Por Carlos Viegas
Se você perguntar para um fã do Roberto Carlos qual é o seu disco preferido do Rei, há quase 50% de chances deste fã responder que prefere “aquele disco em que o cantor aparece na capa vestido de azul posando para a foto com o cabelo na altura dos ombros”. Falando assim, parece que Roberto tem em sua discografia um grande disco que é o preferido entre quase metade dos fãs, né? Mas a verdade é que a discografia do cantor é bastante equilibrada entre cada lançamento. O fã provavelmente preferiria um disco cuja capa fosse como a descrita anteriormente por uma questão matemática mesmo: dos 49 discos lançados pelo cantor até hoje, 24 trazem em sua imagem frontal uma foto com essas características. Olha só:
Neste universo de 24 capas, há algumas variações, é verdade. Às vezes, o azul no fundo é tão escuro que quase parece preto (como em 1979 e 1991). Algumas fotos são clicadas em estúdio e outras são registradas ao ar livre, com variações no traje usado pelo cantor, que vai do jeans surrado de 1993 (obviamente azul) ao suéter azul bebê de 1980 (praticamente um João Doria vintage). Às vezes, o Rei está mais despojado; em outras vezes, mais elegante. Às vezes, prefere encarar a câmera; em outras vezes, mirar o horizonte ou algum objeto aleatório e, em uma pequena quantidade de capas, olhar assustado para algo que aparentemente está ao lado do fotógrafo, como fez em 1974 e 1978. Tudo isso, no entanto, sem abandonar a já citada fórmula.
Comparar o mosaico de capas de Roberto Carlos com as artes nas capas de qualquer outro artista causa, inicialmente, estranhamento. Pesquisadores das mais diversas áreas têm se dedicado a estudar a função da capa do disco no sucesso destes produtos. Chegou-se já a concluir, por exemplo, que o álbum Dark Side Of The Moon, do Pink Floyd, deve uma boa parte de seu sucesso à capa com o prisma e as cores do arco-íris. A capa de Sgt. Pepper’s Lonely Hearts Club Band, dos Beatles, é mais conhecida do que qualquer música registrada naquele álbum e, logo, cumpre função importantíssima na perpetuação deste álbum como peça reconhecida e fundamental dentro da cultura pop. Com a capa do álbum sendo assim tão importante, não parece desperdício que Roberto Carlos tenha colocado em circulação capas tão iguais e monótonas que sequer ajudam a diferenciar um disco do outro?
A resposta é: não necessariamente.
Como mostram os pesquisadores da cultura pop, a função primordial da capa do álbum é ilustrar o conteúdo do disco, seja de forma direta ou indireta. Em uma primeira análise, portanto, a capa diz muito sobre o álbum. Em uma segunda análise, uma reunião de todas as capas já lançadas por um artista diz muito não só sobre cada álbum em si, mas também sobre o próprio artista e sua trajetória de maneira mais ampla. Neste sentido, a repetição de capas diz muito sobre o artista Roberto Carlos e a sua relação com os fãs. Acreditem: a repetição, no caso de Roberto, também cumpre função importantíssima na construção do mito sobre este artista.
Sem ir muito longe, podemos imaginar que a repetição dos modelos de capa funciona como um aviso aos fãs de que o novo disco de Roberto Carlos traz o velho Roberto que todos conhecem. Ou seja: quando o disco novo vem a público com a capa quase igual à do disco anterior, o artista está comunicando aos fãs que o disco novo pode ser consumido sem desconfiança e que o fã não precisa se preocupar com o que vai encontrar quando for ouvir, pois não terá ali grandes surpresas. A manutenção das canções românticas, das letras reflexivas e ainda assim verbalmente simples… tudo estará igual como era antes. Tal manutenção talvez ajude a explicar a fidelidade do público do Rei desde o início dos anos 70.
A repetição do modelo de capa, com Roberto aparecendo sempre com a mesma cara e o mesmo cabelo ao longo de quatro décadas, ajuda também a emprestar atemporalidade aos discos. Nenhum disco dele tem uma “capa com cara de antiga”, porque a capa de 40 anos atrás é igual à do último disco lançado pelo cantor. Essa intenção de Roberto, de fazer com que o seu repertório seja atemporal, está expressa também em seus shows, onde músicas de diferentes décadas aparecem lado a lado niveladas por arranjos semelhantes que fazem com que o ouvinte nem note que pulou da década de 70 para a década de 90 em dois minutos. Quantos outros artistas conseguem fazer isso?
Por falar em shows, o roteiro das capas de Roberto Carlos só tem mudado um pouco quando os registros são realizados ao vivo. Nestes trabalhos, a pose solitária do cantor ganha a companhia de um pedestal e só sofre a interferência de uma segunda pessoa em cena quando esta pessoa assina a autoria do trabalho junto com o Rei: caso do tributo a Tom Jobim dividido com Caetano Veloso (e note que mesmo nesta capa o pedestal aparece no cantinho).
Em seu Acústico MTV, o cantor também dá espaço na capa para um violão, que simboliza ali o projeto em parceria com a emissora norte-americana, em raro momento recente em que a capa de um álbum seu conversa diretamente com o conteúdo. O disco, no entanto, é uma peça à parte na obra de Roberto Carlos, tanto pelo formato estético quanto pela iniciativa comercial de se aliar a uma emissora de TV que não seja a Globo. É um disco fora do padrão por tudo isso e a capa ilustra tal especificidade.
Mas nem sempre Roberto Carlos foi assim…
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