Por Henriques Cazes
Dentre as inúmeras perdas que o desmonte da indústria fonográfica tem impingido ao meio musical desde a virada do milênio, uma delas atinge em cheio a música popular que se faz no Brasil: a perda de importância e de prestígio da função de arranjador. Na realidade das produções atuais, de realização fragmentada e sem recursos para contratar um profissional para pensar a música que vai ser gravada, o arranjador ficou ao mesmo tempo inviável e inútil. Inviável pois com qualquer cifrinha se grava uma base e depois vai se montando um arremedo de arranjo. Inútil pois mesmo quando contratado um bom arranjador, ele dificilmente terá recursos para levar adiante suas ideias e tempo para aperfeiçoá-las.
Se olharmos para trás e entendermos as fases do arranjo em nossa música podemos entender melhor o tamanho dessa perda. A partir de Pixinguinha, que lançou os modelos iniciais de orquestração ainda na década de 1920, vemos (e ouvimos) que a chegada de Radamés Gnattali deu um impulso diferente, colocando o naipe de cordas a serviço do repertório mais romântico. Dai pode-se listar a geração dos arranjadores radiofônicos, que faziam o ouvinte sonhar: Lyrio Panicali, Léo Peracchi, Severino Araújo, Carioca (Ivan Paulo, pai), dentre muitos outros. Lindolfo Gayacapitaneou a transição para o minimalismo da MPB na década de 1960 e novos expoentes surgiram como Ed Lincoln, Érlon Chaves, Theo de Barros e Eumir Deodato, cada um com seu estilo. Não esquecendo estilistas radicais como Luis Eça, Severino Filho e Rogério Duprat. Nos anos 1970, a onda do samba bem produzido e bem gravado colocou em destaque os nomes de Geraldo Vespar, Rildo Hora e Ivan Paulo (o filho do Maestro Carioca).
Por causa de minha tese de Doutorado, que aborda o acompanhamento de cavaquinho nas gravações de samba dos anos 1960, 70 e 80, estive entrevistando recentemente Vespar e Rildo e pude avaliar o quanto esses profissionais foram vitais para a qualidade e perenidade de discografias como as de Clara Nunes, Martinho da Vila, João Nogueira, etc. Não se tratava de escrever uma cifrinha e colocar um complemento ou outro por cima. Havia a preocupação de conceber uma personalidade, uma imagem sonora que identificasse aquele artista. Um trabalho que levava tempo, consumia recursos e que, ao final, deixava um duradouro rastro de prazer e alegria.
Me lembrei desse tema para esta coluna por um motivo um tanto bizarro. Tenho observado que, com a crise que drenou o pouco que havia de dinheiro na música, alguns artistas estão optando por gravar e fazer shows com apenas um instrumento de acompanhamento. Assim, chamam um bom músico e contam que ele seja também um arranjador, só que na maioria das vezes ele não é e nem tem a obrigação de ser. Os resultados desses trabalhos quase sempre fazem com que a soma de um bom cantor com um bom músico resulte em menos e não em mais. Falta o arranjo, a ideia que mantém o interesse e a fluidez. E quanta falta faz!
Nenhum comentário:
Postar um comentário