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terça-feira, 8 de agosto de 2017

O SAMBA: CANTANDO A HISTÓRIA DO BRASIL - PARTE 02

Por Mara Natércia Nogueira


Resumo: Neste  artigo,  pretende­se sugerir que  o samba,  um gênero musical brasileiro, é capaz de contar a história do Brasil, por meio de um viés  mais original,  mais criativo e mais autêntico.  Parte­se  da premissa segundo a qual uma compreensão mais ampla da trajetória e da identidade  do povo brasileiro,  pode ser obtida com as  letras  dos sambas  pois,  as  mesmas,  procuram retratar um “Brasil mais brasileiro” . A pretensão do artigo é a de  mostrar que, se, de  um lado,  o samba vem cantando o encontro das diferentes culturas e da miscigenação peculiar que, no Brasil,  foram capazes  de produzir uma originalidade típica que  deve  ser preservada, de outro lado, o samba também tem sido um modo de contar a história do povo brasileiro, na perspectiva crítica do modelo de colonização que nos foi imposto.


Palavras-­chave: samba,  identidade cultural,  identidade nacional,  miscigenação, colonização. 



A miscigenação que faz a nossa diferença

A miscigenação que germina no seio de uma convivência não espontânea, passa a compor um cenário que toca particularmente nas características regionais, quando se trata de pensar a formação do povo brasileiro. Martinho da Vila, cantor e compositor, por meio de um samba­-enredo 6 intitulado “Quatro Séculos de Modas e Costumes” 7 reporta­-se a esse aspecto:

A Vila desce colorida
Para mostrar no carnaval
Quatro séculos de modas e costumes
O moderno e o tradicional 

Negros, brancos, índios
Eis a miscigenação
Ditando a moda, fixando os costumes
Os rituais e a tradição

A miscigenação, ao criar modelos identitários que vão compor os elementos culturais constitutivos das características do povo brasileiro, cria, também ­ como é possível detectar no samba de Martinho da Vila ­, as condições para que, costumes, rituais e tradições passem a conviver com o que é da ordem dos modismos. Assim, o sambista reconhece que a mestiçagem tanto pode ser um elemento de coesão, como também de disputa entre os tipos brasileiros:

E surgem tipos brasileiros
Saveiros e bateador
O carioca e o gaúcho
Jangadeiro e cantador

No mesmo samba, Martinho coloca  lado a lado as  figuras  do negro e  do branco,  realçando, assim, o caráter da convivência interétnica. Mas, há de se observar que o sambista  chama a atenção, também, para o problema das relações de classe. O que aparece associado ao branco é  um elemento que  valoriza  a  sua condição, qual seja, a  elegância  das  damas,  enquanto que, o que aparece vinculado ao negro é simplesmente a figura da mucama, sem um adjetivo que possa caracterizá­la positivamente enquanto tal. 

Lá vem o negro
Vejam as mucamas
Também vem com o branco
Elegantes damas

Ainda no mesmo samba, é possível identificar a configuração de outros parâmetros e elementos que remetem aos costumes regionais caracterizados pela diversidade dos ritos e das manifestações culturais:

Desfilam  modas  no Rio
Costumes do Norte
E a dança do Sul
Capoeira, desafios
Frevos e maracatu

Laiaraiá, ô
Laiaraiá

Festa da menina-­moça
Na tribo dos Carajás
Candomblés lá da Bahia
Onde baixam os orixás 


Como conseqüência  da  mistura de  raças,  o Brasil se  vê confrontado com uma  mestiçagem a  um só tempo peculiar e ambígua, como já  mencionamos  antes. Trata­se  de  saber, então,  em que  consiste  essa peculiaridade  e  essa ambigüidade. Na  linguagem das  ciências sociais e à luz da compreensão sócio­antropológica do conceito de mestiço, desde há  muito,  este  deixou de  ter raízes especificamente biológicas,  para  ater­se  aos  dados  propriamente sociais das classificações étnico­classistas usadas por diferentes grupos sociais em diferentes contextos (DICIONÁRIO DE CIÊNCIAS SOCIAIS, 1987, p.748­49). Em que  pese, porém, no contexto brasileiro, uma tendência representada principalmente por Gilberto Freire, de  destacar o papel  integrador da  mestiçagem, tratando­a  como uma característica  específica  da  colonização portuguesa  e tendente a  afirmar  os  valores de uma  nacionalidade  que, embora nova, integra os valores das diferentes etnias mestiçadas, o que  importa ressaltar é o fator de  integração que a  mestiçagem promove, “ao permitir ao brasileiro se  pensar positivamente a si próprio” (ORTIZ, 1985, p. 43). 



Referências
ALVES, Henrique  Losinskas.  Sua  Excelência  – O  Samba, 1976, 2ª  ed..  São Paulo, ed.  Símbolo.
BRANDÃO, Carlos  Rodrigues. Identidade  & etnia – construção da  pessoa  e resistência  cultural. São Paulo : Brasiliense, 1986.
DICIONÁRIO  DE CIÊNCIAS  SOCIAIS  /  Fundação Getúlio Vargas,  Instituto de  Documentação; Benedicto Silva, coordenação geral; Antônio Garcia de Miranda Neto . . . / et  al. / 2ª ed. , Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1987. XX, 1422 p. 14 
DAMATTA, Roberto.  “Digressão: A Fábula das Três Raças, ou o Problema do Racismo à  Brasileira”. In: Relativizando: Uma Introdução à Antropologia Social. Rio de Janeiro. Editora  Rocco, 1987, Cap.7, pp. 58 – 85.
FREIRE, Gilberto.  Casa Grande  Senzala. 4ª  ed.  Rio de  Janeiro,  José  Olímpio,  1943.  In:  DICIONÁRIO  DE CIÊNCIAS  SOCIAIS  /  Fundação Getúlio Vargas,  Instituto de  Documentação; Benedicto Silva, coordenação geral; Antônio Garcia de Miranda Neto . . . / et  al. / 2ª ed. , Rio de Janeiro: Editora da Fundação Getúlio Vargas, 1987. XX, 1422 p.  
HALL, Stuart. A Identidade Cultural na Pós­Modernidade. Tradução de Tomáz Tadeu da  Silva e Guacira Lopes Louro. Rio de Janeiro. DP&A Ed., 1997.
LARAIA, Roque de Barros. Cultura: um conceito antropológico. Rio de Janeiro:Jorge Zahar Ed., 2003.
NAVES, Santuza Cambraia. Almofadinhas e Malandros. In: Revista de História da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro – RJ, p. 22 ­ 27. Ano 1, n° 08, fevereiro / março 2006.
ORTIZ, Renato. Cultura brasileira e  identidade  nacional.  3 a .  ed.  São Paulo: Brasiliense, 1985.
SOUZA,  Maria  Luiza  Rodrigues.  Globalização: apontando questões  para  o debate. In: Memória. FREITAS, Carmelita Brito de (org.). Goiânia : Ed. UCG, 1998, pp. 49­54. 

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