O significado de contracultura no Brasil ganhou contornos muito distintos daqueles vivenciados na Europa e nos Estados Unidos. Em solo norte-americano, as lutas por direitos civis, os movimentos feministas, a cultura hippie e a resistência à Guerra do Vietnã foram algumas das principais motivações para que diversos grupos de pessoas se dedicassem a um modo de vida alternativo e crítico ao modelo capitalista então predominante. Esta proposta de contracultura é a que vai se espalhar pelo mundo nos anos 1960, mas o modo como o termo vai ser ressignificado em meio ao período ditatorial brasileiro ainda é objeto de diversos questionamentos e estudos.
É o que a socióloga Sheyla Diniz buscou analisar em “Desbundados e Marginais: MPB e Contracultura nos anos de chumbo (1969-1974)”, tese defendida no Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da Unicamp. Orientada pelo professor Marcelo Siqueira Ridenti, a pesquisadora traçou um panorama mais amplo sobre o recorte histórico em questão, analisando documentos de época, canções, discos e festivais que envolveram músicos como Jards Macalé, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Sérgio Sampaio e Walter Franco, passando pelos Novos Baianos, Secos e Molhados e pelos tropicalistas Gilberto Gil, Gal Costa e Caetano Veloso. Sheyla, que também é musicóloga, afirma que sentia falta de uma abordagem sociológica sobre o período que levasse em conta mais artistas, e explica ainda que “a escolha do corpus foi pautada em dois termos geradores de polêmicas: o desbunde e a marginalidade”.Na sequência, Gal Costa, Os Mutantes, Jards Macalé, Gilberto Gil (com Torquato Neto), Novos Baianos, Caetano Veloso, Jorge Mautner, Luiz Melodia, Rogério Duprat, Sérgio Sampaio, Tom Zé e Walter Franco
O estudo aponta que são estes músicos – uns considerados “desbundados”, outros “marginais” ou “malditos” –, alguns dos principais envolvidos na mudança de perspectiva no campo artístico brasileiro dos anos 1960 para os 1970. A pesquisadora identifica uma tensão entre a ideia de cultura engajada, muito presente antes do Ato Institucional nº 5 (AI-5), de 1968, em que as propostas de esquerda, tanto partidárias quanto de luta armada, se apresentavam de forma veemente na produção musical, e uma ascensão de valores contraculturais, especialmente a partir de 1969, quando as possibilidades do experimentalismo, da liberdade sexual, das drogas e do misticismo vão surgir como alguns dos aspectos estruturantes das canções e performances de parte da produção artística brasileira, especialmente aquela do eixo Rio-São Paulo e de partes do Nordeste.
Sheyla afirma que, antes do AI-5, “a revolução, fosse ela burguesa ou socialista, compunha o horizonte de expectativas de uma grande parcela de artistas. A MPB compartilhava de um ideário nacional popular, que significava buscar na cultura popular uma representação de nação”. A socióloga se baseia na concepção de romantismo revolucionário, de Michael Löwy e Robert Sayre, trabalhada por Marcelo Ridenti para pensar a cultura engajada brasileira dos anos 1960, “que seria se ver diante de um mundo que está se capitalizando, num contexto de repressão, e como se o homem moderno começasse a perder valores que foram predominantes em sociedades pré-capitalistas, como ideais de comunidade, harmonia com a natureza, trabalho como arte, encantamento da vida”. Esse ideal romântico, de acordo com Sheyla, estava presente em canções de Chico Buarque, Elis Regina e Nara Leão, dentre vários outros, nas quais “um ‘amanhã que virá’ aparecia recorrentemente, muitas vezes pautado num passado”, ressalta.
Fonte: Jornal da Unicamp
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