Além de cantar, ela narra para o público diversos episódios de sua trajetória
Por Nahima Maciel
Bibi Ferreira é uma contadora de histórias. Elas podem vir em forma de música, teatro, ópera ou mesmo conversas com o público, quando a artista está no palco, diante de um microfone. Sempre fez isso porque, afinal, aos 95 anos, a filha de Procópio Ferreira tem centenas de histórias para contar. É o que ela faz em Histórias & canções, DVD que chega às lojas acompanhado de disco e com repertório que passeia pela carreira de Bibi. Não está tudo lá, como ela faz questão de apontar, mas há muita coisa.
A cada vez que faz um show, Bibi conta histórias e relembra canções de determinada época da própria vida. Em Histórias & canções, gravado em Belo Horizonte, a artista fala da paixão pelo romantismo de Hollywood, pelo showbizz da Broadway, pela ópera, pelo teatro brasileiro e por Edith Piaf. É com a francesa, aliás, que o DVD termina. Piaf foi um marco para Bibi. Com Bibi canta Piaf ela ficou em cartaz por sete anos, entre 1983 e 1990, e recebeu a Comenda da Ordem do Mérito das Artes e das Letras da República Francesa, em 1985. Amália Rodrigues, Carlos Gardel e Frank Sinatra também ganharam musicais na voz da artista. As histórias dos bastidores desses espetáculos estão em 4XBibi, show anterior a Histórias & canções. “São histórias de antes de ser lançada profissionalmente pelo meu pai, ainda menina, na rádio e no Theatro Municipal do Rio”, diz.
O maestro Flávio Mendes, com quem a artista trabalha há anos, comanda a orquestra, e o empresário da artista, Nilson Raman, é o mestre de cerimônia. É com eles que costuma escolher os repertórios dos shows. “Nos reunimos, eles me propõem músicas, histórias a serem contadas. Dou minha opinião, faço sugestões. Eles pesquisam mais. Nos reunimos de novo. Escutamos mais músicas. E assim vai. Quando percebemos, temos um novo espetáculo nas mãos”, conta.
Hollywood, Broadway e ópera eram temas que faziam Bibi sonhar quando menina. O pai, o dramaturgo, ator e diretor Procópio Ferreira, era um apaixonado pelo canto lírico e enchia a casa de bolachões com os clássicos. Foi, inclusive, por conta dele, um erudito muito preocupado com o poder e o valor da palavra, e por influência da mãe, a bailarina Aida Izquierdo, que Bibi aprendeu cinco línguas. “Mais do que herança musical, tenho uma grande herança cultural dos meus pais. Minha mãe era preocupada com que eu soubesse as coisas, que estudasse muito. Aos 15 anos, já falava cinco idiomas, imagina só! Meu pai era um grande, grande ator. Preocupado com a palavra. Com o bom texto. Lançou inúmeros autores brasileiros. Meu amor pela ópera vem dele”, afirma Bibi. Ela garante que não é saudosista e não sente falta do passado. Saudades, apenas dos pais.
No DVD, Bibi relembra alguns musicais dos quais participou, como My fair lady, no qual dividiu o palco com Paulo Autran, e faz versões em português para árias muito populares da história da ópera, como O barbeiro de Sevilha e La Traviata. Artista versátil e completa, Bibi já dirigiu espetáculos dos maiores nomes da cultura brasileira, de ópera e show a teatro e musical. Maria Bethânia, Walmor Chagas, Juca de Oliveira, Jô Soares e outros passaram pelo seu crivo. Muito antes disso, nos anos 1940, dava os primeiros passos na carreira, ao lado de Cacilda Becker e Maria Della Costa, dois dos maiores nomes do teatro brasileiro, com as quais fundou a Companhia de Comédias.
