Por Mara Natércia Nogueira
Resumo: Neste artigo, pretendese sugerir que o samba, um gênero musical brasileiro, é capaz de contar a história do Brasil, por meio de um viés mais original, mais criativo e mais autêntico. Partese da premissa segundo a qual uma compreensão mais ampla da trajetória e da identidade do povo brasileiro, pode ser obtida com as letras dos sambas pois, as mesmas, procuram retratar um “Brasil mais brasileiro” . A pretensão do artigo é a de mostrar que, se, de um lado, o samba vem cantando o encontro das diferentes culturas e da miscigenação peculiar que, no Brasil, foram capazes de produzir uma originalidade típica que deve ser preservada, de outro lado, o samba também tem sido um modo de contar a história do povo brasileiro, na perspectiva crítica do modelo de colonização que nos foi imposto.
Palavras-chave: samba, identidade cultural, identidade nacional, miscigenação, colonização.
A miscigenação que faz a nossa diferença
A miscigenação que germina no seio de uma convivência não espontânea, passa a compor um cenário que toca particularmente nas características regionais, quando se trata de pensar a formação do povo brasileiro. Martinho da Vila, cantor e compositor, por meio de um samba-enredo 6 intitulado “Quatro Séculos de Modas e Costumes” 7 reporta-se a esse aspecto:
A Vila desce colorida
Para mostrar no carnaval
Quatro séculos de modas e costumes
O moderno e o tradicional
Negros, brancos, índios
Eis a miscigenação
Ditando a moda, fixando os costumes
Os rituais e a tradição
A miscigenação, ao criar modelos identitários que vão compor os elementos culturais constitutivos das características do povo brasileiro, cria, também como é possível detectar no samba de Martinho da Vila , as condições para que, costumes, rituais e tradições passem a conviver com o que é da ordem dos modismos. Assim, o sambista reconhece que a mestiçagem tanto pode ser um elemento de coesão, como também de disputa entre os tipos brasileiros:
E surgem tipos brasileiros
Saveiros e bateador
O carioca e o gaúcho
Jangadeiro e cantador
No mesmo samba, Martinho coloca lado a lado as figuras do negro e do branco,
realçando, assim, o caráter da convivência interétnica. Mas, há de se observar que o sambista
chama a atenção, também, para o problema das relações de classe. O que aparece associado
ao branco é um elemento que valoriza a sua condição, qual seja, a elegância das damas,
enquanto que, o que aparece vinculado ao negro é simplesmente a figura da mucama, sem um
adjetivo que possa caracterizála positivamente enquanto tal.
Lá vem o negro
Vejam as mucamas
Também vem com o branco
Elegantes damas
Ainda no mesmo samba, é possível identificar a configuração de outros parâmetros e elementos que remetem aos costumes regionais caracterizados pela diversidade dos ritos e das manifestações culturais:
Desfilam modas no Rio
Costumes do Norte
E a dança do Sul
Capoeira, desafios
Frevos e maracatu
Laiaraiá, ô
Laiaraiá
Festa da menina-moça
Na tribo dos Carajás
Candomblés lá da Bahia
Onde baixam os orixás
Como conseqüência da mistura de raças, o Brasil se vê confrontado com uma
mestiçagem a um só tempo peculiar e ambígua, como já mencionamos antes. Tratase de
saber, então, em que consiste essa peculiaridade e essa ambigüidade. Na linguagem das
ciências sociais e à luz da compreensão sócioantropológica do conceito de mestiço, desde há
muito, este deixou de ter raízes especificamente biológicas, para aterse aos dados
propriamente sociais das classificações étnicoclassistas usadas por diferentes grupos sociais
em diferentes contextos (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 1987, p.74849). Em que
pese, porém, no contexto brasileiro, uma tendência representada principalmente por Gilberto
Freire, de destacar o papel integrador da mestiçagem, tratandoa como uma característica
específica da colonização portuguesa e tendente a afirmar os valores de uma nacionalidade
que, embora nova, integra os valores das diferentes etnias mestiçadas, o que importa ressaltar
é o fator de integração que a mestiçagem promove, “ao permitir ao brasileiro se pensar
positivamente a si próprio” (ORTIZ, 1985, p. 43).
Referências
ALVES, Henrique Losinskas. Sua Excelência – O Samba, 1976, 2ª ed.. São Paulo, ed. Símbolo.
BRANDÃO, Carlos Rodrigues. Identidade & etnia – construção da pessoa e resistência cultural. São Paulo : Brasiliense, 1986.
DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS / Fundação Getúlio Vargas, Instituto de Documentação; Benedicto Silva, coordenação geral; Antônio Garcia de Miranda Neto . . . / et al. / 2ª ed. , Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1987. XX, 1422 p. 14
DAMATTA, Roberto. “Digressão: A Fábula das Três Raças, ou o Problema do Racismo à Brasileira”. In: Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro. Editora Rocco, 1987, Cap.7, pp. 58 – 85.
FREIRE, Gilberto. Casa Grande Senzala. 4ª ed. Rio de Janeiro, José Olímpio, 1943. In: DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS / Fundação Getúlio Vargas, Instituto de Documentação; Benedicto Silva, coordenação geral; Antônio Garcia de Miranda Neto . . . / et al. / 2ª ed. , Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1987. XX, 1422 p.
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na PósModernidade. Tradução de Tomáz Tadeu da Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro. DP&A Ed., 1997.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed., 2003.
NAVES, Santuza Cambraia. Almofadinhas e Malandros. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro – RJ, p. 22 27. Ano 1, n° 08, fevereiro / março 2006.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e identidade nacional. 3 a . ed. São Paulo: Brasiliense, 1985.
SOUZA, Maria Luiza Rodrigues. Globalização: apontando questões para o debate. In: Memória. FREITAS, Carmelita Brito de (org.). Goiânia : Ed. UCG, 1998, pp. 4954.
Nenhum comentário:
Postar um comentário