Autor dos mais distintos gêneros musicais, Bráulio de Castro acumula talento e dados interessantes em seu ofício artístico.
Por Bruno Negromonte
Em 1974, no LP "Mulata maior", lançado pela gravadora Copacabana, Elizeth Cardoso fez um dos mais marcantes registros de uma canção que tornou-se um clássico dentro da música popular brasileira. A faixa que dava início ao LP da divina, uma composição dos saudosos sambistas Nelson Cavaquinho e Guilherme de Brito, intitulada "Quando eu me chamar saudade", apresentava versos que embasam o porquê desta singela homenagem a um dos mais atuante compositores pernambucanos das últimas décadas e que ainda permanece em atividade. Autor de frevos em seus mais distintos nuances, emboladas, côcos, forrós e seus variantes, sambas entre outros gêneros, o bom jardinense Bráulio de Castro mantém-se firme em seu propósito enquanto compositor mesmo ciente que no contexto cultural em que vivemos pode-se dizer que qualquer nome que busca manter essa espécie de resiliência musical em sua maioria acaba por se perder. No entanto, não é o caso desse cantante, que no decorrer de décadas de composição, nunca procurou abrir concessão para a sua música e mesmo assim vem somando intérpretes dos mais variados gêneros e gerações tais quais Petrúcio Amorim, a dupla Caju e Castanha, o rei da “munganga” Genival Lacerda, o saudoso Miltinho, o inigualável Wilson Simonal, Cyro Monteiro, Benito di Paula, Expedito Baracho, Flávio José, Maciel Melo, Nando Cordel, o esfuziante e saudoso Jair Rodrigues, Elza Soares, Alcione, Fafá de Belém, Walmir Chagas entre tantos outros nomes a partir de canções que ganharam o gosto popular a exemplo da faixa “O rock do jegue” e outros sucessos como “Sou forró” e “Bendito seja”, samba registrado originalmente por Benito di Paula e posteriormente gravada pelo Grupo Tradição ao lado de Zeca Pagodinho.
A valorização do artista em vida não trata-se apenas do reconhecimento do seu trabalho e de sua obra, mas acima de tudo da tentativa de colocar em prática um viés que deveria ser um exercício comum em um contexto culturalmente tão rico quanto o nosso. Em qualquer lugar do planeta a realidade seria outra, visto o exemplo de países como a Áustria e Alemanha que souberam não apenas reconhecer a importância de nomes como Johan Strauss, Johannes Brahms e Mozart, mas conseguiram apreender a importância de suas respectivas contribuições para a cultura local e por conseguinte global nas gerações que sucederam o tempo de tais músicos, fazendo valer a máxima de Leon Tostoi que diz: “Se queres ser universal, começa por pintar a tua aldeia”. No entanto, a realidade na cultura nacional é outra... totalmente distinta e degradante, nosso país em muitas situações prefere a efemeridade tão em voga com os padrões vigentes à qualidade daquilo que pode-se tornar-se um clássico. A industria cultural no Brasil não difere-se de outros países capitalistas, pois apresenta toda uma estrutura que levam ao consumo de massa. Dentre os meios de comunicação de massa, dá-se destaque à televisão, por tratar-se do veículo mais poderoso e mais representativo da indústria cultural, o que por sua vez rege quase todas as tendências existentes no país. Para encarar essa adversidade só obstinação não basta como já foi dito, é preciso estar embevecido de poesia, amor, ritmo e força de vontade em buscar desmistificar que a força da cultura é maior. Sendo assim é fácil afirmar que Pernambuco vai muito além daquilo grande parte da mídia e dos poderes públicos pernambucanos divulga: a ideia de que o Estado é apenas a terra do frevo, e Recife a sua capital. É necessário remar contra a maré para mostrar isso, e Bráulio de Castro é um dos poucos que reconhece a importância do contagiante ritmo carnavalesco, mas não rendeu-se a tal afirmação.
Se de um lado sua obra apresenta vários frevos, por outro traz todos os gêneros que compõem a cultura brasileira, e em especial a nordestina como se poderá ver a partir das pautas que sucederão esta. Ao longo das próximas semanas desmembraremos a obra do autor para que o público leitor tenha a possibilidade de embember-se da riqueza cultural existente em nossa terra, assim como também tome conhecimento da pertinácia força de um autor nordestino que apresenta uma obra repleta de peculiaridades de sua região a partir de um mapeamento rico em detalhes que enaltece valores, costumes e outras características. Faz-se necessário levar em consideração a máxima que diz que nem tudo o que reluz é ouro. Existe muita coisa de qualidade para além daquilo que os grandes canais de comunicação "vendem" como cultura sem o menor comprometimento com fatores fundamentais que caracterizam aquilo que podemos denominar como identidade cultural. Só quem intermitente bebe da fonte das manifestações e expressões populares pode-se considerar detentor do conhecimento da cultura local e por conseguinte sabedor como poucos que a resistência e valorização daquilo que é nosso é, sem sombra de dúvidas, o único e melhor caminho a ser seguido, mesmo que para isso haja as mais distintas adversidades. Haja coragem para adentrar e permanecer nesse adverso contexto.
Escolher personagens que abraçam essa ideia e lutam para mudar as adversidades existente é, de certo modo, fácil; uma vez que são poucos aqueles que mantém-se firme neste propósito. A presença de Bráulio de Castro aqui se dá por esse motivo e por tantos outros que ao final da série de embasarão também a opinião dos leitores que concluirão que a homenagem é mais do que merecida. Depois dessa pequena introdução acerca da necessidade da valorização em vida dos grandes nomes da nossa cultura, a partir de hoje vamos dar início a uma série de reportagens procurando dar flores em vida a um dos maiores e mais ecléticos compositores vivos de Pernambuco. Um nome que, a partir das múltiplas facetas existentes em sua inspiração, busca ao lado de outros relevantes artistas da região a valorização de nossa arte, afinal, a cultura é o maior legado que um povo pode deixar para as gerações futuras. É esse legado que faz-se capaz de compor um conjunto de emoções que pode ser traduzido como a mais genuína identidade. A valorização dessa cultura é a maior prova de amor que o cidadão pode demonstrar por seu chão, e Bráulio, como veremos, tem propriedade suficiente para isso a partir dos personagens que compõem a sua obra, pela sonoridade apresentada, e pelas diversas homenagens apresentadas ao seu torrão natal Bom Jardim, cidade localizada a pouco mais de 100 quilômetros da capital, pernambucana. Prontos para imergir naquilo que podemos considerar como gênese de nossa cultura? Então vamos lá conhecer um dos seus mais atuantes e relevantes nomes que compõem esse exército de poucos e corajosos nomes.
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