O que ainda precisamos aprender
Por Henrique Cazes
Nesse ano em que o Mestre do Choro tem sido felizmente lembrado e celebrado, aproveito o calor do assunto para trazer reflexão a respeito de um aspecto que considero essencial na atividade artística de Pixinguinha: a fluência. Falo daquela capacidade de fazer tudo parecer fácil, de provocar o sorriso e colocar corpos em movimento. Aquela magia que derruba barreiras e faz com que os sons virem encantamento. Pixinguinha foi um mestre também nesse quesito.
Desde a infância e juventude, o que podemos escutar das gravações do Choro Carioca, grupo em que tocava flauta com seu professor, Irineu de Almeida, no oficleide e os irmãos Otávio, Leo e Henrique, nos violões e cavaquinho, percebe-se que a música fluía embalada pela levada do maxixe. Um maxixe bem parecido com o que tocamos hoje em dia. Depois, nos Batutas e nas formações orquestrais que marcaram época como a Orquestra Típica Pixinguinha-Donga e os Diabos do Céu, Pixinguinha se manteve sempre fluente. Como grande improvisador, usou o improviso a serviço da fluência e não para exibições de técnica.
Até nas gravações com o conjunto de Benedito Lacerda, onde o acompanhamento era sambado e não maxixado, como era de seu costume, Pixinguinha se adaptou perfeitamente, fazendo o contraponto de sax tenor funcionar como uma liga que tornava o conjunto de Benedito ainda mais fluente e balançado. Nos programas da Rádio Tupy "O pessoal da Velha Guarda", a fluência se espalha por composições, arranjos e performances, contaminando até a locução de Almirante, que muitas vezes fala no ritmo da música que está em BG.
Hoje em dia vivemos uma época um tanto estranha no Choro. Temos músicos em média mais preparados e aparelhados em termos de técnica musical, mas os conjuntos não refletem essa melhoria. A troca de informações aumentou com a internet e a escrita de partituras em computador mas isso não fez com que o número de standards de roda de choro aumentasse significativamente. Por outro lado, encontro muitas vezes uma reunião que chamam de roda de choro e onde a turma está tocando com a cabeça enterrada em cadernos de partitura e só toca o que está ali. Pouco se olham, pouco interagem. Fluência? Nem pensar.
Duas décadas depois do centenário, quando iniciamos um acerto de contas com Pixinguinha, valorizando seu papel de músico primordial então eclipsado pelo mito do homem santo, penso que seria a hora de aprendermos mais essa lição. Estudar Pixinguinha de olho em sua fluência construída pelo domínio do improviso e, quem sabe, termos um resultado mais parecido com aquela magia que acontece quando o Zé da Velha e o Silvério Pontes começam a tocar.
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