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sexta-feira, 13 de outubro de 2017

AI, PHILOMENA - MÚSICAS DO CATETE 1 (A MÚSICA POPULAR NA REPÚBLICA)

Por André Diniz




Vimos no outro texto que o “povo assistiu bestializado à Proclamação da República”. O Marechal Deodoro, primeiro presidente do Brasil, renunciou ao cargo com apenas dois anos de mandato. Assumiu, debaixo de polêmicas e revoltas, o Marechal Floriano Peixoto, que conduziu a jovem República com “mãos de ferro” até a eleição do civil Prudente de Morais, em 1894. Tudo ao ritmo do licencioso maxixe. 

Dentre os presidentes que fizeram parte da primeira república (1889/1930), frequentando o garboso Palácio do Catete, no Rio de Janeiro, Hermes da Fonseca – aquele mesmo que havia proibido o maxixe de ser executado nas bandas militares –, foi um dos mais caricaturados e cantados no repertório popular. 

Hermes era um personagem. Em 1911, ainda no tempo em que era casado com Dona Orsina, o presidente convidou o rancho carnavalesco Ameno Resedá para se apresentar no palácio Guanabara para sua família, exibindo o enredo “Corte de Belzebu”! Tal fato espantou parte da elite, mas nada comparável ao rebuliço que o presidente seria acusado de causar, a pedido de sua segunda esposa, Nair de Tefé, ao levar a maestrina Chiquinha Gonzaga ao centro do poder executivo. A caricaturista Nair era amiga de Chiquinha e a convidou para tocar no Palácio do Catete seu popular “Corta-jaca”: 

“(…) Esta dança é buliçosa / Tão dengosa / Que todos querem dançar Não há ricas baronesas / Nem marquesas / Que não saibam (…)”

A República quase caiu aos sons do “Corta-jaca”! O mais virulento ataque ao Presidente veio de Rui Barbosa, candidato derrotado por Hermes nas eleições de 1910. Rui achava um acinte levar uma música “chula”, “reles”, para o palácio presidencial. A história mostrou que o baiano reagiu mais pelo “fígado” inchado pela derrota do que por qualquer outra coisa. Basta dizer que Chiquinha Gonzaga é uma musicista cultuada até hoje. O episódio no Palácio do Catete fez o presidente receber o apelido de “Dudu Corta Jaca”:

“Neste mundo de misérias, / Quem impera / É quem é mais folgazão. / É quem sabe cortar jaca / Nos requebros / De suprema perfeição. / Ai! Ai! Como é bom dançar! Ai! / Corta jaca assim, assim, assim.”

Hermes não era um pé de valsa para dançar o “Corta-jaca”, e sim um enorme pé-frio. Um dos acontecimentos que ilustraram as urucubacas do presidente deu-se quando ele quis diversificar seus negócios, pegando dinheiro emprestado em um banco inglês e aplicando-o em um banco russo – sabe-se lá por quê! Ele teve sua grana confiscada pela Revolução Russa e acabou “financiando” Lênin e seus companheiros bolcheviques. “Ai, Philomena”, música lançada em 1915, do compositor J. Carvalho, nos dá um gostinho do azarado Hermes da Fonseca: 

“Ai, Philomena, / Se eu fosse como tu, / Tirava a urucubaca / Da careca (cabeça) do Dudu. (…) Ai, Philomena, (…) Dudu tem uma casa, / E com chave de ouro. / Quem lhe deu foi o conde / Com os cobres do tesouro. (…) Ai, Philomena, (…) Se o Dudu sai a cavalo, / O cavalo logo empaca, / Só começa a andar / Ao ouvir o ‘Corta-jaca’” 

A Primeira República marca o surgimento de dois gêneros emblemáticos no Rio, a marchinha e o samba. A partir de agora eles serão nosso caleidoscópio político e cultural.

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