Por Gonzaga Leal
Vivemos um tempo de prontidão afetiva. Queremos amar, mas no mundo lá fora não há terreno fértil para a vida amorosa. Vivemos sob uma cultura, que promete felicidade através de sensações corporais: a boa forma, a sensualidade, o estímulo a beleza, o êxtase das festas. Mas tudo é muito provisório e logo desaparece, gerando uma aflição e uma angústia que estão causando uma epidemia de desamparo, entristecimentos e empobrecimento interno. A cultura das sensações vem substituindo pouco a pouco a cultura dos sentimentos... as pessoas têm que ser belas e jovens, enfrentar a competição, suportar tensões sem reagir, viver sem amparos trabalhistas que estão ruindo e com suportes familiares cada vez mais precários. É um traço social de desespero, que ao meu ver, tende a se agravar. Isso para mim é no mínimo desumano... A imagem chega na frente.... A pessoa chega depois. Fascinadas pela ideia do corpo perfeito, da longevidade, da vitalidade, do poder e da ganância financeira, as pessoas não sabem mais que sentido dar a própria vida. O lance é ter projetos fragmentados, ser capaz de mudar o tempo todo. Ora, isso faz com que você não imagine o sentido da vida como algo consistente, pelo qual vale a pena empenhar-se. Amanhã você pode ter que abandonar tudo...
Os vínculos existem, mas tendem a ser mais horizontais, mais plurais, mais instáveis, mais precários. Vivemos regido por uma enorme perplexidade... A cultura das sensações significa que a maioria das pessoas, sobretudo na vida urbana, estão buscando cada vez mais no corpo as regras e modelo, com os quais têm que se identificar. Hoje importa muito pouco você ser um ser humano pleno e integro com densidade emocional e sentimental. Olhar-se para a própria consciência e ver ou ser visto como uma pessoa profunda, sensível, capaz, honesta, tenaz nos propósitos, leal e fiel parece-me não fazer o menor sentido. O molde para uma identidade é substituído pela sua capacidade de extrair sensações do corpo. Não adianta você imaginar que está sendo leal, fiel e tenaz. Não adianta imaginar que você é uma pessoa densa e profunda se você estiver gorda, envelhecida, apavorada com o colesterol, sem condições de se apresentar diante dos outros como uma pessoa jovem. Porque tanta aflição? Primeiro, por medo de perder o que se tem. Segundo, por medo de não estar na ponta do que é melhor. Depois, medo de que alguma coisa desconhecida esteja agindo e você não esteja percebendo. O sentimento imediato é de privação afetiva, encurralamento e desamparo...
Os problemas com a corporeidade, o receio da frustração amorosa, a ideia de que somos livres para experimentar tudo o que vem à cabeça, a ideia de que vamos entrar num mundo selvagem deixam todos nós armados. É como se fosse um estado não de paz, mas de prontidão para a guerra. E neste estado de prontidão para a guerra, não abrimos o flanco afetivo, porque estamos regidos por uma promessa de uma felicidade de sensações, de uma cultura de sensações, que no mínimo é equivocada. É verdade que a gente pode ter umas tantas experiências sensoriais, mas isso é rápido e elas logo desaparecem. Por outro lado, tenho clareza que a estrutura afetiva das pessoas não se perdeu. Ela está mais difícil exerce-la, mas eu sou muito confiante e acho que as pessoas, na primeira chance que têm, soltam-se. O que acontece é que você pode ter corridas de obstáculos de diferentes ordens. Mas não acho que a gente tenha perdido a afetividade. Diante de toda essa aflição e angústia a pessoa nunca está bem. Está sempre aquém e precisa aclamar-se a todo custo...
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