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domingo, 18 de fevereiro de 2018

EM NOVO ÁLBUM, FILIPE CATTO REMODELA O USO DE SUA VOZ E FLERTA COM A MÚSICA ELETRÔNICA



Ao longo das 10 faixas de 'CATTO', ele tenta reproduzir a 'atmosfera de construção dramática' de seus shows 

Por Guilherme Augusto


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Filipe Catto gosta de brincar com os opostos. Desde o lançamento do single Saga, em 2011, ele já protagonizou momentos em que a ideia da diferença não pareceu amedrontá-lo. No início da carreira, confundiu o público com o timbre raro de sua voz – aguda e afinada – ante a figura masculina. Tempos depois, prestou homenagens a artistas de diferentes estilos, como Cássia Eller, Cauby Peixoto e Gonzaguinha. Mais recentemente, no início deste ano, lançou a turnê Over, cujo repertório abrange reinterpretações que vão de Portishead a Marília Mendonça. Agora, exibe sua miscelânea de referências no disco CATTO, o terceiro de sua carreira.

Se antes o cantor e compositor gaúcho se arriscava por estilos como rock e até mesmo o tango, agora ele incorpora sons eletrônicos e sintetizados. Muito disso tem a ver com o músico Felipe Puperi, conhecido por integrar a banda gaúcha Wannabe Jalva. “Conheci Felipe através de amigos que me apresentaram o trabalho dele como produtor. Estava em Porto Alegre, no verão, e fiquei curioso com aquele som universal que estava sendo feito na minha terra natal. Resolvi ligar e convidá-lo para beber. A cerveja virou o projeto de um single, o projeto de um single virou um disco”, conta Filipe Catto, acrescentando que, por isso, esse disco representa um reencontro com suas raízes e referências mais genuínas.

Ao longo do processo de produção, o cantor e compositor percebeu que existia uma grande diferença entre como soava em seus discos e como realizava as músicas ao vivo, no palco. “Sou um artista que gosta de estar dentro de uma atmosfera de construção dramática. Então esse disco foi pensado dessa maneira, como um espetáculo. A ordem das faixas, por exemplo, não é muito usual, mas é assim que faço ao vivo há 10 anos”, afirma. Embora deva sua carreira ao timbre contralto de sua voz, o cantor a deixa um pouco de lado para dar destaque às construções sonoras e imagéticas, a partir das letras. Em CATTO, a voz – que já não é novidade – soa mais como um dos componentes das músicas e menos como o elemento sob o qual toda a canção está baseada.

Apesar disso, o cantor não faz essa transição sem antes se despedir do modo ao qual estava acostumado. Na faixa de abertura, Como um raio, ele reafirma características de seus trabalhos anteriores e emposta a voz como instrumento. Não à toa, canta: “Dizem que deixei no violão/ Tudo que tinha de bom/ E que já nem sei cantar”. A partir daí, Filipe Catto desenha a ambiência do disco. “Vivenciei esse trabalho muito profundamente. A história que quero contar com tudo isso é a partir de uma estética rock and roll, mas meio cigana e sereia. É uma coisa do mundo, lúdica e real. Tudo isso são referências da minha vida, da adolescência ou da infância”, diz.

Essa diversidade de imagens e referências está presente na segunda faixa, Lua deserta, na qual ele reúne figuras emblemáticas como Satã (para falar do mal), Jesus (para dizer sobre o bem) e Vênus (como de praxe, a personificação do amor). A figura central do cristianismo também pode ser vista, de forma discreta, na capa do álbum, em que Filipe aparece com os braços estendidos lado a lado de seu corpo e adornado por uma roda-gigante ao fundo do cenário.


ESPIRITUAL

Longe de ser uma pessoa religiosa – ele se diz “espiritualizado” –, as evocações à figura de Cristo não surgem com tom de provocação, segundo diz. “Compreendo que Jesus faz sentido dentro da nossa mítica. Os ensinamentos que ele propôs são muito simples, e as pessoas distorcem isso em nome do controle e da violência. Essa foto, na verdade, aconteceu sem que a gente soubesse e, de fato, ela transborda uma ideia de símbolo espiritual, mas que também constitui a cultura pop e já foi usado por Lady Gaga e Jimmy Hendrix”, comenta.

Ainda que o país atravesse um momento em que as representações artísticas estão sendo postas à prova, Filipe se diz tranquilo em relação a polêmicas e reações estridentes. “Sou um artista sério e não estou aqui para brincar. Ainda que se crie alarde em cima disso, vou continuar fazendo o que acredito. Na verdade, só lamento pela ignorância dessa gente que critica deliberadamente”, diz. “Tenho todo o direito de falar sobre Jesus sendo um homem gay”, completa.

A política e a realidade brasileira e mundial, inclusive, não escapam à narrativa do disco e estão presentes nas faixas Faz parar, É sempre o mesmo lugar e Torrente. Na primeira, ele versa sobre o caos e a rapidez do mundo moderno. A segunda remonta às clássicas músicas de protesto da ditadura militar de forma atualizada em letra que denuncia a estagnação da atualidade. “O meu país, eu sei/ É tudo por um triz/ Viver, morrer e fugir”, canta. A terceira, por sua vez, espreita a mudança.

Eu não quero mais, faixa que fecha o disco, curiosamente se reaproxima da forma como ele costumava tratar suas canções, além dos versos derradeiros e dramáticos sobre o amor. Enxuto, CATTO traz 10 faixas que têm frescor e originalidade. Embora não abandone algumas idiossincrasias dos anos inciais de sua carreira, Felipe Catto compõe músicas que não se desprendem do tempo e no entanto não são datadas. É evidente seu parentesco artístico com Johnny Hooker, Tiê, As Bahias e a Cozinha Mineira e Simone Mazzer. Mas ele reserva espaço para os ídolos veteranos, como é o caso de Zélia Duncan, que faz participação especial na faixa Só por ti.


Abaixo, confira o single Lua deserta:














*Estagiário sob supervisão de Silvana Arantes


CATTO• Artista: Filipe Catto
• Gravadora: Biscoito Fino
• Preço sugerido: R$ 36,90
Disponível nas plataformas digitais

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