Do amadorismo ao profissionalismo na Rádio Clube: a história da propaganda paga em Pernambuco e a evolução dos custos
Por Silvia Bessa
Dono de voz bonita e muito elogiada pelo público da Rádio Clube de Pernambuco, o locutor alagoano José Renato foi o primeiro a observar e investir de forma profissional no mercado publicitário do final dos anos de 1930 e início da década de 1940 no Brasil. Estava um tanto impulsionado pelas circunstâncias. Em um efeito cascata, a Segunda Guerra forçou a compra de receptores especiais para notícias do exterior e a contratação de correspondentes estrangeiros. O fenômeno ampliou a folha funcional da emissora e exigiu a busca por novos financiamentos.
“Até então, a propaganda era obtida como um favor e fazia-se pedidos aos amigos. Muitas vezes do papel timbrado da firma ou do rótulo do produto, criava-se textos para serem lidos ao microfone”, narra o professor Luiz Maranhão Filho, uma das maiores autoridades quando se trata de rádio em Pernambuco.
Os corretores eventuais que saíam em busca de potenciais anunciantes tinham múltiplas funções e recebiam pequenas gratificações por levar, junto a seus ofícios, avisos para a Rádio Clube, a PRA-8. Eram funcionários públicos, despachantes, vendedores de seguros a dedicação era escassa, lembra Maranhão, no clássico livro Memória do rádio (Editora Jangada/1991). José Renato teve a ousadia de criar a Agência Norte Limitada, que acabou por ser a primeira a se dedicar sistematicamente a produzir publicidade no Recife. Contava a favor dele a popularidade já conquistada e a sua própria voz - um produto que era incluído como parte da venda. A agência criada por ele deteve por mais de um ano o monopólio dos chamados reclames.
Havia quem dissesse que Renato passou a ser onipresente em grande parte da programação da época. Quando não estava apresentando seus programas, a exemplo do Bola no Centro que tratava de futebol, fazia a locução de anunciantes. Promovia desde concursos e sorteios - modelos seguidos não só na Rádio Clube, mas em emissoras de rádio e TV de todo o país - até promoções de artistas em teatros e feiras livres.
A Festa da Mocidade era uma festa famosa em meados de 1930 e 1940, ao lado da Festa do Rubi. A Rádio Clube se envolveu na promoção de ambas. No caso da Festa da Mocidade, dedicou inclusive um programa ao evento, promovida pela Casa do Estudante de Pernambuco para bancar o custeio de alunos sem condições de sustento e para a construção de um edifício no bairro do Derbi.
A Festa da mocidade conseguia reunir milhares de pessoas no Parque Treze de Maio e aconteceu de 1936 a 1969. Reunia atrações musicais com apresentações teatrais, manifestações regionais como pastoris e mamulengos e até palco de lutas livres de boxe e greco-romanas.
O locutor José Renato fez escola. Logo o colega de microfone Luiz Ferreira Campos passou a utilizar o pseudônimo Ziul (o nome de Luiz ao contrário) Matos e em parceria com Generino Tavares fundaram a Agência Guararapes e lançaram os programas de auditórios. A partir de então, público duplicado, o negócio foi ampliado. Com a popularidade aumentada, os valores cobrados pelos reclames cresceram e passaram a se adaptar de acordo com o ambiente em que o anúncio era feito. Estava fundado um modelo de negócio que sustenta empresas de rádio até os dias de hoje.
Da Fratelli Vita ao Licor de Cacau Xavier
Os registros das primeiras propagandas transmitidas pela Rádio Clube são icônicos. Feitas ao vivo, a maioria dos textos era redigida e gravada pelos profissionais da rádio, conta Abílio Diniz, locutor experiente e que deixou uma das maiores memórias orais da Clube nas primeiras décadas. Contou Diniz a Renato Phaelante, pesquisador fonográfico e ex-funcionário da Fundaj, que se exigia dos radialistas voz bonita, dicção e articulação perfeitas. Mas imprevistos aconteciam. E, nesse contexto, o caso do licor é um bom exemplo.
Formal, o locutor teria como responsabilidade ler o seguinte texto: “Dê ao seu filho Licor de Cacau Xavier, mas, desavisado, caiu na esparrela promovendo: “Dê ao seu filho Lical de Cocô Xavier!” A Loterial Federal também passou por saias justas nos anos iniciais do reclame ao vivo.
Nos anos 30 antes da agência de José Renato fundar a agência de propagandas, eram Oscar Moreira Pinto, um dos fundadores, e Abílio de Castro, locutor da primeira geração, os responsáveis por conseguir anunciantes. Cabia a eles buscarem recursos para manutenção da rádio. Renato Phaelante chegou a conversar com Abílio de Castro e detalha como funcionava:
“Nós carreávamos grande volume de propaganda. Eu, principalmente. Havia casos interessantes como a Fratelli Vita e a Nova Aurora”. Segundo Abílio, esses dois anunciantes autorizavam a patrocinar qualquer figura extraordinária que aparecesse. “Fazíamos o programa, citávamos os patrocinadores e eles pagavam satisfeitos sem prévia autorização”.
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