeos de todos os criadores de conteúdo que fazem parte do Programa de Parcerias do YouTube. A maior parte da remuneração fica com o criador do canal e a outra parte, com o Google. “Além da verba gerada pela visualização de anúncios antes dos vídeos, os produtores de conteúdo estão encontrando alternativas criativas de ganhar dinheiro com a inserção de produtos em vídeos, a participação em campanhas publicitárias e a venda de produtos que extrapolam o ambiente virtual. Ser um youtuber pode ser extremamente rentável, principalmente se os produtores (de conteúdo) souberem aproveitar as oportunidades geradas a partir da popularidade dos seus vídeos”, diz.
Para Taborda, não existe uma fórmula de sucesso, muito menos uma previsão confiável do que vai ou não estourar. “Temos criadores que conquistaram sucesso após poucos meses de existência dos seus canais, mas outros que demoraram anos para alcançar o mesmo status. Isso varia muito, mas os canais de sucesso têm alguns pontos em comum: consistência (atualizam seus canais com frequência e regularidade), dedicação (ao canal e aos fãs) e criatividade (os conteúdos mais criativos têm mais chances de gerar resultados positivos)”, afirma.
A youtuber mineira Anna Layza, do canal Hi Gorgeous, diz que o YouTube é o seu principal termômetro de popularidade. Se o canal – que tem cerca de 4 milhões de inscritos – vai bem, sua carreira também vai. Anna mora nos Estados Unidos e conta que começou a ganhar dinheiro com a plataforma quando passou a se dedicar intensamente ao canal. “Quanto mais você posta, mais você ganha. Varia muito de canal para canal, mas normalmente você recebe a cada mil visualizações um valor xis. Isso não significa que eu consiga monetizar todos os meus vídeos. A política do YouTube é bem específica em relação a direitos autorais. Tem que tomar muito cuidado para não usar nada que não seja seu. Paródias, por exemplo, não consigo monetizar. Faço por diversão mesmo”, declara.
Anna Layza diz considerar justa a remuneração que recebe, sendo que há épocas em que pagam mais e outras, menos. “Os valores são regulados de acordo com os filtros de avaliação do sistema interno do Google. Uma vez que qualquer conteúdo seja impróprio, os anunciantes podem retirar os seus anúncios. Desta forma, a plataforma revisa a monetização de forma global, em que todo mundo pode perder “, diz a youtuber que, em breve, pretende iniciar sua carreira musical e lançar um livro, além de manter as UnicornioParty(s), festas que promove para os fãs.
A força da grana
A sede do YouTube, em San Bruno, na Califórnia, foi alvo de ataque a tiros no mês passado. Três pessoas ficaram feridas e a autora do ataque, uma youtuber, morreu no local
(Foto: JOSH EDELSON/AFP)
No dia 4 de abril, a norte-americana de origem iraniana Nasim Aghdam entrou na sede do YouTube em San Bruno, na Califórnia, e disparou aleatoriamente, ferindo três pessoas, antes de atirar em si mesma. Ela morreu no local. Nasim Aghdam mantinha no YouTube um canal dedicado a divulgar, principalmente, sua defesa do veganismo e algumas rotinas de exercício. Segundo o pai da youtuber, ela estava revoltada com a plataforma por uma mudança de critérios que a fez perder visualizações e, consequentemente, a remuneração por seus vídeos.
Nasim Aghdam acusou o YouTube de discriminá-la e de intencionalmente prejudicar seu canal, em vídeos postados num site de denúncia que ela criou. O ato extremo de Nasim Aghdam chamou a atenção para a política de remuneração de vídeos praticada – e eventualmente modificada – pelo YouTube.
Vídeos postados na plataforma podem receber dinheiro por anúncios vinculados a eles, mas o YouTube se autoriza a “desmonetizar” os canais, ou seja, cancelar a possibilidade de que os criadores sejam remunerados, por vários motivos. Não está claro se isso ocorreu com os conteúdos de Nasim Aghdam. A assessoria da plataforma não se pronunciou sobre este caso específico, mas declarou que “todos os vídeos carregados devem estar em conformidade com as nossas diretrizes”.
“Contamos com os membros da nossa comunidade para sinalizar conteúdos que violem essas diretrizes. As políticas de nossos produtos proíbem conteúdo de assédio e intimidação virtual, conteúdo prejudicial ou perigoso, conteúdo explícito ou violento, e qualquer usuário pode denunciar isso”, disse Cauã Taborda, gerente de comunicação do Google no Brasil. Ele acrescenta que a empresa analisa vídeos sinalizados 24 horas por dia, sete dias por semana para determinar se violam suas diretrizes de comunidade. Quando há alguma violação, o vídeo é removido.
DIRETRIZES
“Às vezes, um vídeo não viola nossas diretrizes, mas pode não ser adequado para todos. Esses vídeos podem ter restrição por idade. As contas são penalizadas pelas violações às diretrizes da comunidade e podem até ser encerradas, se houver reincidência ou se as violações forem graves”, explica.
O YouTube informou no mês passado que retirou do ar 8 milhões de vídeos entre outubro e dezembro de 2017. Segundo a empresa, a maior parte desse conteúdo era spam ou vídeos de conteúdo adulto. Deles, 6,7 milhões foram sinalizados como inadequados por máquinas e 75% foram removidos antes de terem uma única visualização – os dados mostram os esforços da empresa, tanto em curadoria humana como em inteligência artificial, para reduzir a publicação de conteúdo adulto, extremista ou violento em sua plataforma.
Além do aspecto social, reduzir a publicação de conteúdo que desrespeite as práticas e políticas do YouTube tem importância vital para o negócio da empresa. Nos últimos meses, companhias como Unilever, uma das maiores anunciantes globais, ameaçaram cortar seus anúncios no Google e no Facebook, depois que sua marca foi exposta junto a conteúdos problemáticos. “Notícias falsas, racismo, sexismo, terroristas espalhando mensagens de ódio, conteúdo tóxico dirigido a crianças... A Unilever, como uma empresa confiável, não quer anunciar em plataformas que não contribuem positivamente para a sociedade”, disse Keith Weed, diretor global de marketing da Unilever, em janeiro. (Com Agência Estado)
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