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sábado, 10 de março de 2018

TITANE MERGULHA NO UNIVERSO MÍTICO DO COMPOSITOR BAIANO ELOMAR


Por Mariana Peixoto


Em seu novo disco, Titane optou pelo repertório com "pegada nordestina" de Elomar


Obra-prima de Elomar, a ópera Auto da Catingueira (1983) conta a história da pastora de cabras Dassanta, mulher que de tão bela “matava mais qui cobra de lagêdo”. A narrativa acompanha, em sertaneza (linguagem dialetal), a personagem do primeiro ao último dia de vida.

O último ato, Das violas da morte, mostra o duelo entre os apaixonados violeiros Chico das Chagas e Cantador do Norte. Os dois são interrompidos por Dassanta, que, em Segundo pidido, lembra que “viola cum violença/ é plantá na terra quente/ de miã ispaia a semente/ de noite coe incelença”.

Recluso no agreste baiano, Elomar, de 80 anos, dedica-se a criar romances operísticos


Pois foi a partir de uma gravação de Segundo pidido que Titane chegou a seu novo álbum, o primeiro dedicado a um único autor. Titane canta Elomar, que reúne 10 músicas do compositor, violonista e cantor baiano, será lançado neste sábado (10), com show no Palácio das Artes.

A seu lado a mineira terá os músicos que participaram do projeto: Hudson Lacerda e André Siqueira (violões), Kristoff Silva (diretor musical do álbum), Aloízio Horta (contrabaixo acústico) e Toninho Ferragutti (acordeom).

Sete anos atrás, na mesma época em que seu marido, o diretor e dramaturgo João das Neves, montou Auto da Catingueira (encenação com o Grupo Giramundo), Titane recebeu o convite do violonista Hudson Lacerda para gravar Segundo pidido. O registro acabou rendendo encontros despretensiosos da dupla no palco, em apresentações acústicas do repertório elomariano.

Titane começou a amadurecer a ideia de fazer um disco ao ouvir do músico e produtor Kristoff Silva que, depois de cinco álbuns com repertórios de diferentes autores, havia chegado a hora de se dedicar à obra de um só criador. “‘E ele é o Elomar’, me disse o Kristoff”, relembra.

Foi mais que natural trabalhar com Hudson Lacerda (coordenador da transcrição das 49 partituras do compositor para Elomar em partituras – Cancioneiro, de 2008) e Kristoff Silva, que participou do mesmo projeto, realizado em Minas.

“(Trabalhar com um autor único) Foi uma decisão muito emblemática. Em meus outros discos, explorei os contrastes. A música de Araçuaí com Edvaldo Santana, um compositor paulista, por exemplo. Isso vinha da necessidade de mostrar a diversidade da cultura na qual sempre estive imersa. E isso acontece também agora, com Elomar, porque tudo é possível com ele”, comenta a cantora.

Titane levou para sua casa, em Lagoa Santa, todos os músicos envolvidos com o projeto. “Eles ficaram hospedados comigo durante 15 dias. Optamos por um formato acústico, mais camerístico. Concebemos coletivamente os arranjos, sempre partindo do violão do Hudson e da direção do Kristoff”, continua. Titane é a primeira cantora a dedicar um álbum exclusivamente a Elomar. A maioria dos intérpretes da obra do baiano é formada por homens.

O repertório foi definido seguindo alguns preceitos. “Primeiramente, escolhi músicas com pegada mais nordestina, porque foi o que sempre me atribuiu na obra do Elomar”, comenta ela. Dessa seara, gravou Chula no terreiro (com a voz de Pereira da Viola, em participação especial) e Na quadrada das águas perdidas. “Quando fui gravar, estava num outro momento, de encantamento com o mundo de princesas, cavaleiros e reis. Então, há algumas canções sobre esse universo bem encantado”, continua ela, referindo-se a Cavaleiro do São Joaquim e Na estrada das areias de ouro.

Por fim, Titane perguntou a Elomar o que ele gostaria que ela gravasse. O violeiro, uma de suas canções mais conhecidas, foi incluída por sugestão do próprio.

As 10 faixas do álbum estarão no repertório do show, além de alguns extras e outras composições de Elomar. Titane também incluiu trechos de Dom Quixote, de Miguel de Cervantes, em que a personagem Marcela, “uma mulher muito bonita e desejada pelos homens, decide se retirar para as montanhas e se tornar pastora”. Foi o que Elomar fez com a Dassanta do Auto da Catingueira. “As genialidades de Elomar e Cervantes são irmãs. Inevitavelmente me vi pensando na condição feminina”, conclui a cantora.

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