Por Henrique Cazes
Incorporada a nossa música popular a partir da década de 1910, na moda mundial da instrumentação chamada de jazz band, a "bateria americana" está há um século entre nós e ainda não se chegou a conclusão se é mais um problema ou uma solução. E isso inclui desde reclamação de vizinho de baterista até a antipatia de freguês de casa noturna.
Cabe ressaltar que o termo jazz band não diz respeito aqui ao jazz música, que só viria a existir de fato na década de 1920. Essa instrumentação de maior volume sonoro: bateria, saxofone, banjo, etc., espalhou-se pelo mundo pois conseguia se impor em ambientes barulhentos como salões de dança e cabarés.
Os pioneiros de um estilo brasileiro de bateria: Luciano Perrone, Walfrido Silva e Sutinho, para citar os mais conhecidos, foram heróis que além de improvisarem o próprio instrumento, visto que era muito difícil comprar equipamento importado no Brasil, inventaram um jeito de tocar, segundo Perrone, baseado no que viam a percussão fazer. Quando ouvimos cada um deles, sentimos que estão "dentro" do ritmo, dialogando, criando espaços para o balanço e tocando para o grupo.
O advento da bossa nova trouxe o hábito de se marcar o samba com o chamado tum-tum no bumbo e aí começaram sérios problemas. Essa figura de ritmo que "anuncia" o tempo com a semicolcheia que o precede, cria a tendência a puxar o andamento para trás, além de diminuir sensivelmente o espaço por onde se desenha a magia rítmica do samba.
Essa questão de imprecisão é muito relevante também nas chamadas viradas. Uma vez eu perguntei ao Ed Lincoln, lá pelo ano de 1998, por que não reorganizava seu lendário conjunto e ele me disse:
_ Se você arranjar uma baterista que faça a virada e volte no mesmo andamento, eu remonto o conjunto na hora!
O tempo foi passando e o acesso a informação fez com que os bateristas fossem se tornando mais técnicos e precisos e, curiosamente, parece que isso potencializou a inadequação do instrumento à nossa realidade.
Entre 2004 e 2007, quando fui diretor musical do Rio Scenarium, vi acontecer muitas vezes. Uma banda organizada, com uma cantora boa, arranjos arrumadinhos e repertório caprichado, naufragava na estreia por causa de um baterista que resolvia se exibir e tocar mais alto que o restante. Cheguei mesmo a pensar na época em sugerir à Ordem ou Sindicato dos Músicos que exigissem uma licença especial, espécie de porte de arma, dos bateristas, dado o seu potencial destrutivo.
Mais recentemente, a bateria brasileira começou a redescobrir a percussão e apareceu inclusive o termo "percuteria", para definir um set que mistura algumas peças da bateria com instrumentos de percussão. Demorou!
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