Por Mauricio Bussab, sócio-diretor da Tratore
A confusão é generalizada, a desinformação extensa. Como funciona, afinal, o pagamento das plataformas de streaming (Spotify, Deezer, YouTube, etc.) para os artistas? E que mudanças estão sendo pedidas? E quais as decisões jurídicas que influenciam isso?
Vamos começar com uma informação que nem todo mundo sabe: as plataformas não pagam ao ECAD e quando pagam, é uma ninharia (aí é minha interpretação), apenas como uma gentileza e gesto de boa fé.
Mas as plataformas pagam os artistas? É evidente que sim: pagam e pagam muito, só não o fazem através do ECAD. Elas pagam gravadoras, as editoras, os próprios artistas diretamente, os agregadores (como a Tratore), a UBEM, os compositores… todos estes recebem e recebem muito. O grosso da arrecadação das plataformas vai para os criadores. Uma parcela minoritária fica com elas. Não caia na conversa que as plataformas são malvadas e não querem pagar os criadores. Veja quem está falando isso.
O que o ECAD quer? Que as plataformas paguem a eles. Por quê? Ostensivamente, porque dizem que streaming é execução pública (como o rádio). Isso é verdade? Não. Streaming não é execução pública quando existe interatividade, quando o usuário escolhe o que vai ouvir. Streaming é execução pública no caso de rádios online, em que o usuário não escolhe o que vai tocar. Simples assim.
E o que dizem os juízes? Basicamente concordam com isso. Em um caso recente de Oi FM versus ECAD houve ganho de causa para o ECAD. Fazia todo o sentido que o órgão fosse pago, porque a Oi FM não era interativa. Mas em outro caso recente no TJ-RJ, do ECAD versus Sonora/Terra, o ECAD perdeu a ação por unanimidade porque o Sonora era interativo. E não existe execução pública em streaming interativo. Curiosamente, o ECAD não menciona este outro caso em debates recentes sobre o assunto.
Nenhum destes processos ainda teve impacto no recolhimento para o ECAD. O caso Oi já tem recurso no Supremo.
E como se posicionam os artistas nesta questão? Por incrível que pareça, estão divididos. Os independentes tendem a preferir que o dinheiro não venha pelo ECAD, pelo histórico que têm com a associação. Grandes artistas tendem a preferir o pagamento via ECAD, porque seus contratos com as grandes gravadoras são ainda menos vantajosos do que recolher pela associação. Isso explica porque certas associações de artistas se posicionam tão claramente pró-ECAD nesta questão.
Algumas gravadoras mais antigas têm, com os mais tradicionais artistas do país, alguns contratos muito antigos, escritos na época do LP e onde o digital, se tem repasse, é muito pequeno e onde não há muita transparência. Isso contrasta com os recursos oferecidos pelos agregadores que pagam porcentagens altas e fornecem relatórios diários aos artistas e selos com quem tem contrato. E também contrasta com outros contratos mais modernos, inclusive com os assinados hoje com essas mesmas gravadoras.
Muitas vezes, quando você vê uma matéria de um grande artista que recebeu centavos do digital apesar de milhões de plays, é por isso. A plataforma está pagando a um representante que tem um contrato muito desfavorável com o artista. Porque pode ter certeza: a plataforma repassa ao próximo elo da cadeia a parte do leão. E agregadores, se forem o próximo elo, também repassam a parte do leão. Mesmo os pequenos selos modernos tem essa prática. O problema são alguns contratos antigos com certos representantes. E estes artistas estariam em melhor situação se recebessem pelo ECAD. Mas eles são poucos. A maioria preferiria manter a situação da forma como está.
O resumo da ópera é esse então: o ECAD tem interesse em entrar no pagamento feito pelas plataformas aos artistas e está brigando por isso. Hoje as plataformas pagam os artistas por outros caminhos, mais eficientes para a maioria deles, mas há exceções a essa regra.
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