Bibi encara a versatilidade como uma forma de levar para o palco sua própria diversidade musical. “O importante não é ser eclética, mas fazer bem tudo o que você se propõe. Não vivo do passado, mas também não fico pensando no futuro. Penso no hoje, no aqui, no agora. Gosto muito do que estou fazendo no momento.” Agora, ela trabalha em trechos de textos de autores brasileiros para o rádio: “Adoro rádio. É voltar de onde eu comecei mesmo”. Na entrevista a seguir, ela fala sobre a carreira, a música brasileira contemporânea e os cuidados com a voz.
Entrevista
As árias de ópera em português são uma forma de subverter os clássicos e trazê-los para o universo popular?
Ópera veio do papai. Ele comprava bolachões com todo o dinheiro que sobrava. E era ópera o dia todo. Saía um disco, entrava outro. E papai vibrava. Os números que fiz, as versões, são grandes brincadeiras. Um jogo delicioso com as letras brasileiras. Mas esses números todos que crio em todos os meus espetáculos são herança da época em que fiz as revistas musicais. Aqui no Brasil e muito em Portugal. A malemolência, o jogo de palavras, o duplo sentido. Tudo vem dessa época. Fiz muitas revistas.
O universo dos musicais no Brasil mudou muito?
Claro que mudou, cresceu, está crescendo, amadurecendo. Temos grandes talentos. Grandes vozes. Muita coisa boa sendo feita. Existem atores que se dedicam só a musicais. Veja só que maravilha! Além do início do uso dos microfones, que ajudou muito. Nos meus primeiros musicais era tudo no gogó.
O DVD começa com Malandragem (Cazuza e Frejat) e termina com Piaf. A modernidade foi importante em sua carreira? É importante ser eclético? Por quê?
Posso ter idade, mas não sou antiga. Leio muito. Vejo as coisas. E gosto de fazer várias coisas. O importantenão é ser eclética, mas fazer bem tudo que você se propõe. Um artista especializado em Shakespeare, por exemplo, pode passar a vida toda interpretando Shakespeare, mas não deixar de ser maravilhoso.
Você continua sendo uma cantora extremamente versátil e cantar ópera é uma prova disso. É difícil manter essa versatilidade?
A música me encanta. Uma grande canção me emociona. E acho que a versatilidade vem quando você está pensando num novo espetáculo e pensa o que gostaria de apresentar para o público. A vontade de sempre surpreendê-lo. Aquelas canções que me permitem boas notas. Nada como um grande agudo para o público gostar...
Como mantém a voz?
Não existe mistério. Agradeço a Deus todos os dias. Não faço nada em especial. Agora, a minha vida inteira nunca fumei, não bebo, não tomo gelado e sempre tive uma consciência muito grande do ato de cantar. Da maravilha que é cantar.
Você já disse que não é uma estrela, e sim um cometa, porque este está sempre em movimento. Pode contar que movimento é esse que a fascina?
Acho que, quando você me pergunta sobre a versatilidade, está respondendo que movimento é esse. A vontade de fazer coisas novas, cantar coisas novas, lembrar grandes canções. Atuar, cantar, dirigir, criar roteiros. Mas hoje minha vida é muito mais calma. Já não tenho vontade de dirigir mais.
Que conselho daria aos jovens artistas de hoje, você que é uma artista completa, dança, canta, atua, dirige?
Que sigam seus sonhos. Vocação é vocação. Se você a tem, como fugir dela? Mas é sempre bom falar que é uma carreira muito difícil. Muito.
No DVD, você diz que não se faz mais samba de breque. Por que acha que não se faz mais esse tipo de samba? Você gosta da música que é feita hoje?
Por que não se faz eu não sei, tanto que falo no DVD. Mas que é muito bom, isso é. Uma delícia cantar um samba de breque. Tem um gingado especial para cantar. Sobre a música atual, acho nossos artistas muito talentosos. Temos muitas coisas boas acontecendo por aí. Meu gosto é mais tradicional. Não ouço funk ou axé. O pagode tem seu charme, mas também não sou de escutar. Mas isso não quer dizer que não tenham coisas boas também.
Histórias & canções
Artista: Bibi Ferreira
Gravadora: Biscoito Fino
Preço sugerido: R$ 49,90 (DVD); R$ 36,90 (DVD)
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