Por Henrique Cazes
As festas pagãs que marcavam com fogueiras a chegada do verão no hemisfério Norte foram associadas pelo catolicismo a partir do século VI com a comemoração de São João. Os portugueses acrescentaram Santo Antônio e São Pedro no século XIII e o período junino de festas foi adotado no Brasil colônia, já a partir de 1580. Enraizada assim no calendário nacional, com importância só comparável ao Carnaval, a festividade junina motivou o surgimento de um segmento de mercado na música popular, ao qual se dedicaram muitos autores e com resultados de alto valor artístico.
Por exemplo, a geração de compositores surgida na década de 1930: Ary Barroso, Noel Rosa, Braguinha, Lamartine Babo, Assis Valente, dentre outros, deixou um legado primoroso. Primorosos igualmente foram os arranjos que Pixinguinha escreveu para esse repertório. Numa dessas canções, "Chegou a hora da fogueira" de Lamartine Babo, cantada magistralmente por Carmen Miranda e Mário Reis, a orquestra faz um solo em chegamos a "ver" o balão subindo, para preparar uma modulação. Uma pérola musical, uma delícia que dá vontade de sair dançando.
Com a abertura do flanco nordestino de mercado, a partir do sucesso de Luiz Gonzaga na segunda metade da década de 1940, o repertório junino ganhou mais riqueza e diversidade. Na esteira de Gonzaga, nomes como Jackson do Pandeiro colocaram muita lenha na fogueira.
O mesmo aconteceu com a geração pop nordestina que despontou em meados da década de 1970 e trouxe atualidade para as festas de junho. O circuito junino no Nordeste se fez de tal ordem que, em 1992, Dominguinhos sabendo da doença que levaria embora seu compadre e ídolo Chiquinho do Acordeom, o convidou para tocar junto durante um mês em cidades grandes, médias e pequenas. Ou seja, dentro da festa havia espaço para um encontro entre gigantes da música.
E tudo parecia apontar para uma duradoura e criativa saga de fogueiras e forrós mas, há cerca de 20 anos, o uso político das festas e o surgimento de excrescências musicais como o chamado forró universitário, que para mim não passa no ENEM, colocaram abaixo a tradição junina. Entre cantores e políticos safadões, os verdadeiros artistas do São João foram perdendo espaço. Um ou outro nome de peso ainda se apresenta para manter o "caráter cultural" mas o grosso da programação é de baixíssima qualidade.
Meu informante no segmento, o forrozeiro e premiado cordelista Chico Salles comenta que a cada ano vê menos possibilidades para um trabalho realmente artístico e compara o momento atual do São João ao que aconteceu há décadas com a música de Carnaval.
E assim, melancolicamente, a música popular de nosso país vai perdendo mais um round. Resta-nos o século XX.
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