(foto: Vivacazuza.org/Divulgação)Cazuza dinamitou os anos 1980. Com letras que carregavam (e carregam ainda) uma verve poética repleta de deboche, ironia, lirismo e coragem, o cantor e compositor, que faria 60 anos hoje, colocou (ao lado de outros nomes, como Renato Russo) o rock brasileiro do período em outro patamar.
A irreverência e a força exibidas em palco eram outras marcas de Cazuza. E a performance era natural, garantiu em entrevista ao Correio (concedida ao repórter Irlam Rocha Lima) em 1985. “Nunca estudei canto, dança, nada. Aliás, você pode ver por minha voz rouca. Eu sou rouco, eu birito, não tenho nenhum cuidado com a voz, não faço nenhum exercício, meu exercício é o palco”, disse.
"Pego um pouquinho ali do Caetano, um pouquinho do Ney, um pouquinho do Mick Jagger, os ídolos da gente. Intuitivamente, a gente copia um pouco de cada um e aí surge o estilo próprio."
Sem medo de mexer em feridas, de alfinetar e de criticar, Cazuza produziu uma obra que sobreviveu para além do seu tempo. A obra do cantor e compositor, morto em 1990 em decorrência de complicações da aids, não envelheceu e permanece atual em versos de canções como Brasil, Exagerado, Pro dia nascer feliz e O tempo não para, que nunca deixaram de ser ouvidas.
O legado de Cazuza tem sido preservado pela mãe do cantor, Lucinha Araújo. Ela é responsável pela Sociedade Viva Cazuza, organização que presta assistência a pessoas afetadas diretamente ou indiretamente pelo vírus HIV. No ano passado, a instituição promoveu a restauração da Casa de Cultura, em Vassouras (RJ). O local será inaugurado em 11 de abril e contará com uma exposição permanente sobre o artista.
Lucinha Araújo também costuma se envolver em diversas outras iniciativas para manter viva a história pessoal e artística do filho. A matriarca, por exemplo, entregou aos músicos Wilson Sideral e Rogério Flausino poemas inéditos de Cazuza para que os artistas musicassem. A ideia veio após os irmãos iniciarem, há dois anos, uma turnê em que faziam um tributo a Cazuza. "Recebemos um grande abraço da Lucinha Araújo. Ela nos incentivou e nos deu os poemas inéditos perguntando se não queríamos musicar. Na hora ficamos pensando “que loucura!”. A partir de então, mergulhei nesse material e fiz algumas canções”, revela Sideral.
No dia do aniversário de Cazuza, Sideral e Flausino se reúnem novamente para show em homenagem ao cantor. A apresentação, hoje, no Circo Voador, no Rio de Janeiro, terá a faixa inédita, além de sucessos. Já estão confirmadas as participações de Caetano Veloso, Bebel Gilberto (parceira de Cazuza em canções como Eu preciso dizer que te amo) e Preta Gil, representando o pai, Gilberto Gil, que gravou com o artista Um trem para as estrelas.
"A ideia de homenagear Cazuza surgiu há dois anos quando estávamos conversando sobre fazer algo juntos. Na conversa, veio essa luz, queríamos fazer algo despretensioso, cantando Cazuza de fã para fã, de irmão para irmão. Nós gostávamos de tudo do Cazuza, nos apaixonamos por ele desde o começo. Ele foi um meteoro que passou pela música brasileira, um cara que rompeu barreiras inimagináveis. Ele era um roqueiro que amava a bossa nova, a MPB. Além disso, sempre colocou a poesia em primeiro plano. Quando a gente tocava, ainda em Alfenas do Sul com a nossa banda de adolescência, sempre tinha Maior abandonado, Ideologia e Exagerado", lembra Wilson Sideral.
Uma dessas músicas é a faixa Não reclamo (Essas canções de amor), musicada por Sideral e Flausino. A canção integra um projeto, que deve ser lançado ainda neste ano nas plataformas digitais. Sideral também é responsável por outras duas faixas do projeto: Qual é a cor do amor, que será cantada por Ney Matogrosso, que teve uma relação amorosa com Cazuza, e Mania de cantar, que será interpretada por Baby do Brasil. O projeto conta ainda com nomes como Caetano Veloso e Carlinhos Brown.
Releituras
Releituras
Algumas homenagens reinventam canções de Cazuza e levam para outros estilos as composições do cantor. Com o projeto Faz parte do meu show, Roberto Menescal, Rodrigo Santos (ex-baixista do Barão Vermelho) e Leila Pinheiro, por exemplo, transformam músicas do repertório de Cazuza em bossa nova.
Para o projeto, os três mexeram profundamente nas harmonias e nos arranjos das canções, que ganharam a complexidade característica do estilo. “A ideia é justamente não ter medo de mudanças mais profundas”, conta Menescal. “Se for para fazer exatamente o que todo mundo faz, não tem razão, não faz sentido.”
Outro artista que resolveu dar uma nova roupagem aos clássicos de Cazuza foi o cantor Marcelo Quintanilha. Em janeiro deste ano, ele lançou o álbum Caju, formado por 11 canções do homenageado e uma faixa inédita, a música-título escrita especialmente para Cazuza. Na canção, ele lembra Cazuza e fala do aprendizado com o artista: “Quero mais, capturar a essência/ Da dor e alegria que foi Caju/ Nas cadências dessa melodia azul”. “O Cazuza era um artista à frente de seu tempo. Ele foi intenso e livre e acho que a grande luta dele foi para quebrar paradigmas. Ele foi um precursor e defensor da liberdade que estamos sentindo tanta falta hoje, com essa onda retrógrada”, analisa.
Para fazer o disco, o músico fez uma longa pesquisa, conversou com Lucinha Araújo e quis usar um ensinamento de Cazuza. “Eu queria trazer para o meu universo, ser algo menos roqueiro. Eu corri um risco, mas Cazuza era um artista que corria muitos riscos. Ele era um roqueiro que cantava Cartola e fazia isso com propriedade e conforto. Eu quis fugir do cover”, explica.
Montar o repertório de Caju foi outro desafio. De 30 músicas, ele escolheu 11, entre elas, uma canção mais “lado B”, a faixa Azul e amarelo. “Descobri que essa era uma música especial. É uma canção que faz parte do último álbum dele, feito com muita dificuldade, com o Lobão, e fala sobre encontrar as deuses. A canção também tem uma frase de Cartola, com quem ele tinha o desejo de escrever. É uma música sobre como lidar com a morte e as cores faziam referência ao orixá de Cazuza”, revela.
INÉDITA
Não reclamo (Essas canções de amor)
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